Há um ano, a 18 de julho de 2021, Michel Husson deixou de estar entre nós
19 de Julho de 2022 por Eric Toussaint
(CC - Wikimedia - https://fr.wikipedia.org/wiki/Michel_Husson#/media/Fichier:PhotoMichelHusson.jpg)
A morte de Michel Husson, aos 72 anos, emocionou profundamente muitos camaradas por esse mundo fora. Michel Husson (1949-2021) seguiu a par e passo a evolução do sistema capitalista, a fim de contribuir para o seu derrube e para a emancipação social.
Nos dias 10 e 11 de Junho de 2022 realizou-se um seminário intitulado «Michel Husson no Panteão», no Panteão da Sorbonne, para lhe prestar homenagem. O objectivo era mostrar a relevância do trabalho de Michel Husson para aqueles que estão preocupados em manter e desenvolver uma economia política no sentido pleno do termo, ou seja, um pensamento económico que realce as questões sociais. Cerca de uma centena de colegas, camaradas e amigos participaram. Os testemunhos e contribuições apresentados demonstraram até que ponto Michel Husson ligou as suas actividades de investigação e divulgação às necessidades dos movimentos sociais. Os testemunhos de activistas e investigadores dos sindicatos CGT e CFE-CGC ilustraram isto muito bem. As contribuições de vários jovens investigadores que trabalham em diferentes instituições foram muito encorajadoras, pois fazem prova de que não caiu em saco roto a luta empreendida por Michel Husson para desmantelar as teorias conservadoras que dominam a imprensa económica e financeira e muitos think-tanks.
No seminário, Odile Chagny, companheira de Michel Husson, explicou que pouco antes da sua morte Michel estava a terminar um livro. Para o escrever, Michel mergulhou na enorme quantidade de literatura conservadora sobre os pobres e os desempregados/as.
Na introdução ao seu livro ainda publicado, Michel escreve: «durante um debate, fui desafiado por uma activista do AC! (Agir ensemble contre le chômage [colectivo de acção Acção Valor mobiliário emitido por uma sociedade em parcelas. Este título representa uma fracção do capital social. Dá ao titular (o accionista) o direito, designadamente, de receber uma parte dos lucros distribuídos (os dividendos) e participar nas assembleias gerais. contra o desemprego]) que acusou os economistas de esquecerem que por detrás dos números do desemprego há homens e mulheres.
Esta recriminação, certamente um pouco injusta, incitou-me a centrar a minha temática em torno de uma questão que apenas era implícita no meu trabalho anterior. Esta questão, que é em última análise o fio condutor deste livro, é a seguinte: como pode uma sociedade tolerar a exclusão de uma proporção de “supranumerários”, para usar a expressão de Robert Castel, ela própria colhida de Marx? Outra imagem me veio à memória: o pungente testemunho de um desempregado (um militante) que sentia que a sociedade lhe estava a enviar esta mensagem: «Não preciso de ti», em suma que ele era «inútil para o mundo», para usar outra das expressões de Castel. (…)
A primeira parte trata da «gestão» dos pobres e poderia chamar-se «A Arte de Ignorar os Pobres», decalcando o título francês de um artigo de John Galbraith. Centra-se principalmente nas leis inglesas sobre os pobres, bem como nos inquéritos sociológicos e em várias medidas de «ostracização» [«bannissement» no original, N. do T.], que já apresentam algumas similitudes com os discursos contemporâneos.
A segunda parte é dedicada ao «darwinismo» e procura mostrar que Darwin deixou portas abertas ao que viria a chamar-se «darwinismo social» ou, por outras palavras, à extensão à espécie humana do princípio da selecção natural. (…)
A terceira parte trata das derivas mais radicais do darwinismo social, quando combinado com uma abordagem racista ou nacionalista, até aos extermínios nazis e diversas experiências de esterilização. Através do retrato de indivíduos sinistros e actualmente mais ou menos esquecidos, o fio condutor desta parte é basicamente o mau uso da ciência. (…)
Por fim, a quarta e última parte retoma os elementos de teorização. A ciência estatística estava inicialmente intimamente ligada às teorias darwinistas e eugenistas. Quase todos os seus fundadores são profundamente reaccionários, independentemente da qualidade intrínseca das ferramentas que inventaram e que são ainda hoje comummente utilizadas. O mesmo se aplica à economia, essa ciência «sombria», cujos pais fundadores revelam ocasionalmente uma proximidade implícita ao darwinismo social, mesmo que esta ligação não apareça nas suas principais contribuições. Esta impregnação não desapareceu, permanece enterrada mesmo nas modernas teorias do desemprego e é por isso que existe a tentação permanente do darwinismo social, que regressou hoje em dia de forma mais ou menos eufemística.
Esperemos que este livro, intitulado Sobre a Estigmatização dos Pobres – Eugenismo e Darwinismo Social [De la stigmatisation des pauvres – Eugénisme et Darwinisme social] e que será publicado em 2023 por Page 2 e Syllepse, seja bem sucedido.
Também vale a pena mencionar o interessante testemunho de Christian Chavagneux, da revista Alternatives économiques, que destacou durante o seminário de Junho de 2022 a importância da colaboração de Michel Husson, a quem propôs que se tornasse colunista permanente da revista a partir de 2014. Cerca de 70 textos de Michel Husson foram publicados por Alternatives économiques entre 2014 e 2021. Como Chavagneux explicou, as crónicas de Michel Husson eram precisas, bem argumentadas e alimentadas por uma multidão de referências, … os seus escritos eram verdadeiras análises, frequentemente transformadas em artigos, devido à síntese impressionante que ele oferecia. Michel Husson soube desconstruir modelos neoclássicos como mais ninguém, apontando as suas inconsistências e absurdos.
Um dos cavalos de batalha de Michel era a necessidade de uma redução generalizada do tempo de trabalho. A esse propósito vale a pena reler uma das suas crónicas publicadas porAlternatives économiques.
Michel Husson também desenvolveu o seu trabalho de crítica da economia política em colaboração com o sítio À l’Encontre e a revista Inprecor, publicada pela IV Internacional.
Em muitos artigos de Michel Husson encontramos toques de humor que reflectem bem uma parte da sua personalidade, em particular o seu desejo de expor os aldrabões e «confusionistas» que se escondem atrás da «ciência económica». Vale a pena ler ou reler, por exemplo, o artigo intitulado: «Quando Se Lê um Artigo Académico, Há 50 % de Probabilidade que Não Seja Digno de Confiança!».
Michel Husson pôs as suas capacidades analíticas e argumentativas ao serviço de grandes batalhas, tais como a luta contra as dívidas ilegítimas. Michel foi colaborador activo Activo Em geral o termo «activo» refere um bem que possui um valor realizável, ou que pode gerar rendimentos. Caso contrário, trata-se de um «passivo», ou seja, da parte do balanço composta pelos recursos de que dispõe uma empresa (os capitais próprios realizados pelos accionistas, as provisões para risco e encargos, bem como as dívidas). no sítio do CADTM, que publicou 42 dos seus artigos.
A partir de 1989, Michel Husson participou na campanha para a anulação da dívida do Terceiro Mundo, em particular apoiando activamente o colectivo que lançou o Apelo da Bastilha para a anulação da dívida do Terceiro Mundo e organizou uma contra-cimeira à reunião do G7 realizada em Paris por François Mitterrand aquando do bicentenário da Revolução Francesa. Na sequência desta iniciativa, tornou-se muito activo ao lado da CADTM. Após a crise de 2008, Michel Husson envolveu-se nos colectivos de auditoria da dívida pública (CAC) lançados em 2011 por iniciativa da ATTAC e do CADTM em França com o apoio de muitas organizações. Ele deu uma contribuição fundamental para a elaboração do estudo do CAC sobre a dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. da França: Que faire de la dette ? Un audit de la dette publique de la France [fr]. O relatório estabeleceu que 59 % da dívida pública é ilegítima [fr].
Em 2015, quando a presidente do Parlamento grego criou a Comissão para a Verdade sobre a Dívida, que eu tive a oportunidade de liderar como coordenador científico, Michel Husson concordou em participar. Tal como os outros 11 peritos estrangeiros e os cerca de uma dúzia de gregos que eram membros desta comissão, fê-lo numa base completamente benemérita. Durante três meses, entre o início de Abril e o final de Junho de 2015, viajou regularmente para Atenas para participar nos trabalhos da Comissão [fr]. Michel Husson participou na elaboração do relatório da comissão [fr] que recomendou ao Governo grego que suspendesse o pagamento da totalidade da dívida exigida pela Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. (ou seja, 85 % da dívida grega), porque a considerávamos odiosa, ilegal, ilegítima e insustentável. Ele esteve presente no parlamento grego quando apresentei este relatório ao Parlamento e ao Governo gregos nos dias 17 e 18 de Junho de 2015. Quando o Governo finalmente capitulou perante a Troika no início de Julho de 2015, o primeiro-ministro decidiu pôr fim aos trabalhos da comissão, apesar da oposição da presidente do Parlamento. Quando nos reunimos novamente em Atenas em Setembro de 2015 a convite da presidente do Parlamento grego e apesar da oposição de Alexis Tsipras, Michel redigiu parte do relatório adicional que a Comissão aprovou e foi um dos seus relatores no Parlamento. Se assistirem ao vídeo da sua intervenção no Parlamento grego, verão que ele começa com ironia e passa imediatamente a uma análise implacável do 3º memorando imposto à Grécia.
Com base nos seus estudos sobre a dívida pública francesa e grega, Michel publicou em novembro de 2015 um artigo notável intitulado «Deux ou trois choses que je sais de la dette publique».
A acção e os trabalhos de Michel Husson constituem uma referência e uma fonte de inspiração que não pode cair no esquecimento.
Outras referências sobre a obra de Michel Husson:
Tradução automática, editada por Rui Viana Pereira
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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