9 de Dezembro de 2013 por Rui Viana Pereira
Quando chega o momento de decidir sobre actos administrativos e legislativos que põem em causa direitos humanos e do trabalho, o Tribunal Constitucional (TC) oscila frequentemente para o lado dos interesses representados pela Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. . Este percurso ziguezagueante não tem nada de estranho, se tivermos em conta a natureza do TC e o enquadramento histórico da sua criação, como propusemos na primeira parte deste artigo [1].
As decisões do TC têm consequências de dois tipos: umas financeiras – correspondentes aos argumentos apresentados pelos poderes públicos para justificar as medidas de austeridade –, outras de princípio – sonegação de direitos e garantias oferecidos pelo modelo do Estado de direito e pela Constituição; sonegação de acordos negociados colectivamente pelos trabalhadores. Essa sonegação de princípios tem consequências reais, concretas e devastadoras na vida das pessoas, na sua saúde, no emprego, nas relações de trabalho.
O Jornal de Negócios apresentou recentemente [2] uma infografia que resume alguns dos acórdãos do TC e respectivas consequências financeiras:
Acórdãos contra medidas de austeridade:
Acórdãos favoráveis às medidas de austeridade:
«Arrecadar», ou «poupar», é o tipo de terminologia que os poderes públicos gostam de usar, em sintonia com os Memorandos da Troika. Mas donde vem todo esse dinheiro? O conteúdo da lista acima apresentada faz saltar à vista que não se trata de racionalização ou reestruturação de serviços, mas sim de extorsão pura e simples sobre os rendimentos dos trabalhadores. Os 7.715 milhões de euros provêm na sua totalidade da retribuição do trabalho (aliás os impostos sobre o capital até foram aliviados [4], excepto no caso dos pequenos proprietários e negociantes). Seria de esperar, segundo os princípios primeiros da Lei Fundamental e os princípios gerais da justiça social, que essas verbas revertessem para o salário indirecto (isto é: para benefícios que os trabalhadores e a população em geral obtêm como forma de devolução das taxas e contribuições extraídas do rendimento do trabalho – ensino, saúde, educação, apoio ao desemprego, cultura, meio ambiente, etc). Mas não, esses dinheiros não se destinam a acudir à situação de miséria e desemprego em que se encontram vastas camadas da população. Pelo contrário, foram reduzidas todas as verbas de apoio ao desemprego, ao rendimento mínimo necessário para uma vida humanamente digna, à saúde, ao ensino, à protecção do ambiente e reparação dos danos causados pela indústria, à produção e divulgação da cultura, à investigação científica.
Mas então para onde vão os 7.715 milhões de euros? Como tem sido abundantemente documentado por estudos independentes, por alguma comunicação social e em artigos publicados pelo CADTM e pelo CADPP, estas «poupanças» destinam-se a:
No balanço das decisões do Tribunal constitucional há ainda a considerar um conjunto de casos, uns gerais outros sectoriais. A título de exemplo:
Posições favoráveis aos trabalhadores:
Posições favoráveis às medidas de austeridade, contra os interesses dos trabalhadores:
Como se vê, o TC não hesita em apoiar o banditismo dos poderes públicos e das entidades privadas, no que diz respeito ao roubo de fundos pertencentes aos trabalhadores. As duas listas de decisões apresentadas acima constituem uma amostra humilde da actividade exercida pelo TC nos últimos anos.
Como se disse na primeira parte desta série de artigos, sendo o Tribunal Constitucional um órgão de soberania com responsabilidades eminentes na manutenção do acordo de regime, a única forma de contrariar as suas decisões ou pressioná-lo para decidir de harmonia com os princípios fundamentais da Constituição (expressos nos primeiros artigos) consiste em inverter a relação de forças, activando os movimentos sociais de base. A aposta nas batalhas superstruturais tem uma utilidade muito relativa e limitada, porque é precisamente aí que a batalha pelos direitos fundamentais e do trabalho está a ser perdida.
Rui Viana Pereira, membro do CADPP, 29-11-2013
[1] Ver «O Papel do Tribunal Constitucional Português».
[2] Jornal de Negócios, 27-11-2013, «Infografia: Constitucional deixou passar 80% da austeridade», http://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas_publicas/detalhe/infografia_constitucional_deixou_passar_80_da_austeridade.html . Ver anotações e pormenores no referido artigo. (N. do A.: toda a informação contida no artigo citado foi aceite pelo A. sem confirmação.)
[3] Para uma análise do roubo dos subsídios, ver por exemplo Grazia Tanta, http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/o-tribunal-constitucional-e-o-roubo-dos.html
[4] Segundo notícia publicada em http://www.noticiasaominuto.com/economia/131055/imposto-de-selo-no-financiamento-da-banca-reduzido-em-90, o Governo prometeu aos bancos uma redução do imposto de selo e (mais importante) do seu método de cálculo, o que permitirá às instituições financeiras poupar entre 400 e 500 milhões de euros no próximo ano (segundo uma estimativa fornecida por Grazia Tanta).
[5] Exemplo recente: A empresa Martifer alugou ao Estado os terrenos e equipamentos dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC); o contrato dura até 2031, com uma renda anual de 415 mil euros (total = 7 milhões de euros no final de 2031). Este contrato implica o despedimento de 609 trabalhadores, que deverão ser indemnizados pelo Estado até Janeiro de 2014, num valor total de cerca de 30 milhões de euros. Além disso o Estado tem de pagar indemnizações milionárias a diversas entidades, pois ao interromper a laboração do estaleiro não cumpriu os contratos de construção naval em curso. Ver: Expresso, 29-11-2013; Diário de Notícias, 27-11-2013; e numerosas outras notícias, ao longo do último ano, sobre o não cumprimento de contratos e encomendas.
revisor, tradutor e sonoplasta; co-autor de Quem Paga o Estado Social em Portugal? e de «E Se Houvesse Pleno Emprego?», in A Segurança Social É Sustentável (Bertrand, Lisboa, 2012 e 2013 respectivamente); co-fundador do CADPP.
Membro do grupo cívico Democracia & Dívida.
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