Bancos centrais: boom ou recessão?

9 de Fevereiro por Michael Roberts


Três dos principais bancos centrais reuniram-se e aumentaram de novo as suas taxas de juro básicas na chamada «luta contra a inflação». Os níveis das taxas de juro atingiram agora o nível mais alto em 15 anos. Mas os mercados financeiros tomaram os comentários dos banqueiros centrais como sinal de que as suas políticas estavam funcionando e que a inflação estava em queda. E cairia o suficiente para os bancos centrais deixarem de aumentar as taxas em breve e assim evitarem uma recessão económica.



Isto é uma ilusão. Os chefes dos bancos deram muita importância aos níveis aparentemente menos ruins da atividade económica nos dados recentes sobre o PIB PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
real. Mas isto, mais uma vez, é uma ilusão ou uma enganação.

O FMI não prevê nenhuma queda para este ano e aumentou (ligeiramente) as suas previsões de crescimento. Agora calcula que o crescimento global em 2023 será de 2,9% em relação a uma previsão anterior de 2,7%, mas isso ainda está muito abaixo dos 3,4% que o FMI estimou para 2022. E a nova previsão para 2023 baseia-se de fato numa retoma do crescimento na China e na Índia, com os dois países fornecendo mais de 50% da expansão global este ano. Não se espera que as principais economias capitalistas alcancem mais de 1%.

No entanto, o economista-chefe do FMI está puxando o barco do optimismo. Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do FMI, disse que 2023 «poderia muito bem representar um ponto de virada», com as condições económicas melhorando nos anos seguintes. «Estamos bem longe de qualquer [sinal de] recessão global», afirma Gourinchas, em clara contradição com as observações da diretora geral Kristalina Georgieva no mês passado, segundo as quais a recessão atingiria mais de um terço da economia global.

Os EUA registraram uma taxa de crescimento anualizada de 2,9% no Q4 [quarto trimestre] de 2022, o que levou um coro de economistas a rejeitarem firmemente a perspectiva de uma recessão este ano. Mas este indicador anualizado é enganador. No Q4 2022, o PIB dos EUA subiu apenas 1% em comparação com o Q4 de 2021. Mais significativo, os inventários (ou seja os bens nos estoques) contribuíram com mais de metade da taxa anual de 2,9% no quarto trimestre. As vendas aos americanos (consumidores e produtores) foram praticamente estáveis, enquanto o investimento empresarial aumentou a uma taxa inferior a 2%. As despesas reais dos consumidores foram relativamente fortes, 2,1%, mas isso se deve ás despesas permitidas pelas renuncias fiscais do governo no último ano. O crescimento do PIB real dos EUA abrandou de 5,4% em um ano no 4T 2021 para apenas 1,0% em um ano no 4T 2022. A economia dos EUA está a caminho da recessão.

O crescimento real do PIB dos EUA voltou finalmente à sua taxa de tendência pré-pandémica, mas somente após três anos de recessão e abaixo do crescimento tendencial. E agora pode voltar a baixar.

É uma história semelhante para a Zona Euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. . A economia da Zona Euro cresceu apenas 0,1% no quarto trimestre de 2022 e se o valor absurdo de 13% de crescimento do PIB registado para a Irlanda for descontado, a produção da Zona Euro caiu 0,1%. A razão pela qual a taxa de crescimento do PIB irlandês é tão elevada é porque inclui o registro dos lucros de empresas multinacionais que elegeram a Irlanda como um paraíso fiscal Paraíso fiscal Território caracterizado por cinco critérios (não cumulativos): (a) opacidade (via segredo bancário ou outro mecanismo como os trusts); (b) fiscalidade muito baixa ou nula para os não residentes; (c) facilidades legislativas que permitem criar sociedades de fachada, sem qualquer obrigação para os não residentes de terem uma actividade real no território; (d) ausência de cooperação com as administrações fiscais, aduaneiras ou judiciais de outros países; (e) fraqueza ou ausência de regulamentação financeira. A Suíça, a City of London e o Luxemburgo acolhem a maioria dos capitais colocados nos paraísos fiscais. Além disso existem as ilhas Caimão, as ilhas do Canal, Hong-Kong e outros lugares exóticos. .

De facto, grandes economias da zona euro, como a Alemanha e a Itália, contraíram-se no quarto trimestre, enquanto a França escapou por pouco da contração. E fora da zona Euro, tanto a Suécia como o Reino Unido se contraíram.

Quanto ao Reino Unido, a economia está caindo rapidamente. A economia se contraiu no terceiro trimestre de 2022 e foi provavelmente estável no quarto trimestre. Mas mesmo o BoE admite que a contração é provável neste trimestre e depois. De fato, de acordo com o FMI, existe apenas uma economia entre 30 que ele analizou que terá uma queda este ano - e trata-se do Reino Unido.

É verdade que a inflação está baixando na maioria das economias, uma vez que os preços dos alimentos e da energia, que fizeram subir as taxas no ano passado, começaram a baixar - embora ainda sejam muito mais elevados do que no início de 2021. Vale a pena lembrar que a queda da inflação não significa que os preços tenham caído - apenas que a taxa de aumento tenha abrandado. E fato que nos EUA, os preços subiram 15% nos últimos dois anos, enquanto os aumentos salariais foram metade dessa taxa.

Uma medida do impacto nas famílias das principais economias é o chamado índice de miséria. Trata-se de uma agregação da taxa de desemprego e da taxa de inflação - os demónios gémeos para os trabalhadores. As taxas oficiais de desemprego permaneceram perto dos mínimos do pós-guerra (não vou agora discutir a validade destes dados), mas o enorme aumento das taxas de inflação levou o índice de miséria a máximos não vistos durante 35 anos.

As taxas de inflação podem estar em queda, mas aquilo a que se chama inflação subjacente permanece «pegajosa». As taxas de inflação subjacente excluem os preços dos alimentos e da energia e mostram poucos sinais de cair muito.

Isto é o que preocupa os bancos centrais. E o que também mostra que os aumentos das taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. têm pouco efeito na redução da inflação, que aumentou devido aos preços dos alimentos e da energia, algo que os bancos centrais não conseguem controlar e estão agora caindo por motivos que nada têm a ver com os bancos centrais. Em vez disso, as altas das taxas dos bancos centrais estão aumentando o custo dos empréstimos para consumo das famílias e para investimentos das empresas. De facto, como disse a chefe do BCE Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
, Lagarde, na sua conferência de imprensa, o aperto monetário estava sendo «muito eficiente» no aperto da economia real. Como argumentei num post anterior, os lucros estão sendo espremidos a medida que a inflação dos preços diminui. E o aumento das taxas de juro está a apertando as empresas no outro extremo.

Claro, se os gastos dos consumidores e o investimento empresarial baixarem, então a inflação subjacente acabará caindo, mas apenas na medida que as economias entram em recessão. Mesmo assim, as grandes economias podem entrar numa queda da produção e num aumento do desemprego este ano, mas ainda ter taxas de inflação bem acima dos níveis de dois anos atrás- o pior de todos os mundos possíveis.


Fonte : Blog do Michael Roberts https://thenextrecession.wordpress.com/2023/02/02/central-banks-boom-or-slump
Tradução: Alain Geffrouais

Michael Roberts

é um conhecido economista marxista britânico, que trabalhou por 30 anos na City londrina como analista económico, e publica textos no seu blog The Next Recession

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