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Dívida : os gregos e a Debtocracy.

25 de Julho de 2011 por Aldous





Debtocracy International Version par BitsnBytes

Um documentário chamado Debtocracy - Chreokratia (Chreos é a palavra
grega para «dívida») faz furor na Grécia desde que o FMI talhou em
pedaços o país. Isto é uma tradução desse filme, que expliqua os
mecanismos de submissão dum país pelo que os economistas chamam Dívida
Odiosa.

De alguma maneira, o documentário é uma «volta ao futuro» para a
maioria dos países endividados da Europa, porque a situação vivida
pela Grécia é um cenário que se vai repetir em todos os países
enfrentando a impossibilidade de reembolsar uma dívida soberana Dívida soberana Dívida de um Estado ou garantida por um Estado. em
crescimento exponencial.

O seu eco atirou muitos espectadores por todo o mundo, entre os quais
alguns deixaram comentários lamentando que o filme não esteja
disponível noutras línguas que o grego, língua que eu conheço.

Pareceu-me suficientemente impressionante para valer a pena ser
traduzido e posto à disposição dos leitores. Retranscrevo aqui então a
primeira parte do documentário de Catherine Kitidi e de Harry
Hadji-Stéphanou.

Esta parte (que apesar disso não corresponde ao princípio do filme)
explica o conceito de Dívida Odiosa Dívida odiosa Segundo a doutrina, para que uma dívida seja considerada odiosa, e portanto nula, tem de preencher as seguintes condições:

1. Foi contraída contra os interesses da Nação ou contra os interesses do povo ou contra os interesses do Estado.
2. Os credores não conseguem demonstrar que não podiam saber que a dívida foi contraída contra os interesses da Nação.

É preciso sublinhar que, segundo a doutrina da dívida odiosa, a natureza do regime ou do governo que contraiu a dívida não é particularmente importante, pois o que conta é a utilização dada à dívida. Se um governo democrático se endividar contra o interesse da população, a dívida pode ser qualificada odiosa, desde que preencha igualmente a segunda condição. Por consequência, e contrariamente a uma interpretação errada desta doutrina, a dívida odiosa não se aplica apenas aos regimes ditatoriais. (Ver Éric Toussaint, «A Dívida Odiosa Segundo Alexandre Sack e Segundo o CADTM»)

O pai da doutrina da dívida odiosa, Alexander Nahum Sack, diz claramente que as dívidas odiosas podem ser atribuídas a um governo regular. Sack considera que uma dívida contraída por um governo regular pode ser considerada incontestavelmente odiosa, desde que preencha os dois critérios acima apontados.

E acrescenta: «Se estes dois pontos forem confirmados, cabe aos credores o ónus de provar que os fundos envolvidos nos referidos empréstimos foram utilizados não para fins odiosos, prejudiciais à população do Estado, no seu todo ou em parte, mas sim para as necessidades gerais ou especiais desse Estado, e não apresentam carácter odioso».
Sack definiu um governo regular da seguinte forma:
«Deve ser considerado regular o poder supremo que existe efectivamente nos limites de um dado território. É indiferente ao problema em foco que esse poder seja monárquico (absoluto ou limitado) ou republicano; que proceda da “graça de Deus” ou da “vontade do povo”; que exprima a “vontade do povo” ou não, do povo inteiro ou apenas de uma parte deste; que tenha sido estabelecido legalmente ou não.»

Portanto não restam dúvidas sobre a posição de Sack, todos os governos regulares, sejam eles despóticos ou democráticos, em todas as suas variantes, são susceptíveis de contraírem dívidas odiosas.
, do seu uso político e conta como
o Ecuador saiu dessa armadilha em 2006.

http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%ADvida_odiosa

Esta história começa nos anos 1920 com Alexandre Sack, ministro do
Czar e especialista em direito. Após a revolução de 1917, Sack dá
aulas em universidades europeias e dos Estados Unidos. Em 1927
apresenta uma descoberta luminosa: o conceito de Dívida Odiosa.

Para definir uma Dívida Odiosa, é preciso reunir três condições:

1) a dívida foi contratada pelos dirigentes, sem a aprovação dos
cidadãos.

2) os fundos emprestados são investidos em bens que não são em
benefício dos cidadãos ou do país.

3) o credor estava perfeitamente informado desses factos mas assobiava
calmamente e com desinteresse.

A proposta de Sack é vista como progressista ou até revolucionária. Na
realidade servem nessa época os interesses duma grande potência em
construção : os Estados Unidos. Os Estados Unidos tinham criado, em
1898, um antecedente à teoria de Dívida Odiosa, época onde,
victoriosos da guerra Hispano-Americana tinham tomado possessão de
Cuba. O problema é que, ao tomar Cuba, também adquiriram a dívida
deixada por trás pelo colonizador espanhol.

A colonização espanhola tendo durado 400 anos desde que Colombo tinha
pousado o pé na América, a dívida era bastante considerável. Os
Estados Unidos decidiram que a dívida de Cuba respondia aos critérios
de Dívida Odiosa e recusaram-se à reembolsar. Uma história similar
ocorreu no México uns anos antes. Quando o exército democrático
derrubou o emperador Maximiliano, os revolucionários decidiram que as
dívidas contratadas pelo soberano eram Odiosas.

Maximiliano tinha pedido empréstimo de quantias consideráveis para
combater as forças da oposição. Como devia muito, tanto aos seus
credores como ao povo mexicano, foi posto a dez passos e fuzilado.

A maioria dos exemplos de Dívida Odiosa dos séculos XIX e XX afectam
países da América do Sul. Na realidade, por detrás de todas estas
cessações de pagamento, encontra-se um único poder : os Estados
Unidos.

Também é este poder quem introduzirá a Dívida Odiosa na história do
século XXI. Dezembro 2002. A Casa Branca acaba os retoques finais aos
preparativos de invasão e de ocupação do Iraque. Antes mesmo que as
armas falem, os oficiais preparam o dia que segue a queda de Saddam
Hussein. O departamento de Estado sabe que deverá administrar a
gigantesca dívida soberana do Iraque. É por isso necessário demonstrar
que se trata duma Dívida Odiosa. Reúne-se um grupo de trabalho secreto
que organisa a chegada da equipa governamental que, logo após a sua
tomada de poder, decretará que o povo iraquiano não deve reembolsar a
dívida nacional. Está tudo pronto para o ataque.

Éric Toussaint, presidente do CADTM (em francês no texto) :
"Lembrem-se, em 2003 os Estados Unidos e os seus aliados invadem o
Iraque. Estamos em Março de 2003 e 3 semanas depois, o Secretário do
Tesouro dos Estados Unidos convoca os seus colegas do G8 em Washingon
e diz-lhes « a dívida de Saddam Hussein é uma Dívida Odiosa. O seu
regime é um regime dictatorial, devemos renunciar a recuperar essa
Dívida Odiosa, o novo regime que vai chegar no Iraque deve ser
liberado do peso dessa dívida. George W Bush pedirá a James Baker de
convencer a comunidade internacional que a dívida de Saddam Hussein é
Odiosa e que o ditador gastava o dinheiro que lhe era emprestado em
palácios e armas. Os especialistas estabeleceram que o Iraque devia
biliões de $ à França e à Rússia em compra de mísseis exocets, de
Mirages F1 e de Migs. Na realidade, o comportamento de Saddam Hussein
não diferia muito do dos outros dirigentes. Os palácios são para os
povos árabes o equivalente aos jogos olímpicos : demonstrações de
potência económica e de organização social. A diplomacia americana
acabará por impor que a dívida do Iraque é Odiosa e que o povo
iraquiano não a deve reembolsar. Mas Washington apercebe-se de que
está abrindo o saco de Éolo (dado a Ulisses e contendo os ventos,
segundo a Odisseia) e decide esconder o caso debaixo do tapete.

Afinal os outros países disseram « Ok, suprimimos 80% da dívida
iraquiana no Club de Paris » mas também disseram « não usem
oficialmente o conceito de Dívida Odiosa » porque se o usarmos, outros
países recorrerão à jurisprudência, por exemplo, o Congo vai dizer « a
dívida de Mobutu não deve ser reembolsada », as Filipinas vão dizer, «
A dívida do ditador Marcos não a queremos reembolsar », a África do
Sul... Então para evitar a extensão do conceito de Dívida Odiosa nos
anos 2000 foi tomada uma solução Ad hoc para o caso do Iraque. Mas
para nós, trata-se da demonstração de que a doctrina da Dívida Odiosa
pode ser aplicada. Os Estados Unidos continuaram a ajudar o Iraque a
livrar-se das suas antigas dívidas mas ninguém em Washington quer mais
ouvir falar das palavras « Dívida Odiosa ». O Iraque conseguiu assim
rescindir uma grande parte das dívidas contratadas pela ditadura.
Outro país decidiu confrontar-se ao FMI e enfrentar os seus credores
pelos seus próprios meios. Conseguiu demonstrar que a sua dívida não
só é Odiosa mas também ilegal e inconstitucional."

Raphael Correa, Presidente do Equador : « Nós pomos as prioridades
nacionais acima dos interesses internacionais. Quando a hora chegar,
se podermos fazê-lo, trataremos dos interesses internacionais mas a
prioridade por enquanto é a vida e só depois a dívida. »

O Equador poderia ser um dos países mais ricos da América Latina. Mas
a partir do momento em que descobriu petróleo, o país só conheceu
ditaduras, pobreza, dívida e assassinos económicos.

John Perkins, assasino económico : « O meu verdadeiro trabalho é o de
levar países estrangeiros a contratar empréstimos, empréstimos
consideráveis, bem além do que lhes é possível reembolsar. Por
exemplo, um bilião de $ à Indonésia ou ao Equador, e este país deverá
devolver 90% do empréstimo a empresas americanas em contratos públicos
de infra-estruturas. Sociedades como Halliburton ou Bechtel, que
constroem infra-estruturas eléctricas ou portos, ou auto-estradas, e
que só servem as poucas famílias mais ricas do país. Os pobres só
herdam da enorme dívida que não podem reembolsar. »

Em 1982, o FMI chega ao Equador com um grupo de peritos representantes
dos credores do país. O Equador aceita pedir mais empréstimo para
saldar as dívidas anteriores.

Hugo Arias, presidente do tribunal de contas do Equador: «Era simplesmente um tributo permanente que o Equador tinha de pagar aos países do Norte. Por exemplo: nos decénios de 1980 a 2005, os juros da dívida representaram 50% do orçamento de Estado, chegando aos 3 a 4 mil milhões de US$ anuais, enquanto as despesas da saúde não excediam os 4%. 4000 milhões para os juros da dívida, apenas 400 milhões para a saúde! 800 milhões para a educação. Estávamos a matar a nossa própria população.»
O Equador revoltou-se. A crise pareceu ficar controlada quando Lucio Gutierres tomou posse, prometendo reformas. Apresentou-se quase como socialista. Mas uma vez no cargo, assumiu novos compromissos com o FMI e impôs uma austeridade extrema.

Os cidadãos decidiram que ele tinha de sair, pelo mesma porta que os presidentes argentinos: de helicóptero. O vice-presidente Palacio, que lhe sucede, começa com boas intenções, mas depressa se submete a Washington. O povo volta-se então para o único responsável que se opusera aos EUA: Raphael Correa.

Correa estudou economia na Europa e nos EUA e sabe como fazer frente ao FMI e ao Banco Mundial, desde que exista vontade política para o fazer.
Em 2005, quando era ministro das finanças, Rafael Correa tinha dito: «Não é normal que os rendimentos petrolíferos que dão entrada nos cofres do Estado revertam integralmente para o reembolso da dívida. É injusto para a população. 80% dos rendimentos do petróleo devem ser destinados à melhoria das despesas sociais na educação, na saúde, na criação de emprego. Apenas 20% deviam ir para o reembolso da dívida.» O Banco Mundial disse que estava fora de questão continuar a emprestar dinheiro ao Equador se este mantivesse tal lei. Ao dizer isto, o Banco Mundial estava claramente a imiscuir-se nos negócios internos do Equador; Raphael Correa recusou. Preferiu demitir-se a vergar diante do Banco Mundial. Isto tornou-o extremamente popular. Preferiu manter a dignidade em vez do cargo.

Correa acabou por ser eleito presidente em 2006. Uma das suas primeiras decisões foi destituir o representante do Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). e correr com os representantes do FMI. Entre estes, Bob Thra, que iria de seguida subjugar a Grécia, era particularmente detestado pela população. Seis meses mais tarde Correa deu um passo em frente ao estabelecer uma comissão de controle internacional.

Eric Toussaint, presidente do CADTM: «Fiz parte do grupo de pessoas designadas pelo presidente Correa para fazer parte dessa comissão; havia 18 membros e 4 organismos de Estado. Estávamos encarregues de auditar todos os contratos que tinham acarretado o endividamento do país entre 1976 e 2006. Trabalhámos 14 meses, analisámos a dívida emitida sob a forma de títulos, as dívidas relativas ao FMI, ao Banco Mundial e a outros organismos internacionais, as dívidas relativas a outros países (França, Japão, Alemanha) e por fim as dívidas públicas internas ao Equador. A batalha para aceder aos documentos foi terrível. No Ministério das Finanças um dos nossos colaboradores, e eu próprio, fomos declarados persona non grata. Os serviços do Ministério das Finanças enviaram ao ministro queixas por escrito, dizendo que Alexandro e eu tínhamos tratado mal os funcionários do ministério. Deu-nos vontade de rir, mas fez-nos perceber a que ponto seria difícil, quando fomos apontados como os maus da fita.»
Apesar das dificuldades, a comissão levou a bom termo a sua missão e verificou que uma grande parte das dívidas tinha sido subavaliada. O Estado comunicou estas conclusões aos cidadãos.

Eric Toussaint: «O mais importante ao nível da comissão de auditoria das finanças do Equador foi o facto de os nossos trabalhos terem sido tornados públicos. Portanto a população equatoriana foi informada do porquê de a dívida contraída pelo governo anterior, principalmente durante o ano de 2000, ter um carácter ilegítimo.»
Uma vez na posse dos resultados da comissão, o governo demonstrou que a dívida era infundada e bloqueou 70% do seu reembolso.

Hugo Arias: «Os credores desataram a vender as suas quotas da dívida a 20% do seu valor e o governo comprou-as em segredo. Com 800 milhões de US$ comprou 3000 milhões de dívida. Foi uma redução muito significativa que permitiu mudar as condições de vida do povo.»

Eric Toussaint: «Também é preciso juntar à poupança feita pelo Equador os juros que deveria pagar até 2012 ou 2013. Tudo somado, foi uma economia de mais de 7000 milhões de dólares para o Equador, ou seja uma economia muito importante para o país; permitiu ao governo aumentar de forma considerável as despesas de educação, saúde, criação de emprego e melhoria das infra-estruturas.»
Na Grécia, os historiadores, economistas e analistas debatem diariamente as formas de fazermos frente à dívida. Resta porém uma questão que poucos colocam: o povo grego será verdadeiramente devedor de tudo o que lhe pedem para reembolsar?

Eric Toussaint: «Eu diria que a dívida mais recente da Grécia está ferida de ilegalidade e ilegitimidade. Quais são os sinais disso? Pois bem, quando as autoridades de um país recebem luvas da parte de sociedades transnacionais, como é o caso da Siemens, que com a sua filial Siemens Hellas distribuiu dinheiro, luvas, a responsáveis, a ministros, a altos funcionários, durante mais de 10 anos para adquirir contratos, podemos dizer que existem indícios de ilegalidade e ilegitimidade; é para mim evidente que essas dívidas devem ser postas em causa.»
A justiça grega mostrou-se timorata no caso Siemens e muito lenta noutros casos de transacções que foram feitas nas costas do povo grego e aumentaram o peso da dívida que sobre ele recai. Com as transacções de swaps efectuadas em 2001, o governo hipotecou o futuro a fim de mascarar o presente com um balanço fictício bem melhor. Fez baixar artificialmente a dívida do país ao converter um empréstimo de yenes para euros e ao basear-se numa taxa de câmbio desactualizada. Para ajudar a este caldinho, a Goldman Sachs meteu a mão na massa, embolsando de caminho milhões neste negócio.

Mark Kirk, senador dos EUA: «Estou particularmente preocupado com o papel desempenhado pelas instituições financeiras dos EUA, em particular a Goldman Sachs; quando a Grécia ficou viciada em crédito, a Goldman desempenhou o papel do dealer de crack.»
Esta astúcia iludiu as pessoas durante muitos anos e as elites políticas gregas mostraram que sabiam recompensar os seus parceiros. Retomaram o Goldman Sacks como conselheiro, deixando a conta para os cidadãos pagarem.

Jean Quatremer, jornalista do Libération:
«O Goldman Sacks aconselhou o governo grego por um lado e por outro atacou o governo grego.»
O escândalo foi descoberto em 2010. Alguns dias antes, um funcionário do Goldman Sacks tinha sido posto à cabeça do organismo de gestão da dívida nacional grega.

Jean Quatremer: «Contratar uma pessoa que fez parte do Goldman Sacks é o mesmo que contratar um criminoso para nos vigiar a casa... contratar um assaltante de bancos para nos guardar a casa. Vai dar no mesmo. De facto ele conhece bem os profissionais e sabe como impedir que alguém entre na nossa casa, mas objectivamente é muito maior o risco de ele um dia se aproveitar da nossa ausência para pilhar tudo. Quem é que me garante que este personagem que passou pelo Goldman Sacks irá gerir de maneira de maneira óptima os negócios gregos?
Um grande número de países critica a Grécia pelo seu relacionamento com o Goldman Sacks; mas são os mesmos que utilizam a suas relações com o governo grego para impingir as suas armas e sistemas de defesa ao país.
Zara Vangenkecht, porta-voz do Die Linke: «Quando a Alemanha se deu conta da situação da Grécia, há coisa de um ano, a palavra de ordem foi não suspender a exportação de armas alemãs. A Grécia tinha de economizar nas pensões de reforma e nos serviços públicos, mas não no armamento. Isto demonstra o envolvimento de certos interesses. O governo alemão comporta-se como protector dos fabricantes de armas alemães e da indústria de exportação. Pretende que estas exportações continuem apesar da crise.»

Daniel Cohn Bendit (eurodeputado verde): «Somos uns hipócritas! No último ano a França vendeu 6 fragatas à Grécia por 2500 milhões de euros, helicópteros por mais de 400 milhões, Rafales a 100 milhões cada. Os meus “espiões” não me esclareceram se são 10 ou 20 ou 30 Rafales. São quase 3000 milhões! A Alemanha vendeu 6 submarinos por 1000 milhões nos próximos anos. Nós somos completamente hipócritas! Damos-lhes dinheiro para comprarem as nossas armas!»
Face à hipocrisia europeia, alguns recuos culpados completam as decisões criminosas. Sob pretexto do bem nacional, a nova Grande Ideia (nome de um projecto nacionalista abortado) deixou atrás de si baldios imobiliários em ruínas e dívidas imensas.

Georges Voulgarakis, ministro das Finanças: «Gastámos somas consideráveis, o dobro do que foi gasto em Sydney. O custo final apenas será conhecido após os final dos Jogos Olímpicos.»

C-STAN TV: «Falou em 1200 milhões de US$ para a segurança. Donde vem todo esse dinheiro?»

Georges Voulgarakis: «Tínhamos esse dinheiro.»

C-STAN TV: «São dinheiros gregos ou fundos provenientes do Comité Olímpico ou dos EUA?»

Georges Voulgarakis: «Estamos a falar de dinheiro grego. Sem dúvida é mais do que aquele de que podemos dispor, mas trata-se de segurança.»

Eric Toussaint: «Foram feitas despesas sumptuosas, indubitavelmente exageradas, pagas pela população grega, porque, para reembolsar as dívidas contraídas para realizar os Jogos Olímpicos, é utilizada uma grande parte dos impostos pagos pelos cidadãos gregos. É normal que os cidadãos gregos exijam que se faça uma análise muito clara das razões pelas quais o orçamento dos Jogos Olímpicos explodiu e para que serviram as despesas.»
Os Jogos Olímpicos e as relações com empresas como a Siemens e a Goldman Sacks são apenas a ponta do icebergue das dívidas que recaem sobre os cidadãos. Entretanto existem maus investimentos muito mais avultados que não dizem respeito apenas à Grécia, mas a todos os países da periferia da Europa.

Constantin Lapavitsas, professor de economia: «Terão sido respeitadas todas as regras, no processo que levou à monetização da dívida soberana grega? Haverá conflitos de interesse no papel desempenhado pelos bancos na venda, nos mercados primário e secundário, dos títulos da dívida grega? Que bancos são esses? Como e em que condições estão eles implicados nas transacções?»
Zara Vangenkecht: «Uma grande parte das dívidas soberanas da zona euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. foi monetizada. E isto resulta de uma política levada a cabo contra o interesse dos povos. É para financiar isso que os cidadãos pagam.»

O exemplo do Equador demonstrou que as circunstâncias ilegais nas quais a dívida foi gerada pode ser desvendada por uma equipa de economistas.
«Porque não nos dizem claramente em que consiste essa dívida? Qual o seu montante? Como foi gerada? E junto de quem estamos endividados? É para responder a estas questões que se torna urgente e imperativo criar uma comissão encarregada de esmiuçar precisamente a natureza dessa dívida. Por isso digo que não nos podemos contentar com as mentiras dos bancos, do governo ou dos papagaios que são pagos para repetir discursos vazios.»
Mas quem irá criar essa comissão de controle? E como garantir que não se tratará da enésima comissão parlamentar constituída pelas mesmas personagens que geraram a situação actual?

Constantin Lapavitsas: «Não pode ser uma simples comissão de peritos. Porque não se trata de uma comissão de peritos nomeada pelo governo; mesmo que se incluam peritos estrangeiros, e representantes da sociedade civil, há o perigo de eles serem orientados.»

Hugo Arias: «Apenas o povo tem legitimidade para exigir uma comissão de contas. Por isso é essencial sensibilizar todo o povo para que se mobilize a fim de exigir essa auditoria.»

Eric Toussaint: «Na situação grega, efectivamente, tanto o partido da Nova Democracia (direita) como o Pasok (socialista) beneficiaram eles próprios ao endividar o país nos últimos 15 anos, portanto é óbvio que esses partidos não vêm com bons olhos uma auditoria, pois a sua responsabilidade vai ser exposta aos olhos do público. Portanto o que deve acontecer é a mobilização do público grego, dos sindicatos, da magistratura grega, dos intelectuais, dos artistas... As pessoas devem expressar a sua opinião e pressionar o poder político.»

Desde Março, uma equipa de pessoas de horizontes políticos e profissionais variados lançou uma iniciativa para a criação duma comissão de inquérito encarregada de auditar a dívida grega.
Professores, jornalistas, artistas e sindicalistas do mundo inteiro apoiaram esta iniciativa. A comissão deverá dizer que parte da dívida é ilegítima e ilegal, e estabelecerá, baseada na legislação grega e internacional, que o povo grego não é obrigado a reembolsar essa parte da dívida.
Entretanto a decisão assenta nas mãos de políticos e não de economistas. Ainda que a dívida fosse legítima, nenhum governo tem o direito de assassinar a sua população para servir os interesses dos credores.

Constantin Lapavitsas: «Ainda que se demonstrasse que a totalidade dos 350.000 milhões de euros da dívida soberana grega são legítimos, o que não é o caso, a Grécia jamais poderia honrá-la. Portanto é preciso apagá-la. Se o peso da dívida implica o desmantelamento dos hospitais, da educação, das estradas, nesse caso o custo social torna-se insuportável. No essencial, o governo grego diz que irá colocar-se em incumprimento de pagamento perante os cidadãos. Não compreendo como pode um governo socialista, eleito democraticamente, decidir ficar a dever aos seus cidadãos em vez de ficar a dever às instituições financeiras. Não existe outra alternativa, nos próximos decénios, a não ser não honrar a dívida, porque ela se baseia no neoliberalismo. E o comportamento neoliberal foi um crime contra a humanidade. Ninguém tem obrigação de pagar essa dívida, porque a dívida foi acumulada através de um funcionamento viciado do mercado.»

Constantin Lapavitsas: «É odioso pagar uma dívida odiosa.»
A criação duma comissão de inquérito económico não é um fim. Trata-se de uma arma política numa batalha mais vasta duma guerra onde se defrontam desde há séculos forças antagónicas pelo domínio do sistema. Mesmo que apaguemos essa dívida, ela renascerá das suas próprias cinzas.

Constantin Lapavitsas: «Será uma arma num confronto ideológico e político. A dívida também é uma arma.»

Eric Toussaint: «Sobretudo os Gregos não devem ter medo de reivindicar os seus direitos dentro da União Europeia, em contraste com o governo grego. É fundamentalmente na luta que os Gregos têm de fazer respeitar os seus direitos. Não é submetendo-se ao diktat dos credores. Olhem para a Tunísia, olhem para o Egipto. As populações só conseguem mudar a sua situação quando se põem em acção.»


Tradução : L. Palmeira e Rui Viana Pereira

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