Balanço volante de 2015
29 de Dezembro de 2015 por Pierre Gottiniaux
Uma coisa é certa: não fizemos ronha em 2015! Já nos anos anteriores não houve pasmaceira, dirão vocês e com razão; mas desta feita a azáfama foi tão flagrante que não é possível passá-la em branco: «Pois, sabe, minha senhora, para nós é coisa rotineira. Aqui onde me vê e assim como quem não quer a coisa, ainda nem tomei o pequeno-almoço e já auditei a dívida pública externa de 3 países e propus à votação 2 leis sobre os fundos abutre!»
Sai uma auditoria da dívida grega, uma!
Como devem ter reparado, a Grécia deu que falar logo no início de 2015. A União Europeia e a sua horda de cães de guarda até se engasgaram com o café do desjejum quando viram o Syriza instalar-se no governo, ainda que este tenha martelado o seu vinho para lá chegar. Apesar disso, Zoé Konstantopoulou, eleita presidente do Parlamento grego com apoio de Alexis Tsipras, não se coibiu de pedir ajuda ao CADTM a fim de pôr em andamento uma Comissão para a Verdade sobre a Dívida Pública Grega. E foi assim que Eric Toussaint, porta-voz internacional do CADTM, acabou por se tornar o coordenador científico da dita comissão, rodeado por outros membros do CADTM e peritos gregos e internacionais sobre as questões da dívida e das finanças públicas. Esta brigada de choque trabalhou sem descanso para produzir um relatório preliminar, que escalpeliza a dívida pública grega sob todos os seus aspectos, chegando a uma conclusão sem apelo: uma grande parte da dívida grega é ilegal, segundo a Constituição grega, bem como à luz de vários tratados internacionais, ratificados pela Grécia e pela Europa. Não só a dívida é ilegal em grande parte, mas também é ilegítima, odiosa e insustentável. E se vocês quiserem tirar teimas, aconselho-os vivamente a lerem o relatório que o CADTM traduziu para francês e inglês.
Desgraçadamente, todo este trabalho não impediu Alexis Tsipras e uma parte da direcção do Syriza de capitular perante os credores da Grécia e de assinar um terceiro memorando que fornece à Grécia liquidez (para pagar as dívidas, claro está) e que enterrará a população ainda mais na miséria e na desordem. A Comissão analisou em Setembro de 2015 este novo memorando e o veredicto voltou a ser o mesmo: este acordo é tão ilegal como os dois anteriores. Pior ainda, os dirigentes europeus e Alexis Tsipras não tiveram em consideração o referendo de 6 de Julho e o sonante «OXI» (não) da população grega a um novo acordo mortífero com a União Europeia. Apesar de tudo, a Comissão – oficialmente dissolvida pelo novo presidente do Parlamento em Novembro de 2015 – continua a reunir-se, a propor uma análise e alternativas fora do rumo da ortodoxia neoliberal europeia. O CADTM, por seu turno, procura dar resposta a uma série de personalidades, de movimentos sociais e de políticos para a elaboração colectiva de um plano B e de alternativas para uma outra Europa. O primeiro encontro está marcado para Paris, a 23 e 24 de Janeiro de 2016; outra conferência europeia terá lugar em Madrid, a 19, 20 e 21 de Fevereiro de 2016.
Outras iniciativas auditoria da dívida estão em curso por esse mundo fora, nas quais o CADTM participa. A Argentina iniciou este ano o processo de constituição duma comissão bicamaral (Senado + Assembleia) de auditoria da dívida e realizou-se em Buenos Aires, em Junho de 2015, uma conferência internacional que reuniu uma série de organizações populares, entre as quais a ATTAC/CADTM da Argentina, agrupadas em «assembleia», para articular as lutas contra o sistema da dívida, impulsionar a constituição efectiva da comissão de auditoria e fazer ouvir as suas vozes a propósito dos trabalhos da comissão. A Ásia também leva com a dívida ilegítima a todas as refeições e o CADTM do Paquistão está actualmente a impulsionar a criação de uma comissão de auditoria da dívida em Islamabad.
Finalmente, a RAID tunisina (membro das redes CADTM e ATTAC) e a Frente Popular (uma coligação de vários partidos políticos tunisinos) lançaram em Tunes, a 17 de Dezembro, uma grande campanha sobre a auditoria da dívida da Tunísia. O objectivo consiste em angariar um vasto apoio popular para realizar uma auditoria à dívida tunisina. No início de 2016 será apresentada uma proposta de lei para a criação da comissão de auditoria, com a participação da «sociedade civil». Entretanto, a 19 de Dezembro teve lugar uma conferência internacional onde participaram vários membros da rede internacional do CADTM, a fim de, entre outras coisas, apresentar as grandes linhas da proposta de lei.
Quem encomendou uma maré cidadã em Espanha?
Um dos próximos poisos da comissão para a verdade sobre a dívida grega, ou pelo menos dos seus membros, pode ser a Espanha. Aquando das últimas eleições municipais, em Maio, centenas de novas formações cidadãs emergiram e açambarcaram votos em Madrid, Barcelona, Saragoça, Cádis, etc. Estas novas formações, que frequentemente fazem a ponte entre os partidos políticos e os movimentos sociais, não têm peias em propor a constituição de auditorias às dívidas locais, com participação cidadã. Correndo o risco de se zangarem com quem tira proveito da dívida: Madrid já denunciou os seus contratos com a Fitch e a Standard & Poor’s, as célebres agências de notação americanas que pretendiam, poucos dias antes da falência do Lehman Brothers, que a solvabilidade do banco era impecável...
Vários membros da rede do CADTM já se encontraram e conferenciaram com estas novas administrações municipais e com os movimentos sociais que as acompanham, em Madrid, Barcelona, Valência e Cádis, a fim de apoiar o esforço de quem luta no terreno pelo não pagamento de dívidas ilegítimas. Tudo isto acontece em estreita relação com as organizações espanholas activas no terreno há vários anos, como a PACD (plataforma de auditoria cidadã da dívida) e o ODG (Observatório da Dívida e da Globalização, com sede em Barcelona), sem as quais a dinâmica da auditoria não se teria enraizado. No dia seguinte às eleições gerais, esperamos o apoio dos grupos parlamentares Podemos e Esquerda Unida (IU), dentro do Parlamento espanhol, a uma auditoria da dívida com participação cidadã activa.
Fundos abutre com molho belga à moda do CADTM
A Bélgica também mexe! As actividades nefastas dos fundos abutre levaram um valente golpe. Os necrófagos tomam repasto das dívidas em saldo dos países em dificuldades, para mais tarde reclamarem o pagamento total1, realizando mais-valias brutais à custa das populações estranguladas pelas políticas de austeridade. O CADTM e o Centro Nacional de Cooperação para o Desenvolvimento (o CNCD agrupa organizações de solidariedade norte/sul activas na região francófona da Bélgica) deram origem a uma lei, redigida com o magistrado belga Dominique Mougenot, que reduz seriamente o campo de acção daqueles predadores que, contrariamente aos verdadeiros abutres, não desempenham qualquer papel útil nos nossos ecossistemas. A proposta de lei foi assinada pelos representantes parlamentares de 10 partidos políticos, tanto do lado da oposição como da maioria – coisa tão rara, que vale a pena sublinhar. A proposta menciona designadamente o carácter ilegítimo das vantagens pretendidas por aquele tipo de credores – é caso para ficarmos bastante orgulhosos com o trabalho feito!
Ver mais informação no quadro mais abaixo e em rendez-vous par ici.
Ainda sobram uns restos, sirvo?
A prioridade do CADTM vai para a luta contra as dívidas ilegítimas mas isso não a impediu de participar nas mobilizações a propósito da COP21 (tanto no Sul como no Norte), de reflectir (3 dias de formação em Amesterdão, a 18-20 de Novembro) e de partilhar convosco excelentes momentos de encontro e convívio, como aconteceu na Universidade de Verão do CADTM Europa, que decorreu na Bélgica no início de Setembro.
No meio de toda esta azáfama, ainda arranjámos tempo para melhorar a nossa comunicação via Internet e redes sociais: uma nova versão do nosso sítio na Internet em 4 línguas, uma nova versão em árabe, a continuação do nosso esforço no sítio em grego, melhoria da regularidade dos boletins electrónicos (enviados a assinantes) em francês, inglês e espanhol. O acesso à nossa página electrónica em 4 línguas aumentou fortemente entre finais de 2014 e finais de 2015, passando duma média mensal de cerca de 80.000 para 110.000 visitantes únicos. A nossa presença nas redes sociais foi igualmente reforçada, com mais de 6400 visitantes no Facebook e mais de 2200 seguidores por twitter.
Em 2015 também desempoeirámos a nossa revista: Les Autres Voix de la Planète (AVP). Deixou de ser trimestral e passou a semestral; perdeu em periodicidade mas ganhou em peso e passou a ser centrada numa temática precisa. Nela encontrarão uma informação completa e acessível sobre temas como a reestruturação da dívida, que está na berra em relação à Grécia, Portugal e Espanha. As próximas edições debruçar-se-ão sobre a questão ecológica (em Abril de 2016), as dívidas privadas ilegítimas, a segurança social, …
Para não perderem nenhum número da revista, tratem de fazer uma assinatura! (em francês). O método continua a ser o mesmo e o preço também: por 38€ por ano (22€ para baixos rendimentos), podem receber pelo menos 2 livros e dois cadernos temáticos AVP, à razão de um por trimestre. E de tempos em tempos um pequeno bónus, como em Abril de 2016, altura em que os assinantes receberão, além da AVP, o DVD do filme Dexia: Democracia Confiscada.
Ainda em matéria de publicações, assinalemos a saída em espanhol e em francês do manual da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, com a descrição das experiências do Equador, do Brasil, da Argentina, e também os casos europeus – disponível no CADTM por encomenda e podendo também ser livremente descarregada (em francês, em inglês e em espanhol). O livro Bancocracia, publicado em 2014 em francês, em espanhol e em inglês, está igualmente disponível por encomenda ou por descarga electrónica livre.
E por fim a cereja no topo do bolo: o CADTM esteve presente no Fórum Social Mundial de Tunes, no qual co-organizámos uma quinzena de oficinas sobre diversos temas (dívida, austeridade, auditorias da dívida, situação na Grécia, acordos de livre comércio, extractivismo, crise alimentar, políticas das IFI, microcrédito, lutas das mulheres, etc.) e participámos activamente em várias assembleias de convergência, como a Assembleia dos Movimentos Sociais (AMS), a Assembleia para a Saúde e a Protecção Social, bem como no Fórum Parlamentar Mundial, consagrado em grande parte à dívida.
Em 2016 irá realizar-se a nossa Assembleia Mundial da Rede CADTM Internacional, que terá lugar em Marrocos, a fim de fazer o balanço sobre a acção e as actividades de todos os membros da rede (36 organizações espalhadas por 34 países) e de preparar o plano de acções para os meses e anos seguintes. Daremos notícias no nosso site.
Todos estes pequenos progressos para os quais o CADTM contribuiu seriam impossíveis sem as centenas e milhares de cidadãos e cidadãs que se mobilizam por um mundo diferente, sem as manifestações de rua, sem as múltiplas acções de protesto e reivindicação. Cada uma destas acções dá-nos força para irmos mais longe e fazemos questão de vos agradecer e de vos incitar a que não desistam!
Evidentemente, tudo isto deixa pouco tempo para admirar as folhas a caírem das árvores e observar as borboletas … Mas teremos todo o tempo do mundo depois de alcançarmos a anulação das dívidas ilegítimas, de derrubarmos o capitalismo e de participarmos na construção de um sistema que favorize os seres humanos e a natureza, em vez dos accionistas e respectivo lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). . E para nos ajudar contamos convosco, como sempre! Podem fazer uma doação, mas não só: podem também propor os vossos serviços, participar nas mobilizações e nas actividades que organizamos, tornarem-se animadores, vestir as nossas maravilhosas t-shirts (sobretudo quando forem ao banco), aderir ou criar um grupo local… (ver detalhes aqui).
Será um prazer estar convosco, aqui ou ali, hoje ou amanhã, e …
Hasta la victoria siempre !
Lei sobre os fundos abutre: miolo do diploma «Art. 2 – Quando um credor adquire uma vantagem ilegítima por meio da recompra de um empréstimo ou de um crédito sobre o Estado, os seus direitos em relação ao Estado devedor serão limitados aos preços que esse credor pagou na retoma do empréstimo ou crédito. Seja qual for o direito aplicável à relação jurídica com o Estado devedor da obrigação de pagamento, a ordem pública belga opõe-se à ordem de pagamento sobre o fundo, a uma execução judicial ou a uma sentença arbitral estrangeira, quando esse pagamento der lugar a uma vantagem ilegítima para a parte que recompra a terceiros o empréstimo ou crédito. A procura duma vantagem ilegítima deduz-se da existência duma desproporção manifesta entre o valor de recompra do empréstimo ou do crédito pelo credor e o valor facial do empréstimo ou do crédito ou ainda entre o valor de recompra do empréstimo ou do crédito pelo credor e os montantes de pagamento que ele exige. Para que se trate de vantagem ilegítima, a desproporção manifesta visada na alínea anterior deve ser completada por pelo menos um dos seguintes critérios: o credor abusou da situação de fraqueza do Estado devedor para negociar um acordo de reembolso manifestamente desequilibrado; (…) o reembolso integral dos montantes reclamados pelo credor têm um impacte desfavorável e identificável sobre as finanças públicas do Estado devedor e podem comprometer o desenvolvimento socioeconómico da sua população.» Ver o texto integral. |
Tradução de Rui Viana Pereira
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