Éric Toussaint intervistado por Meera Srinivasan
14 de Maio de 2018 por Eric Toussaint , Meera Srinivasan
Éric Toussaint, porta-voz do CADTM
Entrevista publicada a 17 de abril de 2018 pelo The Hindu, [1] que distribui mais de um milhão de exemplares e é um dos principais jornais em língua inglesa na Índia. [2]
Os reguladores, os governos, são responsáveis, diz Éric Toussaint, do Comité para a Anulação das Dívidas Ilegítimas.
As recentes bolhas que surgiram nos mercados bolsistas e financeiros anunciam uma crise financeira iminente, provavelmente mais forte e mais perigosa que a última, segundo Éric Toussaint – historiador, politólogo e porta-voz do Comité para a Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM).
Numa entrevista concedida ao The Hindu, Éric Toussaint, que esteve recentemente no Sri Lanka para participar num seminário regional sobre a dívida, falou dos riscos provocados pelos bancos envolvidos em actividades especulativas.
Acusando as autoridades reguladoras de serem «muito indulgentes» com os bancos, afirmou que os governos e as autoridades de controlo deviam sanear o sistema bancário, separar os bancos comerciais dos bancos de investimento, acabar com os salários e bónus exorbitantes e financiar a economia real. «Em vez disso... o que tivemos foi uma longa lista de intervenções de fachada que acabaram por ser desmascaradas por uma série de falências bancárias e fraudes.»
O CADTM é uma rede internacional de activistas que trabalham para a anulação das dívidas ilegítimas. O seu secretariado internacional tem sede na Bélgica e em Marrocos; a rede está presente em mais de 30 países espalhados pelos 4 continentes. Os activistas do CADTM procuram desenvolver alternativas para ajudar as comunidades a combater a acumulação da dívida, dando particular atenção ao Sul Global. O livro Bancocratie [3], publicado por Toussaint em 2015 na Índia, [4] destaca-se pela sua análise do papel dos bancos e dos governos no aumento das dívidas públicas.
Éric Toussaint chama a atenção para uma «nova crise», resultante de uma série de erros de avaliação política ao longo dos últimos anos.
Os bancos centrais – a Reserva Federal Americana, o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu, o Banco de Inglaterra, o Banco do Japão – puseram em prática uma política de flexibilização quantitativa (quantitative easing), injectando rios de liquidez nos bancos e comprando produtos «muito tóxicos», como sejam os créditos Créditos Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor). hipotecários titularizados e os títulos garantidos por activos (Mortgage Backed Securities, Asset Backed Securities).
Embora os bancos centrais tenham comprado esses produtos, dando aos bancos «muito dinheiro», os bancos não emprestaram esse dinheiro aos produtores e às famílias. Em vez disso utilizaram-no noutras actividades especulativas, levando à criação de uma «nova bolha» nos mercados bolsistas, nos últimos quatro anos.
«É absolutamente evidente que a capitalização bolsista é totalmente exagerada, que não corresponde a um valor real dos activos das grandes empresas. Mais tarde ou mais cedo surgirá uma nova crise financeira», diz Toussaint.
A dívida privada
Também há grandes problemas provocados pela dívida privada de grandes empresas financeiras e não financeiras, cuja dívida aumentou enormemente nos últimos anos. «Há uma nova bolha neste segmento do mercado financeiro Mercado financeiro Mercado de capitais a longo prazo. Inclui um mercado primário (o das emissões) e um mercado secundário (o da revenda). A par dos mercados regulamentados encontramos mercados fora da bolsa, onde não existe a obrigação de satisfazer regras e condições mínimas. , donde resultará possivelmente outra crise.» (ver «A montanha de dívidas privadas das empresas estará no âmago da próxima crise financeira»; « Tout va très bien madame la marquise »; « Pays dits émergents : la dette des entreprises privées pourrait provoquer une crise de dette souveraine »).
O nosso desafio é o de melhorar e materializar o carácter público do sector bancário; e, no caso da Índia, defender o sector bancário público, mas modificando-o profundamente
Sobre a crise do sector bancário na Índia e a procura por certas forças de mais privatizações, Toussaint disse que o problema não vem do carácter bancário público, mas sim do facto de esses bancos terem adoptado um comportamento semelhante aos do sector privado.
A «socialização dos bancos»
Éric Toussaint defende a «socialização dos bancos», na qual os cidadãos, os empregados dos bancos e as autoridades locais controlam as actividades bancárias. «Os bancos públicos deveriam intervir na economia local e ajudá-la a desenvolver-se e a adaptar-se às necessidades da população.»
Sobre o microcrédito e sua presença na América Latina, em África e na Ásia, diz ele que há uma enorme campanha de propaganda e um apoio institucional muito poderoso, directamente dado pelo Banco Mundial à maior parte dos governos nacionais, a favor da microfinança.
Segundo as suas pesquisas, há mais de 120 milhões de devedores de microcrédito, dos quais 81 % são mulheres.
«Na minha visita ao Sri Lanka... vi a que velocidade o comércio microcrédito desenvolveu as suas actividades no país, após a guerra de 2009, [5] e a violência que pode exercer; é impossível as pessoas reembolsarem uma dívida quando têm de pagar taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. na ordem dos 40 a 60 %.» (ver « Témoignage accablant sur les victimes du microcrédit »).
Meera Srinivasan: No seu livro Bancocracie, publicado em 2015, fala da forma como os bancos e os governos de todo o mundo se entendem para aumentar a dívida pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
de forma dramática. Como vê a crise hoje em dia?
Para começar, é muito claro que os grandes bancos nos EUA, na América do Norte, na Europa Ocidental, não sanearam os seus activos. Esperava-se que saneassem as suas contas, que reduzissem os créditos duvidosos e aumentassem os fundos próprios Fundos próprios Capitais colocados ou deixados pelos accionistas à disposição duma empresa. Há que distinguir entre fundos próprios em sentido restrito, também chamados capital próprio, e os fundos próprios em sentido lato, que incluem também as dívidas subordinadas de duração ilimitada. e os activos totais. Na realidade não tomaram as decisões necessárias para que isso acontecesse e para porem cobro a actividades especulativas muito perigosas. As autoridades reguladoras deviam reforçar a sua vigilância sobre os bancos, mas vimos nos dois últimos anos que foram descuidadas em relação aos bancos. Os governos e as autoridades reguladoras deviam moralizar o sistema bancário, separar os bancos comerciais dos bancos de investimento, acabar com os salários e bónus exorbitantes e levá-los a financiarem a economia real. Em vez de uma moralização do sistema bancário, temos afinal uma longa lista de desfalques e actividades especulativas que foram foram desvendadas por uma série de falências e grandes vigarices.
Sob a presidência de Obama, o Congresso norte-americano aprovou uma lei, a lei Dodd-Franck, com o fim de reforçar a regulação e o controlo dos bancos norte-americanos. E agora Trump desmantelou essa lei e deu sumiço às poucas regras e medidas reguladoras adoptadas no quadro da lei Dodd-Franck.
Enquanto membros do CADTM, o nosso desafio consiste em ajudar os cidadãos a tentarem questionar a acumulação de dívida, para chegarem a uma conclusão sobre a sua legitimidade ou ilegitimidade
Depois, os bancos centrais – a Reserva Federal norte-americana, o Banco Central Europeu
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
, o Banco de Inglaterra, o Banco do Japão – adoptaram uma política de quantitative easing (QE – flexibilização quantitativa): este procedimento consiste em injectar muita liquidez nos bancos, comprar produtos muito tóxicos, tais como os créditos hipotecários titularizados (MBS em inglês) e títulos suportados por activos (ABS em inglês). Os bancos centrais compraram esses títulos aos bancos e deram-lhes muito dinheiro por eles. Mas os bancos não utilizaram o dinheiro para emprestar aos produtores, aos pequenos e médios produtores e às famílias. Utilizaram-no para aumentar as suas actividades especulativas, por exemplo para recomprar as suas próprias acções na Bolsa. Isto provocou o desenvolvimento de uma nova bolha nos mercados bolsistas, de há cerca quatro anos para cá. Existe o risco de um novo colapso da bolsa. É difícil predizer quando irá acontecer, mas é absolutamente evidente que a capitalização bolsista é totalmente exagerada, que não corresponde ao valor real dos activos das grandes empresas. Mais tarde ou mais cedo, haverá nova crise financeira. É também muito preocupante a dívida das grandes empresas financeiras (principalmente os bancos e seguradoras) e não financeiras. As dívidas destas empresas aumentaram enormemente nos últimos anos, de modo que existe uma outra bolha no segmento dos mercados obrigacionistas. Estas obrigações
Obrigações
Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário.
(corporate bonds em inglês) são emitidas pelas grandes empresas, a fim de conseguirem obter empréstimos a longo prazo. O rebentamento desta bolha financeira obrigacionista abre outra hipótese de crise. A última grande derrocada do mercado obrigacionista ocorreu em 1987. [6] No futuro iremos provavelmente passar por uma crise nesse sector, talvez mais forte e perigosa do que a anterior.
Meera Srinivasan: Voltemos ao Comité para a Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM) e ao trabalho que tem realizado. Diz que uma boa parte da dívida existente é ilegítima, tendo em conta a forma como foram usados os fundos – consoante são ou não utilizados segundo as necessidades da maioria da população. No que diz respeito à questão da dívida, ao nível internacional ou nacional, os governos e os bancos raramente estão dispostos a partilhar informação, por vezes sonegam-na com legislação protectora do segredo bancário e da confidencialidade. Não são muito transparentes quanto à utilização do dinheiro na Índia; só depois da lei sobre o direito à informação (Right to Information Act), em 2005, é que os cidadãos passaram a poder exigir informações. Como havemos de fazer uma ideia aproximada da dívida ilegítima?
O CADTM publicou um manual de auditoria da dívida para uso cívico
Há muitos instrumentos para obter informação, apesar de os bancos e as autoridades públicas evitarem a divulgação desses detalhes. No entanto, podemos encontrar muita informação na Internet. O problema consiste em interpretar correctamente a informação fornecida nos sites dos bancos centrais. Podemos também utilizar a informação fornecida pelos departamentos de investigação de vários grandes bancos, companhias de investimento e firmas de auditoria como a KPMG, PwC, etc. O desafio consiste em convencer cada vez mais cidadãos da necessidade de tentar compreender como é utilizada a dívida e para que fim, a que taxas de juro, quem exactamente recebe o dinheiro, quais são as condições impostas por instituições multilaterais como o Banco Mundial, o BAD, o FMI. É importante analisar os contratos e as condições impostas pelos credores e compreender o sentido real das políticas aplicadas pelos governos. Eles podem dizer: «Pedimos dinheiro emprestado por esta razão», quando de facto o utilizam para outros fins. Enquanto membros do CADTM, o nosso desafio consiste em ajudar os cidadãos a tentarem questionar a acumulação de dívida, para chegarem a uma conclusão sobre a sua legitimidade ou ilegitimidade.
Por exemplo, em colaboração com a presidente do Parlamento grego, o CADTM coordenou o Comité para a Verdade Sobre a Dívida Pública da Grécia. O CADTM, enquanto rede internacional, publicou um manual de auditoria da dívida para uso cívico, [7] participou na auditoria da dívida do Equador em 2007-2008 e na do Paraguai em 2008. Em Espanha trabalhamos com as novas forças políticas que emanam das mobilizações cívicas, como é o caso do movimento dos Indignados, que se organizou nas praças públicas em 2011. Depois de terem batido os partidos tradicionais em numerosas eleições municipais, estas forças estão prontas a aplicar auditorias cidadãs da dívida. Apesar da boa vontade destas novas forças políticas, estamos convencidos de que este objectivo não pode ser levado por diante senão sob pressão dos movimentos populares; o nosso trabalho vai nesse sentido, em Espanha.
O nível massivo da dívida pública reduz a capacidade das autoridades públicas para garantirem aos cidadãos a satisfação dos direitos humanos ao nível da educação, da saúde, da segurança de emprego. Por consequência, é vital atacar o problema dos enormes montantes de dinheiro público utilizados para reembolsar a dívida, se quisermos dedicar quantidades consideráveis do orçamento de Estado à satisfação das necessidades da população.
Quando as forças realmente progressistas procuram explicar outra alternativa aos cidadãos, conseguem obter um apoio considerável
Meera Srinivasan: Diz que os enormes montantes da dívida pública enfraquecem as instituições públicas, a governação, etc. Pode falar-nos das possíveis repercussões políticas dessa tendência? Nos últimos anos, em numerosos países europeus e no resto do mundo, vemos forças ultranacionalistas a ganharem terreno. Existe algum elo entre a crise financeira, o enfraquecimento das instituições públicas devido à acumulação da dívida e a ultradireita?
Sim, existe uma clara ligação. Ao mesmo tempo, não estou seguro de que a tendência geral seja sempre favorável às políticas de direita. Depende das situações. Na Europa e na América do Norte, é claro que a maioria dos cidadãos não está satisfeita com os partidos tradicionais.
Os partidos de extrema direita conseguem colher o apoio popular ao denunciarem a situação actual e ao proporem políticas nacionalistas, chauvinistas, racistas e anti-imigrantes. Mas ao mesmo tempo, quando as forças realmente progressistas procuram explicar outra alternativa aos cidadãos, conseguem obter um apoio considerável. Exemplo disso é a campanha de Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha, no ano passado. Os Tories anteciparam as eleições, na mira de obterem uma vitória após o Brexit. Na sua qualidade de militante de esquerda do Partido Trabalhista, Corbyn propôs uma política radical de nacionalização dos caminhos de ferro, dos serviços postais, de procurar uma solução para o problema da dívida dos estudantes e dos municípios, e defendeu uma posição anti-racista e internacionalista. Os votos a favor do Partido Trabalhista aumentaram e o partido ganhou 30 lugares no Parlamento, enquanto Theresa May perdeu 13! Neste momento é a esquerda quem ganha terreno na Grã-Bretanha e não os partidos de direita.
Nos EUA a situação era contraditória. Se o Partido Democrata tivesse decidido apoiar Bernie Sanders como candidato à Presidência, teria ganho a eleição contra Trump. Aos olhos da população, Hilary Clinton representava a ordem estabelecida. Trump representava uma hipótese de mudança e Sanders também; se Sanders tivesse sido escolhido pelo Partido Democrata, teria certamente obtido uma vitória, visto que o seu empenho a favor do povo é claramente mais autêntico que as manobras teatrais de Trump.
É claro que as chamadas campanhas da direita populista ganham terreno graças à evolução escandalosa da finança e à influência que as grandes empresas privadas e os banqueiros exercem sobre os partidos tradicionais. Mas a situação não é tão favorável à direita quando a esquerda é capaz de apresentar outra perspectiva. Por isso a esquerda tem reais hipóteses de vencer.
O problema não reside no carácter público desses bancos, mas no facto de eles terem adoptado um comportamento semelhante ao dos bancos do sector privado
Meera Srinivasan: Na sequência da crise do sector bancário na Índia, marcada por enormes fraudes no valor de milhares de milhões de dólares, numerosos economistas e responsáveis políticos defendem que o momento é propício para a privatização do sector bancário. Acha que isto pode acontecer?
O verdadeiro problema é que os bancos públicos actuais não agem a favor da maioria da população. O problema não reside no carácter público desses bancos, mas no facto de eles terem adoptado um comportamento semelhante ao dos bancos do sector privado. Não optam por fazer serviço público. E há falta de controlo cívico sobre o sector bancário público. O sector bancário público, tal como o sector bancário privado, é favorável ao segredo dos negócios e não quer ser controlado. O nosso desafio é o de melhorar e materializar o carácter público do sector bancário; e, no caso da Índia, defender o sector bancário público, mas modificando-o profundamente. Deveria acabar com as suas actividades especulativas e clientelistas. Deveria conceder crédito às famílias, às autoridades municipais para projectos úteis à melhoria da economia e das condições de vida da população. Eu preconizo a socialização dos bancos. Isto significa que os cidadãos, os empregados bancários e as autoridades públicas locais deveriam controlar as actividades bancárias. Os bancos públicos deveriam intervir na economia local e ajudá-la a desenvolver-se e a responder às necessidades da população.
A indústria do microcrédito: mais de 120 milhões de devedores de microcrédito, dos quais 81 % são mulheres
Meera Srinivasan: No Sri Lanka há uma maior consciência do microcrédito e do endividamento. É essa a tendência no Sul Global? Parece ser corrente no Sul da Ásia.
O microcrédito expandiu as suas actividades na América Latina, em África, na Ásia e em todo o Sul Global. Há uma enorme campanha de propaganda e um apoio institucional muito forte, directamente dado pelo Banco Mundial à maioria dos governos nacionais, a favor da microfinança, que é apresentada como a solução para os pobres e que visa integrá-los no mercado. Os grandes bancos privados estão cada vez mais empenhados no microcrédito. Podemos verdadeiramente falar numa indústria do microcrédito. É apoiado e organizado a nível internacional. Existem neste momento mais de 120 milhões de pessoas que contraíram empréstimos de microcrédito e 81 % delas são mulheres.
Meera Srinivasan: Mas porque é que se desenvolveu mais no Sul Global, como se tivesse escolhido por alvo os países que aspiram a desenvolver-se?
À escala mundial, dois mil milhões de adultos ainda não têm uma conta bancária e a maior parte deles vive no Sul Global. A microfinança visa ligar esses adultos aos mercados financeiros. O microcrédito é o elo que os liga à globalização da economia. É um instrumento que serve para os incorporar plenamente no sistema capitalista e no sistema comercial.
Para manterem o poder de compra, cada vez mais pessoas se endividam
Meera Srinivasan: Quando falámos de ultradireita, disse que as forças progressistas podiam apresentar uma alternativa. Disse também antes disso que os movimentos operários e os sindicatos deviam alargar a sua luta, a fim de incorporarem as questões da dívida.
Sim! Nós, à esquerda, estamos em declínio desde que Thatcher e Reagan chegaram ao poder no início dos anos 1980. Está em curso uma ofensiva geral do grande capital contra os direitos sociais. A classe operária tradicional foi afectada. Cada vez mais operários e empregados têm um emprego muito precário. A fracção de assalariados que está empregada no sector formal é uma minoria na maior parte dos países do Sul; como sabe, na Índia o sector informal da economia é dominante. Esta tendência também se verifica em países como os EUA e na maioria dos países da Europa: os empregos precários e a tempo parcial continuam a aumentar. Cada vez mais pessoas estão endividadas, porque os salários diminuem. Para manterem o poder de compra, cada vez mais pessoas se endividam.
É muito claro, por exemplo nos EUA com a crise dos subprimes. Após a crise da explosão dos subprimes em 2006-2007, 14 milhões de famílias endividadas foram expulsas das suas habitações nos EUA.
Os movimentos operários vêem-se perante o desafio de levarem em conta a questão da dívida privada das famílias, porque é muito difícil, para as pessoas que estão sujeitas a uma enorme pressão para reembolsarem uma dívida, envolverem-se em movimentos sociais e greves
Na minha visita ao Sri Lanka vi a velocidade a que a indústria do microcrédito desenvolveu as suas actividades no país, após a guerra de 2009, e a brutalidade que exerce; é impossível as pessoas reembolsarem uma dívida quando têm de pagar juros na ordem dos 40 a 60 %. Conceder microcréditos a estas taxas de juro é criar condições de sobreendividamento: as pessoas são obrigadas a contrair mais microempréstimos para reembolsarem os empréstimos anteriores. É um círculo vicioso que causa enormes problemas às vítimas desta situação, na sua maioria mulheres. É incrível ouvir os testemunhos; as mulheres dizem-nos que as agências de microfinança concedem empréstimos a pessoas que não têm rendimentos. É impossível reembolsar uma dívida sem ter rendimentos e por conseguinte essas pessoas vão perder os poucos bens que ainda possuem: se tiverem uma casa, um pedaço de terra onde cultivam legumes, vão perder tudo isso para reembolsarem a dívida.
No Norte Global e no Sul Global, os movimentos operários vêem-se perante o desafio de levarem em conta a questão da dívida privada das famílias, porque é muito difícil, para as pessoas que estão sujeitas a uma enorme pressão para reembolsarem uma dívida, envolverem-se em movimentos sociais e greves.
Traduzido por Rui Viana Pereira (a partir da tradução francesa de Bertrand Fonteyn)
[1] http://www.thehindu.com/business/Economy/sooner-or-later-there-will-be-a-new-financial-crisis/article23577190.ece
[4] Ver a recensão em inglês, http://www.thehindu.com/books/books-reviews/time-to-dump-greed-for-need/article18950836.ece
[5] A guerra civil do Sri Lanka opôs, oficialmente de 1983 a 2009, o governo do Sri Lanka dominado pela maioria cingalesa budista e os Tigres de libertação do Tamil Eelam (Liberation Tigers of Tamil Eelam – LTTE), organização separatista que luta pela criação do Tamil Eelam, um Estado independente no leste e norte do país, maioritariamente povoado por tamiles de religião hindu (18 % da população do país). Segundo as estimativas realizadas em 2008, este conflito causou desde 1972 mais de 70 000 mortos e mais de 140 000 pessoas foram dadas como desaparecidas. Fonte: Wikipedia.
[6] Ver na Wikipedia [ou na Wikipedia em português].
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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