O massacre do 24 de junho de 2022 na fronteira entre Nador (Marrocos) e Melilla (cidade ainda ocupada pelo estado espanhol) é, infelizmente, mais um símbolo da profunda desumanidade das políticas migratórias da Fortaleza Europa. É também uma demonstração da violência do sistema de dependências neocoloniais imposto pelas potências europeias, com a conivência do regime marroquino e a cumplicidade e responsabilidade do estado espanhol. A fronteira sul é um símbolo doloroso do racismo institucional, um lugar onde os direitos humanos são violados com impunidade e onde os migrantes são desavergonhadamente criminalizados e denegridos. A mesma barbárie se repete em outras partes do mundo, como nos Estados Unidos, onde na segunda-feira 27 de junho cerca de cinquenta migrantes morreram uma morte horrível em um caminhão perto de San Antonio, Texas.
É essencial lembrar e enfatizar que a maioria dos migrantes do Sul vem de países enfraquecidos por séculos de neocolonialismo. Suas economias estão atualmente sufocadas por dívidas com instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Essas dívidas são, em muitos casos, odiosas, ilegais e ilegítimas, contraídas contra os interesses do povo. São países cujos recursos naturais foram pilhados e saqueados pelas multinacionais que estão aprofundando o modelo extrativista. Países cujas populações estão sujeitas à imposição de políticas neoliberais e de austeridade que priorizam o pagamento da dívida em detrimento dos gastos públicos com políticas sociais. Tudo isso resulta em uma situação de pobreza crônica, alta desigualdade, guerras e, consequentemente, migração para o Norte em busca de uma vida melhor.
Em vez de assumir suas responsabilidades, a resposta do Norte é uma gestão criminosa das fronteiras, através de políticas de migração mortíferas e o não acolhimento das pessoas migrantes. Isto é evidenciado pelo fato de que o orçamento da Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira (Frontex) só fica aumentando (o orçamento projetado é de 5,6 bilhões de euros até 2027), assim como seu investimento em operações de vigilância de fronteiras e fortificação. A gestão da imigração também está se tornando uma moeda de troca para os países vizinhos onde o controle de fronteiras e os maltratos dos migrantes foram terceirizados. É o caso do Marrocos, a principal porta de entrada dos africanos para a Europa, que está pressionando por uma série de favores (como, por exemplo, uma mudança na posição do governo espanhol sobre o Saara Ocidental) em troca de uma gestão restritiva de seus postos fronteiriços através de práticas assassinas, como foi o caso na sexta-feira 24 de junho.
Diante desta grave crise humanitária e política na fronteira sul, que está ceifando vidas de forma injusta e desumana, a CADTM INTERNATIONAL acredita que há várias urgências:
As estruturas legais e administrativas necessárias devem ser instauradas e garantir a circulação segura de pessoas, para que possamos fazer da migração uma escolha, não uma necessidade mortal. Nem as políticas de imigração nem a ajuda ao desenvolvimento poderão compensar as populações africanas por séculos de pilhagem de seus recursos naturais e humanos, uma pilhagem que resultou em uma enorme dívida ecológica e que as mergulhou no subdesenvolvimento e na violência, o que, por sua vez, leva ao deslocamento forçado e à busca de asilo. A riqueza natural e humana que o continente possui hoje é capaz de garantir aos povos da África um verdadeiro desenvolvimento e uma vida segura que não os forçará a se deslocar, se puderem exercer a soberania sobre a riqueza de seus países. A garantia de uma vida decente e segura para os povos do continente está ligada ao seu controle sobre a tomada de decisões, que deve escapar das políticas neoliberais e dos mecanismos neocoloniais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio). Essas alternativas estarão necessariamente ligadas ao estabelecimento de regimes democráticos, bem como ao fortalecimento da auto-organização desses povos contra os regimes atuais e por sua soberania.
NÃO EM NOSSO NOME
ISTO NÃO É UMA TRAGÉDIA, É UM MASSACRE
SEM CERCAS, SEM FRONTEIRAS, AS PLITICAS MIGRATORIAS MATAM
BLACK LIVES MATTER