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Crise climática ecológica: os aprendizes de feiticeiro do Banco Mundial e do FMI
por Eric Toussaint
25 de Janeiro de 2021

Em dezembro de 2020, por ocasião do quinto aniversário da assinatura do Acordo de Paris para o clima, o secretário-geral da ONU fez soar o alarme porque basicamente a situação tinha piorado. Neste artigo, analisamos a acção do Banco Mundial e do FMI em relação à crise ecológica e à mudança climática.

No final de outubro de 2006, Nicholas Stern, conselheiro económico do governo britânico, apresentou ao primeiro-ministro Tony Blair um relatório de 500 páginas sobre os efeitos das mudanças climáticas em curso e como combatê-las. Em seu relatório, Nicholas Stern declarava: «A mudança climática piorará as condições básicas de vida das pessoas em todo o mundo – acesso à água, produção de alimentos, saúde e meio ambiente» [1]. Implicitamente, o diagnóstico contido neste relatório foi uma condenação das políticas do FMI e do Banco Mundial, das quais Nicholas Stern foi economista-chefe [2].

Este artigo compara o Relatório Stern com as posições adoptadas pelos dirigentes de peso do Banco Mundial, do FMI e do governo de Washington desde 1990. Também analisa o relatório de 2006 do Banco Mundial sobre desastres naturais. O Banco Mundial produziu uma análise que contradiz o que havia declarado anteriormente. Tenta, ao nível do discurso, limitar a crise de credibilidade que o afecta, mas não abandona de forma alguma sua orientação em favor do mercado e da adesão ao modelo produtivista, que é destrutivo para o ser humano e o meio ambiente. Quanto ao Relatório Stern, embora contenha algumas abordagens muito interessantes, não oferece uma alternativa ao modelo produtivista e à busca frenética do crescimento.

Embora o Banco Mundial tivesse anunciado que suspenderia o apoio aos combustíveis fósseis a partir do final de 2019, é claro que continuou a apoiar a construção e operação de centrais eléctricas a carvão, a exploração do gás natural e do petróleo. Em 2020, vários analistas e ONG denunciaram a responsabilidade do Banco Mundial na continuação dramática das alterações climáticas e da crise ecológica.

Recordemos as posições dos dirigentes do Banco Mundial e do FMI

Embora muitas vozes tenham apontado desde o início dos anos 70 os perigos do crescimento sem limites e do esgotamento dos recursos naturais, os líderes do Banco Mundial e do FMI há muito vêm argumentando que não há perigo de que isso aconteça.
Lawrence Summers, economista-chefe e vice-presidente do Banco de 1991 a 1996 e depois secretário do Tesouro durante a presidência de William Clinton, declarou em 1991: «Não há limites (…) para a capacidade de absorção do planeta que possam nos deter num futuro próximo. O risco de um apocalipse devido ao aquecimento global ou qualquer outra causa é inexistente. A ideia de que o mundo caminha para a desgraça é profundamente falsa. A ideia de que deveríamos impor limites ao crescimento por causa dos limites naturais é um erro profundo; é além do mais uma ideia cujo custo social seria espantoso se porventura fosse aplicada» [3].

Em uma carta ao semanário britânico The Economist, publicada em 30 de maio de 1992, ele escreveu que, em sua opinião, mesmo falando do cenário mais pessimista: «Levantar o espectro de nossos netos empobrecidos se não enfrentarmos os problemas ambientais globais é pura demagogia». E acrescentou: «O argumento de que nossas obrigações morais para com as gerações futuras exigem um tratamento especial dos investimentos ambientais é estúpido» [4].

As posições de Lawrence Summers causaram uma verdadeira indignação na época. Cinco anos depois, em 1997, Nicholas Stern (futuro economista-chefe do Banco), escreveu em um livro patrocinado pelo Banco para fazer o balanço do seu primeiro meio século de existência: «O compromisso do Banco com o meio ambiente foi questionado por alguns após a publicação no final de 1991 pela revista The Economist de trechos de uma nota interna escrita por Lawrence Summers, então economista-chefe. O memorando interno sugeria a possibilidade de que as questões ambientais fossem superestimadas no que diz respeito aos países em desenvolvimento; esses países poderiam reduzir seus custos marginais comercializando ou tolerando as substâncias poluentes» [5].

Em contraste com as declarações tranquilizadoras de Lawrence Summers citadas acima, de que o aquecimento global reduziria o crescimento em menos de 0,1 % ao ano durante os próximos dois séculos, Nicholas Stern declarou em 2006: «O Relatório estima que se não agirmos, os custos e riscos da mudança climática como um todo serão equivalentes a uma perda de pelo menos 5 % do PIB global a cada ano, agora e para sempre. Se uma gama mais ampla de riscos e impactos for levada em conta, as estimativas de perdas podem chegar a 20 % do PIB ou mais». Isto é uma negação mordaz, porém tardia, das afirmações de Lawrence Summers.

Afirmações como as de Lawrence Summers não são um fenómeno isolado: têm a ver com a posição dominante do governo de Washington nas decisões do Banco Mundial e do FMI. Estas posições, que negavam que o modelo produtivista estivesse causando sérios danos ao meio ambiente e que a mudança climática estivesse em curso, foram expressas por Washington pelo menos até recentemente.

Os muitos discursos de Anne Krueger, economista-chefe do Banco Mundial durante o mandato presidencial de Ronald Reagan e posteriormente número 2 do FMI, de 2000 a 2006, fornecem provas disso. Em um deles, pronunciado em 18 de junho de 2003 no 7º Fórum Económico Internacional em São Petersburgo, Anne Krueger declarava: «Consideremos esta velha preocupação de que o rápido crescimento esgotará os recursos de combustível e que, se isso acontecer, o crescimento parará abruptamente. As reservas de petróleo são hoje maiores do que eram em 1950. Na época, estimava-se que as reservas mundiais de petróleo estariam esgotadas em 1970. Isso não aconteceu. Hoje, as reservas conhecidas podem durar 40 anos ao ritmo actual de consumo. Não há dúvida de que, quando chegarmos a 2040, a pesquisa e o desenvolvimento terão produzido novos avanços na produção e uso de energia».

Anne Krueger continua: «Tampouco causamos danos irreparáveis ao meio ambiente. É evidente que, após uma fase inicial de degradação, o crescimento económico leva então a uma fase de melhoria. O ponto crítico, a partir do qual as pessoas começam a escolher investir na prevenção da poluição e na limpeza de áreas poluídas, é de cerca de US$ 5.000 do Produto Interno Bruto (PIB) per capita».

Ao dizer isto, Krueger queria passar o seguinte recado: o crescimento nos estágios iniciais do arranque económico nos países em desenvolvimento leva à degradação ambiental, mas quando eles ultrapassam um limiar estimado em US$ 5.000 per capita de Produto Interno Bruto (PIB), as pessoas começam a investir na prevenção da poluição e na limpeza. Portanto, não há necessidade de os governos tomarem medidas rigorosas para forçar as empresas a cumprir altos padrões ambientais, a autocorrecção ocorrerá naturalmente uma vez atingido o limiar mágico de US$ 5.000 per capita do Produto Interno Bruto (PIB). Isto é ficção pura. Não se baseia em dados empíricos; é simplesmente uma questão de defender o laissez-faire...

Esta citação de Anne Krueger contém dois erros (mentiras) óbvios. Primeiro, os factos mostram que foram causados danos irreparáveis ao meio ambiente. Em segundo lugar, não é verdade que, após «uma fase inicial de degradação» ambiental, «o crescimento económico leva então a uma fase de melhoria». Os países mais industrializados há muito ultrapassaram US$ 5.000 do PIB per capita [6], mas a maioria deles adopta políticas que levam ao aumento da poluição.

Foi somente após as consequências do furacão Katrina, em agosto de 2005, que a Casa Branca, relutantemente, começou a reconhecer as evidências.

O CADTM, tal como outros movimentos, não esperou por um desastre como o que atingiu Nova Orleães em agosto de 2005 para culpar o Banco Mundial e o FMI por políticas que promoveram a mudança climática e enfraqueceram a capacidade dos países em desenvolvimento de lidar com calamidades naturais. O CADTM denunciou a promoção pelo Banco Mundial e pelo FMI de políticas que favorecem o desmatamento e o desenvolvimento de megaprojectos energéticos destruidores do meio ambiente [7]. Da mesma forma, pediu ao Banco Mundial que deixasse de apoiar projectos que destroem as defesas costeiras naturais, como os manguezais que amortecem os efeitos dos tsunamis [8]. O CADTM também exigiu que o Banco Mundial deixasse de conceder empréstimos ao sector das indústrias extractivas e denunciou o apoio do Banco Mundial ao agronegócio, às monoculturas de exportação, à privatização da terra e aos interesses das grandes empresas de sementes, responsáveis pela redução da biodiversidade, pela emissão de grandes quantidades de gases com efeito estufa e pelo empobrecimento dos trabalhadores e trabalhadoras da terra. Finalmente, o CADTM questionou a decisão tomada pela Conferência do Rio de 1992 de confiar ao Banco Mundial a gestão de um fundo global de protecção ambiental. Isto equivale sem dúvida a pedir à raposa que tome conta do galinheiro.

O ponto de inflexão iniciado pelo Banco

Sem a menor autocrítica, o Banco Mundial publicou um relatório sobre desastres naturais em abril de 2006. O autor, Ronald Parker, escreveu: «Há um aumento de desastres relacionados com a degradação ambiental em todo o mundo» [9]. Enquanto o número de terremotos permanece quase constante, o número e a magnitude dos desastres naturais relacionados com o clima aumenta rapidamente: de uma média anual de 100 em 1975 para mais de 400 em 2005. O Banco reconhece que o aquecimento global, o desmatamento e a erosão do solo aumentaram a vulnerabilidade de regiões inteiras. O Banco estima que os países em desenvolvimento sofrem prejuízos de pelo menos US$ 30 mil milhões por ano. Como afirma Lester Brown, director do Earth Policy Institute: «Este relatório enfatiza que embora continuemos a chamar “naturais” a estes desastres, às vezes eles são claramente feitos pelo homem» [10].

O Relatório de Nicholas Stern sobre o aquecimento global

Nicholas Stern é muito claro: os países menos industrializados, embora menos responsáveis pelo aquecimento global do que outros, serão os mais afetados: «Todos os países serão afetados. Os mais vulneráveis – os países e as pessoas mais pobres – sofrerão mais cedo e mais, apesar de terem contribuído muito menos para a mudança climática». E acrescenta, em completa contradição com a filosofia dos defensores da globalização neoliberal, que «A mudança climática é a maior falha do mercado que o mundo já viu e interage com outras imperfeições de mercado». Dito isto, Nicholas Stern de todo não propõe uma alternativa ao modelo produtivista e ao mercado capitalista. Pelo contrário, seu relatório pretende fazer soar o alarme para que recursos suficientes sejam aplicados a despesas de conversão industrial e de protecção ambiental, a fim de permitir que este crescimento cego continue. Argumenta que a humanidade pode ser ao mesmo tempo «verde» e «pró-crescimento» («green and growth»).

Ele explica que o mercado de protecção ambiental proporcionará um novo nicho lucrativo para o sector privado. E para completar ele explica que como os países em desenvolvimento poluem menos do que os países industrializados e sofrem mais com os efeitos do aquecimento global, eles poderão vender aos países ricos os direitos de continuar poluindo. Com a receita da venda desses direitos, eles poderão financiar a reparação dos danos causados à sua população.

Nicholas Stern participou na criação em 2013 da Comissão Global sobre Economia e Clima (Global Commission on the Economy and Climate), que é ao mesmo tempo um think tank e um grupo de lobby dedicado à promoção do capitalismo verde. Nicholas Stern, que copreside esta comissão, é acompanhado por dirigentes de grandes empresas privadas particularmente poluentes, como o produtor de cimento HolcimLafarge, ou a empresa petrolífera Shell (cujo presidente é membro desta comissão). Participam também na direção desta comissão privada: o director-geral do FMI, um director do banco HSBC, uma ex-dirigente do Banco Mundial, um ex-presidente mexicano, um ex-dirigente do Banco de Desenvolvimento da China, um dirigente do Banco Asiático de Desenvolvimento [11].

O Banco Mundial congratula-se pela acção que pretende levar a cabo para lutar contra a mudança climática

No site do Banco Mundial é possível encontrar em vários lugares declarações sobre seu extraordinário esforço em termos de luta contra a mudança climática e em favor das populações.

«Na sequência da adopção do acordo climático de Paris, o Grupo do Banco Mundial apresentou em 2016 um ambicioso Plano de Acção de Mudança Climática (a) para ampliar o apoio financeiro e técnico aos países em desenvolvimento e assim fortalecer sua acção climática. A instituição internacional, que se compromeu a aumentar os financiamentos climáticos para 28 % de seus empréstimos até 2020, contra 20 % em 2016, tem superado sistematicamente esta meta nos últimos três anos.»

«De acordo com o Plano de Acção, todos os novos projectos do Banco Mundial foram ava-liados quanto ao risco climático.»

«O apoio do Banco agora vai além dos sectores tradicionalmente associados à acção climática, tais como energia, agricultura e meio ambiente e, em vez disso, amplia a gama de projectos “inteligentes em relação ao clima”.»

«Hoje, a recuperação após a covid-19 exige que se leve em conta o clima, não há outra escolha.»

«É evidente que as convulsões causadas pela pandemia sublinham a importância da proteção contra riscos ambientais que têm consequências sérias e sistemáticas em toda a economia.»

«Através de seu Plano de Acção, o Grupo Banco Mundial tem ajudado países a reduzir o risco de desastres, através de uma combinação de medidas que fortalecem a resiliência das pessoas, das infraestruturas e das economias.»

«O Grupo do Banco Mundial priorizou os investimentos em energias renováveis e eficiência energética como alavancas-chave para ajudar seus clientes a reduzir suas emissões.»

«Nosso próximo plano para o período 2020-2025, já lançado, visa ampliar o apoio aos países para que tomem medidas ambiciosas em relação ao clima, ampliando os financiamentos para a adaptação e promovendo uma ação sistêmica reforçada no nível do país» [12].

Entre o discurso do Banco Mundial e a realidade de suas acções, o fosso é enorme

Entre o discurso do Banco Mundial e a realidade de suas acções, o fosso é enorme. Ao promover energias fósseis e/ou poluentes, o Banco Mundial vai contra os compromissos assumidos nas Nações Unidas. É o que emerge de uma investigação realizada pelo consórcio internacional no qual participam especialmente três meios de comunicação alemães: o NDR, o Süddeutsche Zeitung e a Deutsche Welle [13]. Em 2021, a maior refinaria de petróleo do mundo deverá ser construída na Nigéria, a mando de Aliko Dangote, o homem mais rico da África [14]. Apesar dos compromissos mundiais sobre o clima, o Banco Mundial apoia o projecto de Aliko Dangote, ao financiar pelo menos cinco dos bancos que emprestaram dinheiro ao empreiteiro. E Aliko Dangote obteve crédito adicional do Banco Mundial no valor de mais de 150 milhões de dólares.

De acordo com a jornalista Sandrine Blanchard, durante a investigação dos jornalistas do consórcio internacional, o Banco Mundial justificou sua acção dizendo que «o crédito foi concedido para ajudar a Nigéria a melhorar a revalorização de suas actividades no campo dos recursos naturais, especialmente a produção de fertilizantes». Mas na realidade Sandrine Blanchard diz que é difícil separar esse plano do resto do projecto petrolífero [15].

De acordo com o International Consortium of Investigative Journalists, este é apenas um exemplo entre outros de investimento do Banco Mundial em energias fósseis. Às vezes até investe directamente na extracção de carvão, gás natural ou petróleo. Este é o caso no Quénia, em Moçambique e na Guiana, por exemplo. No final das contas, o Banco Mundial aloca mais recursos financeiros às energias fósseis do que às energias renováveis, o que preocupa Uwe Kekeritz, membro do Parlamento alemão (Bundestag) e responsável da política de desenvolvimento do Partido Verde alemão. «A influência do Banco Mundial é enorme e o seu contínuo investimento em combustíveis fósseis tem um impacto catastrófico sobre o clima. Isto é inaceitável, porque é um banco de desenvolvimento que deveria colocar o desenvolvimento do mundo no centro de sua política, o que não é o caso.»

Por sua vez, a ONG alemã Urgewald afirmou que o Banco Mundial concedeu mais de US$ 12 mil milhões em créditos para projectos de combustíveis fósseis entre 2015, ano em que o acordo climático de Paris foi adoptado, e 2020.

Como pode o Banco Mundial afirmar que deixou de financiar combustíveis fósseis desde 2019? A resposta é simples: oficialmente, limita-se a conceder créditos para fornecer assistência técnica às autoridades dos países que desejam desenvolver a exploração de combustíveis fósseis. De acordo com sua versão, o banco deixou de financiar directamente a exploração desses combustíveis, mas na realidade, através de créditos de assistência técnica, desempenha um papel indispensável para permitir que os Estados explorem os combustíveis fósseis que se encontram no subsolo do país.

Uma pesquisa no site do Banco Mundial revela que em 2020 aprovou créditos para projectos que estão directamente relacionados com actividades na indústria do carvão [16] ; projectos de energia não renovável [17] ; projectos para exploração de gás e petróleo [18], tendo muito cuidado em misturar os chamados investimentos «ambientais» com investimentos extractivistas, sendo o verde apenas uma extensão de tudo quanto diz respeito a uma exploração excessiva da Natureza, um simples greenwashing.

A seguir veremos uma série de exemplos que mostram o papel prejudicial dos empréstimos do Banco Mundial na assistência técnica.

Moçambique: o megaprojecto de gás natural liquefeito cofinanciado pelo Banco Mundial

Em julho de 2020, a gigante petrolífera francesa Total e seus parceiros assinaram acordos de financiamento no valor de US$14,9 bilhões para o megaprojecto de gás natural liquefeito (GNL) da Zona 1 em Moçambique. Este acordo é saudado como o maior financiamento de projectos já realizado na África. Envolve 19 bancos comerciais e financiamento público de 8 agências de crédito à exportação, do Banco Africano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

A contribuição do Banco Mundial consiste em um empréstimo de 87 milhões US$ para financiar assistência técnica com o objectivo declarado de melhorar a governança, a fim de aumentar os investimentos nos sectores de gás e mineração para um crescimento generalizado. Como Heike Mainhardt de Urgewald aponta, grande parte da assistência do Banco tem se concentrado em apoiar as Zonas 1 e 4, que fazem de Moçambique um dos maiores exportadores de GNL do mundo [19]. O desenvolvimento deste megaprojecto terá várias consequências muito negativas: deslocamento forçado de populações, perda de meios de subsistência para os pescadores e aumento da crise climático-ecológica. Por muitas razões, como diz Heike Mainhardt, é importante entender o papel do Banco Mundial.

Na prática, a assistência técnica do Banco Mundial financia consultores para assessorar o Governo em questões como políticas fiscais e regulamentares e a facilitação de grandes e complexos acordos financeiros. Os consultores financiados pelo banco ajudaram o Governo durante anos a estabelecer as bases legais e negociar os acordos que levaram ao pacote financeiro de 14,9 mil milhões US$. Durante a consulta patrocinada pelo Banco Mundial, uma nova lei cobrindo as atividades da Zona 1 e 4 de GNL foi publicada em dezembro de 2014. De acordo com o escritório de advocacia Shearman e Sterling, entre as muitas concessões, esta lei prevê que não deve ser dada preferência a fornecedores moçambicanos para a compra de bens e serviços necessários. Esta concessão aumentou significativamente as oportunidades para empresas de países com Agências de Crédito à Exportação participando do megaprojecto, em detrimento de empresas moçambicanas. O Export Import Bank of the United States (US Exim) anunciou que seu empréstimo de 5 mil milhões de US$ para a Zona 1 envolverá 68 fornecedores americanos e apoiará aproximadamente 16.400 empregos nos Estados Unidos. É fácil entender que este acordo de financiamento realizado com a ajuda de consultores pagos pelo Banco Mundial não ajudará a criar um número significativo de empregos em Moçambique.

Ainda de acordo com Mainhardt, desde 2012 o Banco Mundial tem concedido empréstimos a Moçambique por mais de 14 milhões de US$ para financiar contratos governamentais com pelo menos 12 empresas de consultoria para ajudar nas negociações do pacote financeiro para as Zonas 1 e 4. Muitas dessas empresas têm vínculos com empresas petrolíferas e pelo menos duas delas têm conflitos de interesse significativos. Além de assessorar o Governo moçambicano, o escritório de advocacia SNR Denton também assessorou várias empresas petrolíferas envolvidas na Zona GNL 1 de Moçambique, incluindo Total, ONGC Videsh Limited (OVL) e Bharat PetroResources.

Além disso, em 2016, a ExxonMobil adquiriu uma participação de 25 % na zona GNL 4 de Moçambique. Em 2018, o Banco Mundial financiou um contrato de 2,4 milhões de dólares para assistência nas transacções de GNL envolvendo um grupo de consultores, incluindo o escritório de advocacia preferido da ExxonMobil, Hunton Andrews Kurth. Durante o mesmo período, a ExxonMobil pagou ao escritório de advocacia 500.000 US$ em custos de lobbying nos Estados Unidos. Claramente, em vez de promover uma gestão que protegeria o Governo da influência da indústria petrolífera, a assistência do Banco Mundial facilita-a.

Além de favorecer as companhias petrolíferas e financeiras em desfavor dos interesses de Moçambique, os empréstimos do Banco Mundial são contrários ao compromisso de Moçambique e do BM com os objectivos do Acordo Climático de Paris, que incluem a limitação do aquecimento global a 1,5 °C.

Em novembro de 2019, pesquisadores de várias organizações de peritos, incluindo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, alertaram a opinião pública internacional, dizendo que, ao ritmo actual de progresso, serão produzidos em 2030 mais 120 % de combustíveis fósseis acima do que seria compatível com uma trajectória de 1,5 °C. Em outras palavras, os investimentos na produção de combustíveis fósseis já são alto de mais.

Fingindo reconhecer o perigo, como mencionei anteriormente, o Banco Mundial anunciou em 2017 que poria fim ao financiamento directo de petróleo e gás a montante (exploração e produção) até o final de 2019. No entanto, este compromisso exclui a assistência técnica e a política de empréstimos do Banco para política de desenvolvimento. Os empréstimos e conselhos do Banco Mundial estão impulsionando o petróleo e o gás, minando assim as metas climáticas.

Uma área particularmente importante que o Banco continua a apoiar são os incentivos fiscais para investimentos em combustíveis fósseis. Em Moçambique, a fim de atrair novos investimentos além das Zonas 1 e 4, o empréstimo de 110 milhões de dólares do Banco Mundial para Política de Desenvolvimento em 2014 obrigou o Governo a aprovar uma nova lei tributária sobre o petróleo. A nova lei inclui vários incentivos ao investimento, tais como taxas de depreciação acelerada para a exploração de petróleo e gás. A depreciação acelerada dos novos investimentos de capital permite que as empresas petrolíferas amortizem rapidamente os investimentos de capital, que de outra forma se depreciariam com o tempo. Em outras palavras, são oferecidas maiores reduções de impostos no início da operação, tornando os novos projectos mais rentáveis e aumentando o fluxo de caixa que pode ser gasto em mais perfurações.

Suriname (América do Sul)

É importante notar que o Grupo do Banco Mundial aprovou uma operação de assistência técnica de 23 milhões US$ para o Suriname em julho de 2019, destinada a desenvolver as indústrias extractivas, que podem incluir petróleo e gás. O Banco Mundial está a emprestar recursos financeiros às autoridades do Suriname para preparar o caminho para que as grandes companhias petrolíferas explorem os recursos da Bacia da Guiana-Suriname, em detrimento da população e do meio ambiente. A advertência do Banco de que a região será severamente afectada pela crise climática e a consequente elevação do nível do mar é mais que cínica, como afirma Jacey Bingler de Urgewald em um relatório publicado em dezembro de 2020 na véspera do quinto aniversário do acordo climático de Paris [20].

Como exemplo final, em 2019 o Banco Mundial concedeu um empréstimo de 38 milhões ao Brasil para contratos de assistência técnica para o desenvolvimento da exploração de petróleo.

As dívidas exigidas pelo Banco Mundial e pelo FMI são odiosas e devem ser canceladas
Muitos países em desenvolvimento estão sendo solicitados pelo Banco Mundial e pelo FMI a pagar dívidas que causaram danos incalculáveis às pessoas e à natureza desses territórios e mais além, a todo o planeta. Eles se enquadram na categoria de dívidas odiosas porque foram contratados contra os interesses do povo. De fato, para serem caracterizadas como odiosas, as dívidas devem ter sido utilizadas contra os interesses das populações dos países que as contraíram, e este é de fato o caso. Um critério adicional é necessário para caracterizar as dívidas como odiosas: os credores sabiam ou não podiam demonstrar que não podiam saber que o uso de seus empréstimos era contra os interesses da população [21]. Como mostra este artigo e numerosos estudos, incluindo documentos produzidos pelo Banco Mundial e pelo FMI, os dirigentes destas instituições sabiam que seus empréstimos estavam de facto a ser usados para apoiar políticas contrárias aos interesses das pessoas e do meio ambiente. O povo tem o direito de exigir seu cancelamento. O mesmo se aplica às dívidas reclamadas por investidores privados ou por governos emprestadores.

Conclusão

Os defensores do modelo produtivista dominante e do sistema capitalista começaram por negar a existência de um problema crucial, a saber, os danos ambientais e o aquecimento global, e continuaram a promover vigorosamente políticas que agravaram a situação. Então, quando a situação se tornou insustentável, ocuparam as manchetes dos meios de comunicação internacional com um relatório sobre o assunto, procurando dar credibilidade à ideia de que as instituições internacionais e os governos dos países mais industrializados mediam bem a dimensão deste grave problema, que de facto havia sido deliberadamente ocultado por décadas. No final, os defensores do sistema actual sugerem que ele é capaz de fornecer uma solução para um problema do qual é uma das causas fundamentais, permitindo assim sua própria perpetuação. É urgente compreender que a única solução justa e duradoura é justamente desafiar este sistema capitalista produtivista, que gera estruturalmente danos ambientais e desigualdades galopantes.


Notas :

[1Nicholas STERN, Stern Review: The Economics of Climate Change, outubro de 2006. Todas as citações do Relatório Stern neste artigo são extraídas das conclusões do relatório. O relatório completo está disponível no site do governo britânico.

[2Nicholas Stern foi economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial de 2000 a 2003.

[3Lawrence Summers, na ocasião da reunião anual do Banco Mundial e do FMI em Bangkok, em 1991, entrevista com Kirsten Garrett, «Background Briefing», Australian Broadcasting Company, segundo programa.

[4«Summers on Sustainable Growth», carta de Lawrence Summers ao The Economist, 30/05/1992.

[5Nicholas Stern e Francisco Ferreira in KAPUR, Devesh, LEWIS, John P., WEBB, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 2: Perspectives, p. 566.

[6O PIB per capita excede US$ 20.000 na América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália, Nova Zelândia. Além disso, a China ultrapassou o limiar de US$ 5.000 per capita em 2010. A África do Sul ultrapassou este limiar em 2005 e o Brasil em 2006, com empresas nos três países continuando a conduzir em grandes quantidades atividades que agridem o meio ambiente.

[7Ver, entre outros, Éric Toussaint, A Bolsa ou a Vida, ed. Perseu Abramo, 2001, cap. 9.

[8Damien Millet e Éric Toussaint, Les Tsunamis de la dette, CADTM-Syllepse, Liège-Paris, 2005.

[9Citado no Financial Times, 22-23/04/2006.

[10Citado no Financial Times, 22-23/04/2006.

[11Ver o site deste grupo de lobbying: Members of the Global Commission | New Climate Economy | Commission on the Economy and Climate, http://newclimateeconomy.net/about/members-global-commission, consultado a 14/12/2020.
Ver a critica Daniel Tanuro, Trop tard pour être pessimistes! Ecosocialisme ou effondrement, Textuel, Paris 2020, p. 113-115.

[12Todas as citações são oriundas do site oficial do Banco Mundial «5 années de leadership climatique: bilan du premier Plan d’action du Groupe de la Banque mondiale sur le changement climatique», https://www.banquemondiale.org/fr/news/immersive-story/2020/09/08/5-years-of-climate-leadership-the-world-bank-groups-first-climate-action-plan

[13The International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), «The World Bank is Still Hooked on Fossil Fuels Despite Climate Pledge», publicado em 10/04/2019, https://www.icij.org/investigations/world-bank/the-world-bank-is-still-hooked-on-fossil-fuels-despite-climate-pledge/, consultado em 13/12/2020.

[14Aliko Dangote, nascido em 10 de abril de 1957 em Kano, norte da Nigéria, é um homem de negócios nigeriano, considerado o homem mais rico da África. Em 2018, durante a visita de Emmanuel Macron a Lagos, Nigéria, o presidente francês encontrou-se com este milionário nigeriano. Aliko Dangote é muito a favor da Área de Livre Comércio Continental Africana. Em janeiro de 2020 e novamente em novembro de 2020, Aliko Dangote anunciou que queria comprar o clube britânico de futebol Arsenal.

[15Sandrine Blanchard em colaboração com Fanny Fascar, Astrid Rasch e Elisabeth Weydt. «La Banque mondiale investit dans des les énergies fossiles, nuisibles au climat», Deutsche Welle, 11/04/2019, https://www.dw.com/fr/la-banque-mondiale-investit-dans-des-les-%C3%A9nergies-fossiles-nuisibles-au-climat/a-48291776.

[19Heike Mainhardt, «World Bank policy advice boosts oil and gas, undermining climate goals » 21/07/2020, https://www.climatechangenews.com/2020/07/21/world-bank-policy-advice-boosts-oil-gas-industry-undermining-climate-goals/, consultado a 13/12/2020.

[20Five Years Lost – How Finance is Blowing the Paris Carbon Budget, 10/12/2020, https://urgewald.org/sites/default/files/media-files/FiveYearsLostReport.pdf, p. 20, consultado em 1/12/2020.

[21Para uma definição da dívida odiosa ver: Éric Toussaint, «Un pays a le pouvoir de refuser de payer la dette», publicado a 18/11/2020, https://www.cadtm.org/Un-pays-a-le-pouvoir-de-refuser-de-payer-la-dette. Ver também: Éric Toussaint, «A dívida odiosa segundo Alexandre Sack e segundo o CADTM», publicado a 18/06/2018, https://www.cadtm.org/A-divida-odiosa-segundo-Alexandre-Sack-e-segundo-o-CADTM.

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.