Por um imposto de emergência covid-19

16 de Junho de 2020 por Eric Toussaint , Susan George , Catherine Samary , Miguel Urbán Crespo , Colectivo de signatários


É urgente colocar na ordem do dia a distribuição da riqueza, ou seja, a ideia de que os rendimentos elevados e as grandes propriedades devem ser tributados no interesse da comunidade, diz um grupo de signatários em carta aberta.



A crise do Covid-19 obrigou os Estados europeus a uma série de despesas excepcionais para fazer face a uma situação sanitária e social extremamente grave. A suspensão temporária da aplicação do Pacto Europeu de Estabilidade e Crescimento permitiu aumentar os níveis de défice sem a ameaça de sanções por parte das instituições europeias. Mas a questão agora é saber quem vai pagar a conta: se o endividamento do Estado vai conduzir a novos planos de austeridade e ajustamento, ou se os mais ricos vão ser obrigados a pagar. Por isso é urgente colocar a distribuição da riqueza na ordem do dia, ou seja, a ideia de que os rendimentos elevados e as grandes propriedades devem ser tributados no interesse da comunidade.

Pensamos também que a crise do coronavírus exige uma resposta coordenada a nível internacional. Na Europa, a União Europeia e o mercado comum revelaram-se incapazes de coordenar uma resposta sanitária e uma política económica consentânea com a emergência social. É por isso que queremos promover medidas que impulsionem uma Europa diferente, adaptada à situação de emergência em que nos encontramos, solicitando ao Conselho Europeu que aplique «impostos covid-19» para cobrir as necessidades económicas actuais. Na ausência de um acordo de todos os Estados, consideramos que este imposto pode ser coordenado entre os países que o decidem, sem esperar pelo consenso dos 27. E se não for possível chegar a um acordo entre vários governos, um único governo pode tomar essa decisão.

Por isso propomos:

  • A introdução urgente, pelos Estados europeus, de um sistema de «impostos de emergência covid-19» para tributar os lucros das empresas e os grandes patrimónios, como medida para fazer face às despesas maciças causadas pela crise. O pagamento do imposto será efectuado antes de 30 de Junho de 2020.
  • A organização do pagamento do imposto será assegurada pelos cofres públicos dos diferentes países. Propomos este imposto a todos os países europeus, com o objectivo de criar um fundo especial de solidariedade europeu – Covid19 – gerido de forma coordenada entre os Estados que apoiam a iniciativa.
  • Os fundos serão utilizados de acordo com as necessidades e o impacto da pandemia em cada país. Os Estados gerem os fundos recebidos de uma forma coordenada para:

As quatro modalidades desse imposto de emergência seriam:

  • um imposto sobre os lucros das empresas superiores a 5 milhões de euros, obtido em todos os Estados-membros com base no volume de negócios e na actividade económica nesses Estados-membros. Será aplicado um imposto de 3 % sobre os lucros líquidos obtidos -* calculado após dedução da soma dos rendimentos totais recebidos, tanto os relacionados com o volume de negócios como os outros, e de todas as despesas relacionadas com a obtenção do rendimento total – antes da aplicação dos impostos nacionais correspondentes ao exercício fiscal de 2019, efectuados em cada um dos países europeus por empresas, consórcios ou sociedades, quer a sede fiscal da sociedade-mãe se situe num dos Estados-membros ou num país terceiro;
  • um imposto sobre o património pessoal, independentemente da forma jurídica do imóvel. Será cobrada uma taxa de 3 % do valor de mercado dos activos, estimada em 31 de Dezembro de 2019, sobre todos os bens imóveis de qualquer tipo, de montante igual ou superior a 1 milhão de euros. A partir de 10 milhões de euros, a taxa aumentaria para 5 % do valor de mercado de todos os activos, estimado em 31 de Dezembro de 2019;
  • um imposto sobre os activos dos fundos de investimento e das sociedades gestoras de activos. Os seus activos serão tributados a 3 % do valor de mercado de todos os seus activos estimados em 31 de Dezembro de 2019;
  • um imposto sobre as transmissões de bens de qualquer tipo: todos os montantes transferidos por pessoas colectivas serão tributados a 3 % do valor de mercado. Será cobrado um imposto de 2 % sobre o valor de mercado de todos os montantes transferidos por pessoas singulares, a partir do montante de 1 milhão de euros.

Sabemos que a emergência sanitária, social e económica da pandemia do coronavírus exige uma resposta urgente e imediata; com efeito, já foram mobilizados milhares de milhões de euros para este fim, o que resulta num aumento da dívida que não pode ser absorvida pelos Estados e que irá dificultar a sua capacidade de fazer face à situação. Por conseguinte, consideramos fundamental que o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu (BCE Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
) cancele todas as dívidas dos Estados-membros destinadas a combater as causas e os efeitos da pandemia ou que, pelo menos, as transforme em «dívidas permanentes» não relacionadas com os orçamentos actuais. Enquanto se aguarda uma decisão e como forma de pressão para que esta medida seja tomada, propomos que os Estados declarem uma suspensão unilateral do pagamento da dívida, combinada com a realização de uma auditoria com a participação dos cidadãos com vista ao repúdio/cancelamento da parte ilegítima.

No contexto actual, fala-se em ajudar as empresas europeias a fazer face à crise. É essencial para nós defender a suspensão de todas as ajudas às empresas cuja sede, sociedade-mãe ou filial se encontrem num paraíso fiscal Paraíso fiscal Território caracterizado por cinco critérios (não cumulativos): (a) opacidade (via segredo bancário ou outro mecanismo como os trusts); (b) fiscalidade muito baixa ou nula para os não residentes; (c) facilidades legislativas que permitem criar sociedades de fachada, sem qualquer obrigação para os não residentes de terem uma actividade real no território; (d) ausência de cooperação com as administrações fiscais, aduaneiras ou judiciais de outros países; (e) fraqueza ou ausência de regulamentação financeira. A Suíça, a City of London e o Luxemburgo acolhem a maioria dos capitais colocados nos paraísos fiscais. Além disso existem as ilhas Caimão, as ilhas do Canal, Hong-Kong e outros lugares exóticos. ou cujas fórmulas jurídicas e fiscais visem verdadeiramente promover a evasão e o dumping fiscais, adoptando as definições mais rigorosas de paraísos fiscais, como na lista proposta pela Oxfam ou pela Rede de Justiça Fiscal. Além disso, é essencial coordenar os Estados a fim de estabelecer sanções económicas contra os países dentro e fora da UE que actuam como paraísos fiscais. Só assim será possível combater a evasão fiscal maciça que, juntamente com as políticas neoliberais, reduziu drasticamente a capacidade de cobrança de impostos por parte dos Estados.

De igual modo, vimos nos últimos meses como os vários bancos centrais da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos estão a financiar directamente os seus governos «sem limites» na sua luta contra a epidemia e respectivas consequências. Pensamos que é fundamental que, como se fez com o limite do défice, se quebre a camisa de forças neoliberal que impede os bancos centrais que compõem o sistema do euro de financiar directamente os Estados. A política neoliberal consagrada em muitos tratados europeus não só não conseguiu fazer face à pandemia como também se revelou um obstáculo; é tempo de romper com estes tratados e de virar a Europa do avesso.

A pandemia de covid-19 demonstra a profunda incompatibilidade entre o funcionamento do capitalismo e a defesa da vida. Por conseguinte, o horizonte que orienta as nossas políticas deve orientar-nos para um novo modelo produtivo, económico e social que seja justo, democrático e sustentável e que ponha fim à desigualdade, à pobreza e aos danos causados à natureza. Acreditamos que, mais do que nunca, devemos contribuir para a sensibilização e a mobilização das nossas sociedades. É óbvio que a aplicação destas taxas de emergência europeias covid-19, por si só, não será suficiente para travar esta batalha. O desafio é muito maior. Mas temos de começar por algum lado. E talvez seja tempo de colocar algumas propostas concretas em cima da mesa.

Lista de signatários:

Alemanha: Andrej Hunko, deputado do Die Linke no Bundestag

Bélgica: Anne-Marie Andrusyszyn, Directrice CEPAG; Olivier Bonfond, économiste CEPAG; Jean-Claude Deroubaix, sociologue Université de Mons; Anne Dufresne, GRESEA; Ariane Estenne, presidente do Mouvement Ouvrier Chrétien; Corinne Gobin, politóloga da Universidade Livre de Bruxelas; Christine Mahy, secretária-geral da Réseau Wallon de Lutte contre la Pauvreté; Jean-François Ramquet, secretário regional interprofissional FGTB Liège-Huy-Waremme; Jean François Tamellini, secretário federal FGTB (e militante anticapitalista), Éric Toussaint, porta-voz do CADTM internacional; Pascale Vielle, professora de Direito Social na UCLouvain

Estado Espanhol: Carles Riera, deputado da CUP no Parlamento catalão; Mireia Vehi, deputada da CUP no Parlamento espanhol; Miguel Urban, eurodeputado Anticapitalistas; Guillén del Barrio, porta-voz do Movimento Assembleário dos Trabalhadores da Saúde (MATS)

França: Susan George; Christophe Aguiton; Clementine Autain (deputada na Assembleia Nacional, France Insoumise); Myriam Martin (Ensemble); Catherine Samary

Itália: Giovanna Vertova, Ricercatrice in Economia politica, Università di Bergamo; Franco Turigliatto, ex-senador da República; Checchino Antonini, jornalista, director do Anticapitalista; Cristina Quintavalla, CADTM Itália); Eliana Como, director CGIL; Antonio Moscato, historiador; Eleonora Forenza ex-MEP; Marco Bersani, Attac Italia

Portugal: Nelson Silva, membro do Conselho Nacional da CGTP

Suíça: Stephanie Prezioso, membro do Parlamento (SolidaritéS)


Fonte: Le soir

Tradução do francês: Rui Viana Pereira

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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Miguel Urbán Crespo

Député européen pour Anticapitalistas et membre du groupe parlementaire The Left au Parlement européen.

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