Éric Toussaint conversou com La Izquierda Diário sobre o endividamento da Argentina, a negociação do governo Alberto Fernández e a situação mundial de sobre-endividamento dos estados, empresas e famílias populares.
Toussaint nasceu na Bélgica. Ele é historiador, doutor em ciências políticas e ativista político. Ele fundou o Comitê para a Abolição de Dívidas Ilegítimas (CADTM). Ele é uma das pessoas que mais estudou sobre o endividamento de países ao redor do mundo.
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Sobre a negociação que o ministro da economia, Martín Guzmán, enfrenta, Toussaint explicou que é «claramente contra esse tipo de negociação, porque entrar em negociações com o FMI significa reconhecer os acordos com o FMI, quando na essência era necessário adotar um ato soberano unilateral no início desde do mandato do novo governo, por se tratar de acordos da era Macri e anteriores que feriam os interesses do povo argentino, pois significavam o ataque aos direitos sociais básicos». Para ele trata-se de uma divida odiosa. Ou seja, contratos que envolvem a contratação de uma dívida que vai contra o interesse do povo e favor dos credores, sabendo que isso seria contra o interesse da nação e do povo.
Em relação aos governos progressistas e economistas keynesianos «como Joseph Stiglitz, que pede aos governos que solicitem mais créditos do FMI em termos de DES - Direitos Especiais de Saque», o historiador apontou que «sou contra porque são créditos do FMI, não se trata de uma ajuda do FMI. São créditos e devem ser reembolsados com uma taxa de juros que impõe uma condicionalidade do FMI». Para ele o que se chamou de cancelamento de dívida do FMI com os 20 países mais pobres «é uma mentira: não há anulação alguma. Foi anunciada há um mês, mas na realidade esses países continuam a pagar ao FMI».
Quanto aos credores privados da Argentina, Toussaint disse que é preciso ser duro «porque eles foram cúmplices também: compraram títulos a 100 anos com uma taxa de pouco menos de 8 % de juros, quando os bancos que compraram esses títulos se financiaram na Reserva Federal norteamericana ou no Banco Central Europeu a uma taxa quase de zero por cento nessa época. Então esses credores privados também não têm direito ao reembolso».
Ele também se referiu à situação da gigante de dívida pública global. Segundo Eric «existe uma consciência em todo o mundo que essa dívida é mais uma vez impagável. Ao nível da consciência popular há em várias regiões - como a região árabe e o Norte da África - uma radicalização. Segundo ele, acabou de ser assinado por parte dos movimentos sociais da região árabe um apelo ao repúdio da dívida e à revogação de acordos de «parceria» econômica entre a União Europeia e esses países. Repudia-se também os acordos de livre comércio».
Toussaint explicou que o problema da dívida também afeta a própria União Europeia. Sendo, portanto, um problema mais geral: «não apenas existem dívidas públicas impagáveis», mas também «todos os governos europeus estão resgatando grandes empresas», como a Alemanha. O mesmo faz a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu quando oferecem «presentes para grandes empresas, como Renault, Airbus e bancos». Assim, «enquanto as dívidas soberanas aumentam, as dividas das grandes empresas dívidas serão perdoadas. Tal fato representam socialização das perdas».
Éric comparou a situação atual com o que ocorreu na América Latina com a nacionalização de dívidas de empresas privadas nas décadas de 1980 e 1990, ou na Europa em 2008 e 2010. Por fim, observou que «com a perda de renda, com um desemprego elevado e duradouro, as dívidas das famílias das classes populares aumentam: dívida do consumidor, dívida hipotecária, incapacidade de pagar o aluguel, incapacidade de pagar o custo da saúde ou da educação».
Toussaint concluiu que «as dívidas soberanas, bem como as dívidas de grandes empresas privadas e as dívidas das famílias das classes populares, tornam-se uma questão central sobre a qual propostas radicais devem ser adotadas. No caso de empresas públicas soberanas e das famílias das classes populares as dívidas deveriam ser canceladas. E no caso de grandes empresas privadas, é preciso recusar a socialização das suas perdas, expropriando os grandes acionistas dessas empresas e transformando-as em empresas públicas».
Fonte: La Izquierda Diario, revisto e editado por Rui Viana Pereira
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.