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Relatório sobre a situação mundial
por Eric Toussaint , CADTM International , Maria Elena Saludas , Omar Aziki , Broulaye Bagayoko , Fatima Zahra El Beghiti
24 de Junho de 2021

Publicamos uma versão escrita do relatório sobre a situação internacional apresentado na reunião do secretariado internacional compartilhado CADTM International realizada na terça-feira, 1º de junho de 2021


Nos últimos meses, a economia mundial iniciou uma recuperação após a recessão econômica, mas isso não significa que o aumento da produção compensará por inteiro a queda do PIB que ocorreu entre março de 2020 e março de 2021. A China se recuperou muito mais rapidamente e mais cedo do que qualquer outra economia, até porque o impacto da pandemia que começou lá foi limitado até agora. Na China: as exportações e os investimentos internos aumentaram desde abril de 2020 (o declínio ocorreu entre dezembro de 2019 e março de 2020).

Bolha especulativa nas bolsas

Há uma injeção maciça de liquidez e criação de dinheiro pelos bancos centrais que permitiu que as bolsas de valores vissem sua capitalização aumentar de forma completamente desproporcional e especulativa. De fato, os preços das ações nas bolsas ultrapassaram largamente o nível recorde de janeiro de 2020 depois de ter sofrido uma queda que varia entre 25% e 45%, dependendo do caso, especialmente entre meados de fevereiro e meados de março de 2020 (ver Éric Toussaint «Para enfrentar a crise capitalista multidimensional, é preciso expropriar os banqueiros e socializar os bancos» e “As próximas crises financeiras prováveis”. Esta alta é especulativa, artificial e perigosa. Ela aumenta a riqueza do grande capital e contribui para o aumento espetacular das desigualdades de riqueza e renda. Ultimamente, a especulação que continua a se exercer nas bolsas (e, portanto, no valor das ações) tem se estendido às matérias-primas.

Aumento dos preços das mercadorias

O aumento dos preços das matérias-primas certamente é causado pela retomada da produção no mundo todo, mas também é artificialmente impulsionado pelas enormes liquidezes nas mãos dos grandes grupos financeiros e empresas capitalistas que estão especulando sobre o aumento das matérias-primas. Como matérias primas, os preços dos alimentos também estão aumentando, o que poderia criar problemas graves na forma de uma nova crise alimentar para os setores mais pobres da população do Sul.
Deve-se notar que o aumento dos preços das matérias-primas, e em particular dos hidrocarbonetos, melhora a situação financeira dos países exportadores e reduz suas dificuldades no pagamento de suas dívidas externas. De fato, suas receitas em moeda estrangeira (principalmente o dólar americano) estão aumentando novamente, o que lhes permite pagar suas dívidas, já que erroneamente dão prioridade ao pagamento da dívida em vez de responder às crises sanitária, ecológica e econômica.
O recente aumento nos preços das matérias-primas está mudando parcialmente o que Milan Rivié e Éric Toussaint descreveram em suas séries sobre a evolução da dívida (Versão 2.0 de Uma Nova Armadilha da Dívida do Sul para o Norte), em particular no artigo «Países em desenvolvimento presos na armadilha da dívida» http://www.cadtm.org/Les-pays-en-developpement-pris-dans-l-etau-de-la-dette-19453, que destacava a queda nos preços das matérias-primas que ocorreu a partir de fevereiro de 2020. Desde a publicação deste artigo, esta queda foi interrompida pela recuperação econômica e pela especulação e, portanto, é necessário atualizar a análise.

A política econômica e social da Administração Biden

Nos EUA, há uma leve virada keynesiana na política de Biden, mas isso deve ser verificado nos próximos meses, pois seu plano ainda não foi adotado pelo Congresso em relação à tributação dos GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft...) e ao aumento dos impostos sobre grandes empresas. O que é certo é que o salário-mínimo legal permanece no patamar de 7,25 dólares por hora, enquanto Biden havia prometido aumentá-lo para 15 dólares, conforme solicitado por Bernie Sanders, Alexandria Ocasio Cortez, outros membros do parlamento e também as organizações sindicais. O que a administração Biden realizou concretamente até agora é o pagamento de grandes quantias em dinheiro às famílias das classes populares, mas não está claro o que isso vai dar no longo prazo, porque não é uma melhoria nos direitos sociais. Trata-se de pagar cheques pela duração da pandemia e da crise. O outro aspecto do programa de resposta à crise de Biden são despesas publicas bastante importantes para melhorias das infraestruturas, que impulsiona as empresas de obras públicas que aumentam sua carteira de pedidos, aumentam seu faturamento, aumentam seus lucros e contratam pessoal.

Na Europa, medidas do tipo das tomadas pelo Biden não estão, geralmente, aplicadas.
No México, Brasil e outras grandes economias do Sul, há um aumento na ajuda financeira às famílias da classe trabalhadora, mas nenhum aumento nos direitos sociais, de modo que é um pouco comparável à política dos Estados Unidos.

O aumento das dívidas públicas e privadas

O que é muito claro a nível global do ponto de vista das dívidas: há um enorme aumento das dívidas públicas, das dívidas das famílias da classe trabalhadora e das dívidas das empresas. Há uma distinção a ser feita sobre o custo dessas dívidas: atualmente, as dívidas públicas e as dívidas de grandes empresas são contratadas a taxas muito baixas, em alguns casos a taxas zero ou mesmo negativas (é o caso da dívida pública alemã, por exemplo). Por outro lado, as dívidas contraídas pelas classes trabalhadoras, em particular os setores mais pobres, são muito caras porque as taxas de juros reais são altas, ou até mesmo totalmente usurárias, como na maioria dos casos de microcrédito.

Vamos dar uma olhada nos desenvolvimentos políticos em alguns países

  • Equador: O ex-banqueiro Guillermo Lasso foi eleito presidente derrotando a esquerda em abril de 2021, tirando proveito de profundas divisões na esquerda e no movimento indígena.
  • Chile: A esquerda venceu as eleições e a Assembleia Constituinte.
  • Colômbia: Enormes mobilizações em abril, apesar da repressão sangrenta.
  • Brasil: Grandes manifestações contra o Presidente Bolsonaro em uma centena de cidades no final de maio de 2021.
  • Peru: Vitória nas eleições presidenciais de junho de 2021 de Pedro Castillo, o candidato popular indígena e líder sindical dos professores.
  • México: Nas eleições de junho de 2021, Morena, o partido do presidente social liberal AMLO, consegui manter por pouco a maioria dos parlamentares.
  • Índia: Vitória do movimento camponês e algumas derrotas eleitorais para o partido do presidente Modi (extrema direita).
  • Birmânia: A resistência ao golpe militar continua.
  • Palestina: Terrível balanço do massacre em Gaza, continuação do apoio de Biden às políticas ultra-repressivas e racistas do Estado sionista (ver CP do CADTM / https://www.cadtm.org/Solidariedade-com-o-povo-palestiniano)
  • Ásia (complementos de Sushovan Dhar): a pandemia, a crise econômica e as políticas dos governos têm efeitos terríveis sobre as populações. Generalização de medidas antidemocráticas na Índia, Birmânia, Filipinas, Indonésia, Malásia e Paquistão.
  • Emergência do endividamento público e privado: ver artigos no site CADTM sobre o Sri Lanka que poderiam estar em default de pagamento.


América Latina:

  • Argentina: Maria Elena Saludas apresentou a situação: Nova onda na pandemia, crise econômica, renegociação da dívida, especialmente com o FMI, ao qual a Argentina deve 44 bilhões de dólares. Numerosas ações da frente para a auditoria e a suspensão do pagamento da dívida em que a ATTAC-CADTM Argentina participa ativamente
  • Colômbia: William Gaviria descreveu a continuação de grandes mobilizações populares, apesar da repressão muito grave.


A região MENA
(Complementos de Omar Aziki):

  • Argélia: com a aproximação das eleições legislativas antecipadas de 12 de junho de 2021, o regime argelino está proibindo as manifestações do Hirak e aumentando a repressão. Esta crise política se soma a uma profunda crise socioeconômica, oriunda da queda das receitas do petróleo e do impasse político do Hirak. A dívida pública da Argélia vai aumentar.
  • Tunísia: A Tunísia, que está tendo dificuldades para pagar suas dívidas e equilibrar seu orçamento, está em discussões com o FMI para um novo empréstimo em troca de reformas socialmente duras: a supressão gradual dos subsídios para produtos alimentícios básicos e energia. O Tesouro tunisino é devera pagar US$ 840 milhões em junho, dois vencimentos de empréstimos.
  • Líbano: Situação de pobreza e de fome com um aumento muito grande da inflação.
  • Marrocos: o novo processo de endividamento terá consequências para a população nos próximos anos.
  • Palestina: Anova intifada mobilizou toda a população palestina nas diferentes partes dos territórios ocupados e em Israel, especialmente os jovens e as mulheres. Mobilizações solidárias nos diferentes países da região.


África
(Complemento de Broulaye Bagayoko)

  • Mali: No primeiro golpe em 2020, os militares vieram para prolongar a mobilização popular organizada pelo movimento M5 que pôs fim ao regime corrupto de Ibrahim Boubacar Keïta. Mas, sob a pressão internacional, os militares não querem que os representantes do M5 cheguem ao poder. Eles criaram um órgão de transição (Conselho Nacional de Transição) com um presidente e um vice-presidente (ex-militares). O novo governo que foi anunciado (em conchavo com a França e outros) não incluiu os militares ministros da transição. Daí o segundo golpe dos militares e a prisão do presidente e vice-presidente. Os militares pediram ao M5 para comunicar o nome do primeiro-ministro. Foi o porta-voz do movimento M5 que foi escolhido. Os militares do golpe estão descontentes com a intervenção permanente da França, que está apenas defendendo seus próprios interesses de antiga potência colonial.

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

CADTM International
Maria Elena Saludas

ATTAC/CADTM Argentina

Omar Aziki

é membro do Secretariado Nacional de ATTAC CADTM Marrocos e do secretariado internacional partilhado do CADTM.

Broulaye Bagayoko

membre de la Coalition des Alternatives Africaines Dette et Développement (CAD-Mali) et Secrétaire Permanent du CADTM Afrique (Comité pour l’Abolition des Dettes Illégitimes) Tél : 65 88 11 53/74 90 73 95 e-mail : secretariatcadtmafrique chez gmail.com

Fatima Zahra El Beghiti

Attac/CADTM Maroc