1 de Março de 2011 por Nicolas Sersiron
A atual crise do microcrédito na Índia e suicídios do sexo feminino são o resultado da dívida criada pelas grandes empresas capitalistas para manter em cativeiro os governos e os povos do Terceiro Mundo desde 50 anos. Um instrumento essencial de conquista. Após a retirada das tropas de ocupação e da proclamação das independências, a pergunta era: como garantir a continuação da exploração excessiva dos recursos naturais que fizeram as fortunas dos países europeus e especialmente de seus capitalistas nos últimos cinco séculos?
Sem a importação contínua de produtos minérios, do petróleo e de outros produtos agrícolas a preços tão baixos que seria melhor falar de roubo ou de saque que de verdadeira compra, poucas grandes empresas ocidentais que teriam sido capazes de continuar gerando as riquezas incríveis que seus acionistas têm hoje em dia. A transformação dessas matérias-primas, feita exclusivamente nos países do norte e a venda de produtos de consumo massivo resultante de este processo, são as causas da pobreza, por um lado, e o consumo excessivo e do desperdício por o outro lado, ou seja, da injustiça social e do desastre ambiental.
A implementação do sistema da dívida desde os primeiros dias da independência, o assassinato dos democratas eleitos e a corrupção dos outros, mantem esposados esses paises, assim perpetuando o poder exorbitante do Norte sobre o Sul. Para pagar estas dívidas, a maioria ilegítima, os países menos desenvolvidos foram obrigados a continuar exportando suas matérias-primas, sem as processar, e manter os seus trabalhadores com salários diários incompatíveis com uma alimentação adequada para as suas famílias. Desde a independência, a liberalização imposta pelo trio FMI-BM- OMC levou ao:
1) desaparecimento das barreiras alfandegárias que protegiam os pequenos produtores em frente aos mastodontes e aos produtos subsidiados do Norte;
2) a privatização das grandes empresas públicas a preços baixos
3)a livre circulação de capitais com repatriamento dos lucros. Estas medidas têm cronicamente enfraquecido os Estados do Sul e levou ao empobrecimento do seu povo. No entanto, o crescimento do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
(Produto Interno Bruto) - 5% na África e 8% na Índia - ambos promovidos pelos defensores da economia liberal, não reflete a realidade vivida pela maioria de seus habitantes. Para se ter uma idéia do Rendimento Nacional Bruto (RNB), isso que permanece no país para ser redistribuído, se deve reduzir dos valores do PIB que são tão publicadas, dos benefíços líquidos investidos no exterior. Sem imposto de alfândega e com a privatização internacional da exploração dos recursos naturais, com as corporações transnacionais (ETN) quase livre de impostos, o restante do PIB para serviços públicos de saúde, educação e investimento em infra-estrutura, é extremamente baixo .
Com novos empréstimos, as instituições financeiras internacionais obrigaram os paises pobres a pagar dívidas odiosas que nunca foram utilizadas para investimentos e desenvolvimento de seus povos, mas somente para subornar seus políticos e enriquecer as empresas transnacionais, as quais assim, podiam ganhar os mercados públicos locais. Assim, a desregulação econômica, chamada “Consenso de Washington” pelos mais fortes foi imposta para os mais fracos com fórceps financeiros e foi delicadamente chamado “plano de ajuste estrutural.” Esta desregulamentação permitiu manter o subdesenvolvimento do Terceiro Mundo . Portanto, além de aumentar a exportação de matérias-primas cada vez mais, com preços cada vez menores, estes países também tiveram de exportar uma parte significativa das receitas em divisas para tentar sair da dívida.
O livre comércio, com uma distorção da concorrência e a redução dos gastos dos serviços públicos, foi imposto pelo trio FMI-BM-OMC. O objetivo declarado era: estimular a economia e reduzir o orçamento nacional para pagar credores estrangeiros em geral estrangeiros. Em verdade, o objetivo escondido e a realidade hoje em dia nos mostra, tem sido a de aumentar os benefícios de uma pequena oligarquia internacional financeira em detrimento da justiça social e do bem-estar do povo.
Isso é também o que o povo do Norte esta vivendo nos últimos anos. Para lidar com a dívida organizada dos Estados, recentemente aumentada pelo resgate dos bancos, os governos cortaram drasticamente os gastos públicos assim preparando a privatização. O FMI e a OMC tornaram-se quase tão influente nas políticas do norte como nas políticas do sul.
Se a fome e a pobreza baixaram na China ditatorial e capitalista, mais da metade da população em 2011 ainda vivem em extrema pobreza (menos de 2 dólares por dia), isso sem mencionar o número de famintos que vai aumentar novamente pelo aumento insustentável dos preços das cereais no início deste ano.
Já faz muito tempo que as mulheres criaram em caso de problemas sérios e para garantir a segurança de suas famílias “tontinas” na África e “grupos de proteção e de crédito” na India. Estas formas de microfinanças mútualistas foram geradas numa base popular e autônomas. Elas ofereciam um verdadeiro princípio da independência das mulheres e lhes permitiam fugir dos credores privados que praticavam taxas predatória de juros até 5% por dia, em casos extremos, especialmente na Índia.
É a extrema pobreza de Bangladesh resultado de uma distribuição a nível global, totalmente desigual dos bens comuns o que permitiu o Grameen Bank ser uma instituição de microcredito com um crescimento tão rápido. A intenção era socialmente interessante, mas como podemos imaginar que o empréstimo mínimo para as mulheres pode lutar contra a pobreza global cujas causas são exógenas? Especialmente quando a taxa de devolução é de 5 a 10 vezes superior à da Europa. Os pesquisadores Roesch, Server, Guerin, e Morvant escreveram no jornal Le Monde de 13/12/2010, sobre o sul da Índia: “Nossa pesquisa estabeleceu que as taxas de credores privados (...) as mais comuns são 3 até 5% ao mês (ou 36 a 60% por ano) (...) a taxa efetiva é muito próxima à da IFM (instituições de microfinanças), atualmente em pesquisa”. Isto contradiz a afirmação das IFM que têm sempre insistido em presentear o menor nível de suas taxas em relação aos credores privados que eles qualificam como predatórios. O sucesso de Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, estimulou ás grandes instituições financeiras do mundo de aproveitar este negócio recomendando a criação de agências de microcrédito: “... investir em uma instituição de microcrédito proporciona um retorno sobre o patrimônio de mais de 20%, um reembolso do empréstimo a 99%, tudo isso para permitir que as mulheres pobres, especificamente, possam criar seus próprios negócios (.... ) Todos os nossos estudos mostram que 90% da população de Andhra Pradesh, na Índia, está em dívida e sobrevive apenas indo de um empréstimo para outro. As famílias tomam empréstimos a IFM, não porque eles têm “confiança”, mas porque eles não tem outra solução. Elas reembolsam 100%, não por “confiar” mas pela necessidade de renovar o empréstimo para poder viver. Muitas vezes, tomam um empréstimo para pagar o anterior.”. No idioma financeiro isso se chama “da cavalheira”, é uma espiral infernal de nunca se pode sair. Pelo contrário, é muito lucrativo para os credores. Isso é exatamente o que aconteceu com a PED (Países Em Desenvolvimento), após a grande crise da dívida dos anos 80. O país devedor é obrigado a pagar dois credores diferentes para a mesma quantia emprestada, com o risco de duplicar os juros devidos. Quando os emprestadores, institucionais ou privados, não controlam o nível de endividamento de uma mulher indiana antes de conceder um novo empréstimo, igual que o anterior, não é para o investimento produtivo, mas apenas para lidar com uma situação intolerável de pobreza, a válvula do endividamento se abre e a inundação de dramas que se produz no vai poder ser controlada sem ajuda externa ou sem a intervenção do Estado. A pressão insuportável de alguns funcionários das IMF em muitas mulheres na Índia, já num ponto de sobre-endividamento só pode empurrá-las ao suicídio. “Pela primeira vez um partido político chama para a não devolução e essa chamada é particularmente destinada aos dois maiores e mais conhecidas instituições de microcredito da Índia: SKS e Spandana. Eles são acusados de cobrar interesse de “usura” e de instigação ao suicídio de mulheres pobres que não podem pagar. (...) Durante anos, o microcrédito é apresentada como destinada a financiar a criação de microempresas para famílias pobres. Extensa pesquisa sobre o uso do crédito e como gerir esses fundos, em especial feita por uma equipe do IRD - CIRAD, mostrou que cerca de oito dos dez empréstimos são utilizados como crédito ao consumo, para as despesas de saúde, habitação, ou despesas educacionais. “Jornal LE MONDE.15/11/2010 LE. O jornal LIBERATION do10/02/2011, anunciou no título:.” Para os agricultores indianos, a dívida mata “. 17 mil deles cometeram suicídio em 2009 e em10 anos, mais de 150.000. Se as IMFs não estão diretamente envolvidos, os comerciantes que vendem com crédito fertilizantes, pesticidas e sementes híbridas para os agricultores, também praticam uma forma de microcrédito. Uma má colheita devido a mudanças climáticas ou outras circunstâncias imprevistas, como o ataque de insetos no algodão transgênicos, sementes mais caras para ser comprada todos os anos ao distribuidor como também os insumos químicos, cujos preços aumentam com o preço do petróleo , deixam o agricultor sem solução.
Desde que o FMI recomendou e incentivou , nos anos 90, a desregulamentação financeira da Índia, os bancos públicos agrícolas estaduais desapareceram. Muitos movimentos altermundialistas apóiam a transição para uma moderna agro-ecologia, sem insumos químicos, com sementes naturais, trocadas como tem sido feito há milênios. Isso faz parte da reivindicação de soberania alimentar. Por orgulho e para libertar suas famílias das dívidas impagáveis, o camponês indiano (muitas vezes através da ingestão de um pesticida que provocou sua ruína) ou as mulheres índias preferem pôr fim à sua própria vida. Na França, onde mais de um agricultor comete suicídio todos os dias, a dívida é também a principal causa, embora não a única.
Tradução: Michel Carles e Elisa Medeiros
Président du CADTM France, auteur du livre « Dette et extractivisme »
Après des études de droit et de sciences politiques, il a été agriculteur-éleveur de montagne pendant dix ans. Dans les années 1990, il s’est investi dans l’association Survie aux côtés de François-Xavier Verschave (Françafrique) puis a créé Échanges non marchands avec Madagascar au début des années 2000. Il a écrit pour ’Le Sarkophage, Les Z’indignés, les Amis de la Terre, CQFD.
Il donne régulièrement des conférences sur la dette.
8 de Outubro de 2010, por Nicolas Sersiron