5ª Universidade de Verão do CADTM Europa

Acabemos com as dívidas ilegítimas privadas e públicas

6 de Julho de 2017 por Eric Toussaint


Intervenção apresentada na 5ª Universidade de Verão do CADTM Europe, no plenário de abertura, a 30-06-2017, em Wépion (Namur, Bélgica).



Trata-se de combater um sistema capitalista predador da Natureza.

É preciso combater o sistema capitalista que, dois séculos após a chamada revolução industrial, gerou uma acumulação na atmosfera que provoca o aquecimento climático.

É um sistema que apenas vê na Natureza uma matéria a explorar e a mercantilizar, para extrair o máximo de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). .

Um sistema capitalista que confina um grande número de países e povos à produção para exportação de matérias-primas ao mais baixo preço possível.

Um sistema que força os países e os povos a cultivar produtos agrícolas que não consomem e a consumir mercadorias que não produzem.

Um sistema que desenvolve centrais nucleares por cujo encerramento lutamos.

Um sistema capitalista que mantém e reforça a exploração e opressão das mulheres.

Um sistema capitalista que caminha de mão dada com o sistema da dívida.

Plenário de abertura da Universidade de Verão do CADTM 2017: Zoé Konstantopoulou, Éric Toussaint, Christine Vanden Daelen, Antoine Deltour e Lucile Daumas


O sistema das dívidas privadas ilegítimas

O sistema da dívida é muito mais antigo que o sistema capitalista (ver), mas manteve-se e reforçou-se de forma sofisticada com o desenvolvimento do capitalismo (ver).

O endividamento privado foi utilizado durante milénios como mecanismo de espoliação das terras dos camponeses, dos meios de produção dos artesãos. A redução à escravidão por meio da dívida atormentou o mundo antigo durante séculos.

O sistema das dívidas privadas ilegítimas passa geralmente pela imposição de condições de empréstimo que tornam o reembolso impossível. Isto leva à espoliação (expropriação do alojamento, da terra, dos instrumentos de trabalho) ou à obrigação de consagrar muitos anos, por vezes décadas, ao pagamento da dívida.

No passado muitas revoltas tiveram por objectivo a libertação das dívidas ilegítimas: na Grécia Antiga, ou no Norte da Europa na Idade Média.

Estas lutas contra as dívidas ilegítimas voltam hoje à ordem do dia:


As dívidas públicas ilegítimas

O sistema das dívidas ilegítimas também é utilizado pelo sistema capitalista para submeter a política dos poderes públicos aos desejos do Grande Capital. Embora a dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. pudesse servir para financiar um vasto programa de transição ecológica… ela serve para impor políticas anti-sociais, extractivistas, produtivistas, incentivadoras da competição entre povos.

O endividamento público não é uma coisa má em si mesma. Os poderes públicos podem recorrer ao empréstimo para financiar um vasto programa de transição ecológica:

  • para financiar o encerramento completo das centrais nucleares;
  • para substituir as energias fósseis por energias renováveis, respeitadoras do ambiente;
  • para reduzir radicalmente o transporte rodoviário e aéreo, em benefício dos transportes colectivos em ferrovias.

Os empréstimos públicos podem portanto ser legítimos, se forem feitos ao serviço de projectos legítimos e se quem empresta o fizer de maneira igualmente legítima.

O CADTM não hesita em dizer que as grandes empresas e as famílias mais ricas deveriam contribuir para o empréstimo sem daí tirar vantagem, ou seja, à taxa zero. A generalidade dos agregados familiares poderia contribuir de forma voluntária, com uma taxa de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. real positiva.

Passa-se precisamente o contrário: os Estados e as colectividades locais pedem empréstimos quase sempre para financiar políticas ilegítimas:

  • financiar despesas de armamento;
  • financiar elefantes brancos;
  • financiar centrais nucleares;
  • financiar PPP (parcerias público-privadas);
  • financiar o reembolso de antigas dívidas ilegítimas;
  • financiar resgates bancários.

Por conseguinte, a dívida pública serve para financiar despesas ilegítimas. A maneira de financiar o reembolso da dívida é igualmente ilegítima. As grandes empresas e as famílias ricas pagam poucos impostos ou nada pagam. São as camadas inferiores da população quem tem de apertar o cinto para reembolsar a dívida. Os bancos privados emprestam aos Estados a taxas de juro vantajosas para eles (os bancos), ao passo que eles próprios (os bancos) obtêm crédito no Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). à taxa zero, como acontece na zona euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. e no Japão.

A conclusão é simples: é preciso acabar com o sistema de dívida ilegítima privada e pública.

O CADTM compromete-se com entusiasmo e com todas as suas forças, ao nível internacional e ao nível local, junto dos movimentos sociais e dos cidadãos dispostos a lutar pelo repúdio das dívidas ilegítimas, sejam elas públicas ou privadas.

Em certos casos, se os poderes públicos quiserem empenhar-se neste combate, o CADTM está disponível para prestar ajuda, nomeadamente na realização de auditorias com participação cívica. Foi o que fizemos no Equador em 2007-2008, no Paraguai em 2008 e na Grécia em 2015.

Tradução: Rui Viana Pereira


Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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