Após o frutífero encontro entre movimentos laicos e católicos em Génova no passado dia 15 de julho [1], que deu origem à Carta de Génova para a abolição das dívidas ilegítimas, uma vintena de movimentos italianos e realidades progressistas fizeram um encontro, desta vez na capital, Roma, para o lançamento do CADTM Itália, no passado dia 15 de setembro.
A sala autogerida da Faculdade Lettere e Filosofia da Universidade La Sapienza estava lotada. Militantes de coletivos universitários, professores, membros das auditorias da dívida locais (entre as quais a Comissão para a auditoria da dívida de Parma), de Attac Itália, Communia, de partidos políticos (como Esquerda Anticapitalista), de associações da sociedade civil (Associazione cultural ele Bradipo, Arci, POP-Fora Giornalismo, Cooperativa Bottega Solidale Genova, Fair, Fondazione “Lorenzo Milani” Onlus di Termoli, Centro Nuovo Modello di Sviluppo), alguns sindicalistas e representantes de Pax Christi [2] juntos para oficializar o nascimento do CADTM Itália.
Um nascimento que parece reunir as forças necessárias para iniciar o seu trabalho. Esta dinâmica deve toda a sua existência aos problemas levantados pelos diferentes participantes da conferência. Foram traçadas várias fontes de ilegitimidade da dívida italiana, a começar pela situação crítica dos bancos italianos devida à sua exposição embaraçosa a empréstimos não eficientes (+ 85% partir de 2011) [3] e, não obstante, aos resgates bancários, que começaram a partir de 2012; das taxas de juro usurárias durante os anos 80 e no início dos anos 90 (que atingem 24% em 1981), do aumento da evasão fiscal que ascende a 180 mil milhões de euros por ano (o que representa uma enorme perda para o Estado italiano), as despesas militares e para a segurança (estes últimos ascendem a 1,9 mil milhões de euros, superiores à média europeia de 1,7 mil milhões), aos grandes projetos inúteis e impostos (GPNI - como o projeto de TGV Turim-Lyon ou as construções de luxo realizadas para o G8 de 2009 na Sardenha que acabou por acontecer em Áquila, no centro de Itália), à corrupção, fonte inesgotável de desperdício dos recursos públicos.
Apesar da diminuição das taxas de juro sobre a dívida nos últimos 2 anos, devido à política de flexibilidade quantitativa do BCE (o Estado empresta a uma taxa de 2,4% em 2016 comparado com 6-6,5% em 2008) [4] , o pagamento dos juros da dívida permanece ainda em terceiro lugar das despesas públicas na Itália, depois da segurança social (300 mil milhões de euros) e da saúde (110 mil milhões de euros). Isto deve-se ao mecanismo de acumulação dos juros e às taxas muito elevadas pagas nos anos precedentes, como descrito acima. Em 2016, o pagamento dos juros representa 4,3% do PIB da Península, ou seja, mais de 70 mil milhões de euros.
Em nome desta dívida e dos seus juros, foram instauradas privatizações e cortes no orçamento da saúde, educação e das comunidades locais.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento ditado pela União Europeia (que tem por objetivo levar a razão dívida/PIB de 130% para 60%) significa, para a Itália, 50 mil milhões de euros por ano de cortes. Em 8 anos, entre 2008 e 2015, o governo central reduziu em 22 mil milhões de euros as transferências financeiras aos municípios. A isso é necessário acrescentar os 17,5 mil milhões de euros de cortes no setor da saúde, num total de quase 40 mil milhões de euros. Os governadores das regiões reagiram, aumentando as taxas sobre a primeira e a segunda habitação [5]. Isso é ainda mais injusto se pensarmos que a dívida dos municípios representa apenas 2,4% da dívida nacional.
Nas palavras de Milton Friedman, um orgulhoso neoliberal, a dívida serve “para tornar inevitável a nível político o que é socialmente inaceitável”.
Numerosos são, por conseguinte, os campos de trabalho possíveis para o recém-nascido CADTM Itália, que em novembro (data a determinar) encontrar-se-á novamente para decidir coletivamente o seu plano de ação.
Será instalado um comité de coordenação para iniciar um trabalho de auditoria à semelhança das experiências internacionais do Equador e da Grécia. Mais de trinta pessoas (entre as quais profissionais do mundo académico, ativistas, sindicalistas e personalidades do mundo católico) já se colocaram à disposição para fazer parte do comité. A ideia é começar a trabalhar num setor estratégico importante a nível nacional, como o da saúde, que sofreu cortes e privatizações importantes (outras frentes também serão levadas em consideração, como a dos bancos ou as grandes obras inúteis). O CADTM seria um centro de análise e de estudos sobre a problemática da dívida, mas também de ação, sempre em contato com as mobilizações no território nacional e as lutas ativas neste momento, tentando ao mesmo tempo integrar o assunto da dívida e o argumento para a abolição das dívidas ilegítimas nas reivindicações mais gerais dos movimentos sociais.
O Comité tornar-se-á igualmente numa plataforma de referência para todas as diferentes realidades de auditoria do país. Apoio e troca de informações e de práticas tornam-se essenciais na presente fase onde já diferentes grupos de auditoria da dívida local se têm desenvolvido nos últimos anos, de norte a sul do país: Parma, Milão, Veneza, Nápoles, Livorno e, por fim, Roma e Génova. Parma, em especial, é uma das experiências mais desenvolvidas. O Comité de auditoria local teve êxito a chamar a atenção da sociedade civil e igualmente do poder judicial para um caso de corrupção e de especulação relacionado com o aumento dos preços da terra, que traria, como consequência, a imposição da austeridade sobre a população da cidade pela administração pública local. O grupo trabalha igualmente sobre as PPP (parceria pública-privada) que gerem serviços públicos municipais fundamentais, como a água e o gás.
O lançamento do CADTM Itália foi facilitado pela adesão de Attac Itália (que será um pilar importante, entre outras coisas, do CADTM Itália) à rede internacional CADTM quando da última assembleia mundial de 2016 em Tunis.
Além disso, Attac Itália realizou a sua universidade de verão de 16 a 18 de Setembro em Roma, imediatamente após o lançamento do CADTM.
A universidade foi inteiramente sobre a temática da economia da dívida, tida como a característica principal do capitalismo moderno. Três sessões em especial foram sobre a dívida ilegítima, os meios para anulá-la e as experiências de anulação da dívida na história (programa: http://www.italia.attac.org/index.php/universita-attac/universita-estiva-di-attac-italia-2016/10405-universita-estiva-di-attac-italia-programma).
«O momento é propício», insiste Éric Toussaint, convidado de honra da noite de lançamento, «porque vocês têm algum tempo pela frente antes que estoure uma nova crise da dívida».
O trabalho que o CADTM Itália encontra pela frente não é fácil de realizar, e são numerosos os desafios assinalados. O primeiro de entre eles é a necessidade de implicar mais os outros movimentos sociais com os quais compartilhamos reivindicações e estratégias. A capacidade de fazer pontes com eles é essencial, porque a dívida constitui o pretexto perfeito para aplicar a austeridade, fazer cortes no Estado social, privatizar. Será assim essencial a análise do CADTM Itália para os movimentos estudantis, os que se opõem à mercantilização dos bens comuns, às grandes obras inúteis, à pobreza crescente, ao despejo das habitações ocupadas etc. Há também, como em toda a parte, a dificuldade de analisar dados para um grupo de cidadãos que não têm o apoio dos políticos.
Apesar de todos os desafios, a abolição da dívida representa uma via prioritária para uma mudança radical das políticas económicas, financeiras e sociais. É urgente, na Itália como em outros lugares, começar o trabalho de sensibilização em torno desta questão.
Tradução : Trommons
[1] Ver igualmente http://www.cadtm.org/Genova-15-anos-apos-as
[2] Pax Christi é um movimento católico internacional para a paz nascido na França em 1945. Pax Christi Itália nasceu em 1954, graças à iniciativa de Mons. Giovanni Battista Montini, do secretariado do Vaticano.
[3] Para mais informação ver (em inglês): http://www.cadtm.org/Italy-s-banking-problems-A-useful
CADTM Belgique