Série: Perguntas e Respostas sobre os BRICS 2025 (Parte 4)
28 de Setembro por Eric Toussaint

Fonte: Gage Skidmore, CC, Flickr, https://www.flickr.com/photos/gageskidmore/54349800289
Em setembro de 2025, após presidir o país desde dezembro de 2023, o neofascista Javier Milei sofreu uma derrota eleitoral em uma importante votação. Trata-se da eleição na província de Buenos Aires. Essa eleição renovou 46 cadeiras na Câmara dos Deputados provincial e 23 no Senado provincial. A oposição peronista superou o partido de Milei por 13 pontos. Ela tem maioria no Senado provincial de Buenos Aires. A província da capital representa cerca de 37 a 38% do eleitorado nacional. As eleições provinciais de Buenos Aires são sempre vistas como um teste importante a nível nacional, inclusive para Javier Milei este ano.
É neste contexto que se deve avaliar o papel da considerável ajuda financeira prestada pelo FMI (com o apoio unânime dos BRICS
BRICS
O termo BRICS (acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi utilizado pela primeira vez em 2001 por Jim O’Neill, na altura economista da Goldman Sachs. O forte crescimento económico destes países, combinado com a sua importante posição geopolítica (estes 5 países reúnem quase metade da população mundial em 4 continentes e quase um quarto do PIB mundial), fazem dos BRICS actores importantes nas actividades económicas e financeiras internacionais.
+), pelo Banco Mundial e pela China ao presidente Milei em abril de 2025. Milei estava a perder a sua aposta económica e política quando os credores acima mencionados intervieram para lhe proporcionar um importante fôlego ou, por outras palavras, uma bóia de salvação. De fato, enquanto o descontentamento crescia sem, no entanto, desestabilizar fortemente Milei, sua política econômica dava sinais evidentes de fracasso. Ao contrário de suas esperanças, ele não conseguiu atrair o maná de capitais estrangeiros com o qual contava. Como resultado, as reservas cambiais que permitiam garantir as importações e o pagamento da dívida estavam em seu nível mais baixo.
Se essa ajuda não tivesse sido oferecida a Milei, é possível que ele tivesse sofrido uma derrota política ainda maior em setembro de 2025 e que pudesse ter enfrentado um fracasso muito grave nas eleições de meio de mandato no final de outubro de 2025 [1]. O futuro dirá quais serão as consequências exatas dessa ajuda prestada ao neofascista Milei, especialmente quando se tratar de analisar os resultados das eleições de 26 de outubro de 2025.
A situação de Milei é tão frágil em termos econômicos que ele foi obrigado a recorrer a Trump em setembro de 2025 para que o Tesouro dos Estados Unidos concedesse uma nova ajuda financeira antes das eleições. Trump respondeu positivamente, mas a ajuda financeira ainda não foi desembolsada até o momento em que este artigo foi escrito.
Em abril de 2025, a direção do FMI aprovou um novo crédito no valor de 20 bilhões de dólares para apoiar o governo de Javier Milei, salvando-o de um fracasso econômico evidente que lhe custaria muito caro em termos políticos nas eleições de outubro de 2025. O FMI desembolsou quase imediatamente US$ 12 bilhões, tamanha era a gravidade da situação, que exigia uma injeção urgente de reservas cambiais. Simultaneamente, a China renovou seu acordo de swap de crédito no valor equivalente a US$ 5 bilhões, o que também constituiu uma ajuda vital para Milei. Ao mesmo tempo, o Banco Mundial (BM) anunciou que emprestaria US$ 12 bilhões e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) uma quantia de US$ 10 bilhões ao longo de um período de três anos.
O diario conservador espanhol El Mundo dedicou à medida a seguinte manchete:
«A Argentina recebe uma ajuda de 20 bilhões de dólares do FMI.» E continuava: «Esta notícia chega num momento crucial para a economia argentina, que começou a mostrar sinais preocupantes nas últimas semanas: a inflação deixou de cair, o dólar começou a subir e o valor do risco do país ultrapassou a barreira dos mil pontos. Em meio ao terremoto financeiro internacional e a um momento extremamente delicado para seu governo, Javier Milei comemorou a “boia de salvação” de US$ 20 bilhões que o Fundo Monetário Internacional (FMI) lançou à Argentina. “Vamos lá, Luis Caputo, caramba!”, escreveu o presidente argentino na noite de terça-feira na rede social X, citando seu ministro da Economia [2].
O diário francês Le Monde publicou em 12 de abril de 2025 a manchete «Argentina obtém US$ 42 bilhões de instituições financeiras internacionais» (US$ 20 bilhões do FMI, US$ 12 bilhões do Banco Mundial e US$ 10 bilhões do BID, ver acima) e acrescentou no corpo do artigo:
«Milei precisa desse acordo como precisa de ar». O Le Monde indicava que a diretora-geral do FMI, a búlgara Kristalina Georgieva, havia divulgado uma mensagem no X afirmando que «é o reconhecimento dos impressionantes progressos alcançados na estabilização da economia» argentina e um «voto de confiança na determinação do governo em prosseguir com as reformas» [3]
O jornal conservador argentino Clarín, por sua vez, informou:
«O FMI concederá à Argentina um empréstimo de US$ 20 bilhões no âmbito de um programa quadrienal. Isso inclui um pagamento inicial de US$ 15 bilhões em fundos novos.» [4]
Por sua vez, o governo argentino obviamente se congratulou pelo apoio do FMI e o utilizou em sua comunicação com a opinião pública argentina e os investidores estrangeiros [5].
No momento em que este artigo foi escrito, em 22 de setembro de 2025, de acordo com o site do FMI, a Argentina devia ao FMI 40.260 milhões de DSE (DSE = unidade de conta do FMI ) [6], o equivalente a 55.253 milhões de dólares americanos. A Argentina é o país mais exposto ao FMI e, reciprocamente, o FMI está mais exposto em relação à Argentina do que em relação a qualquer outro país. Se a Argentina fosse incapaz de continuar a reembolsar o FMI no futuro, isso colocaria essa organização em grande dificuldade.
A Argentina deve mais de US$ 55 bilhões ao FMI. A Argentina é o país mais exposto ao FMI no mundo e, reciprocamente, o FMI está mais exposto à Argentina do que a qualquer outro país
A dívida da Argentina com o FMI representa cerca de 12,6 vezes a quota [7] da Argentina no FMI, ou 12.600% de sua quota. Se quisermos comparar com a situação de outros países fortemente dependentes do FMI, a dívida da Grécia para com o FMI é cerca de 2,8 vezes a sua quota, a dívida do Paquistão para com o FMI é cerca de 3,3 vezes a sua quota, o Egito deve cerca de 4,3 vezes a sua quota ao FMI e a Ucrânia deve ao FMI cerca de 5,4 vezes a sua quota. Portanto, a situação da Argentina é muito mais grave e o FMI está perfeitamente ciente disso.
O momento escolhido pelo FMI e outros credores é muito importante. De fato, o programa econômico hiperbrutal do presidente neofascista Milei estava (e está) à beira do fracasso, mesmo que a inflação tivesse diminuído. Embora no início de seu mandato Milei tenha desvalorizado fortemente a moeda argentina em relação ao dólar, ele depois seguiu uma política de reavaliação ou valorização da taxa de câmbio. Essa política permitiu que, em 2025, o peso argentino se reavaliasse em relação ao dólar, mas teve como consequência o consumo de uma parte importante das reservas em dólares, nomeadamente para apoiar o pagamento das importações e permitir que a classe média alta e a classe capitalista comprassem dólares para fazer turismo no estrangeiro. Quanto à evolução da pobreza na Argentina, após um forte aumento no primeiro semestre da presidência de Milei, ela diminuiu no final de 2024. No que diz respeito à atividade econômica, após uma forte queda em 2024 que prolongou a recessão de 2023, ocorreu uma recuperação em 2025. Mas se compararmos o nível do produto interno bruto
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
atingido em 2022 com o de 2025, observamos um crescimento de apenas 1% durante esse período. Assim, apesar das declarações de Milei, o crescimento de 2025, que se segue à recessão de 2023-2024, deve ser relativizado. Alguns setores estão em crescimento (petróleo, agroindústria, ambos voltados para a exportação) e outros estão em claro declínio (os que exigem mais mão de obra). 150.000 empregos foram perdidos na construção civil, 30.000 na indústria, e a tendência de queda continua. As aposentadorias perderam permanentemente 15% de seu poder de compra. Além disso, 52.000 cargos públicos foram eliminados e os gastos públicos foram reduzidos em quase 35%. Esse ajuste permitiu obter um superávit orçamentário que foi saudado pela direção do FMI. Mas as reservas de moeda estrangeira estavam em seu nível mais baixo. O país enfrentava enormes dificuldades financeiras para fazer face ao pagamento das suas importações e ao reembolso da sua dívida externa, tanto para com os credores privados como para com o FMI.
150 000 empregos a menos na construção, 30 000 a menos na indústria, a tendência de queda continua. Os aposentados perderam 15% do seu poder de compra. Foram eliminados 52 mil cargos públicos e as despesas públicas foram reduzidas em quase 35%
É preciso também levar em conta as importantes mobilizações populares que ocorreram em 2024 e 2025, tanto entre os assalariados quanto entre os aposentados, nas universidades, no movimento feminista e entre os desempregados organizados nos diferentes movimentos piqueteros.
Apesar disso, Milei conseguiu manter o apoio da opinião pública, mas este começou a desmoronar-se face à recusa constante do governo em aumentar as despesas sociais e ao escândalo de corrupção relacionado com a sobrefaturação de medicamentos destinados a pessoas com deficiência, ao qual Karina Milei, irmã do presidente, está envolvida. Este escândalo segue-se ao da criptomoeda $LIBRA “coin Milei” [8].
O fracasso econômico se tornaria evidente aos olhos da opinião pública do país alguns meses depois, pouco antes das eleições de outubro de 2025, durante as quais será renovada parte do poder legislativo. Milei corria o risco de perder a maioria parlamentar de que dispunha graças ao apoio da direita tradicional e de parte dos parlamentares peronistas. E corria o risco de um mau resultado eleitoral para seus candidatos.
Trump pressionou ao máximo o FMI para que desse uma ajuda financeira a Milei
Consequentemente, Donald Trump pressionou ao máximo o FMI para que este lançasse uma boia de salvação a Milei.
De fato, Trump já havia feito isso em 2018, durante seu primeiro mandato, para apoiar Mauricio Macri, obtendo do FMI um empréstimo de US$ 45 bilhões para a Argentina, a fim de tentar evitar um fracasso eleitoral em 2019.
O crédito de 2018 foi odioso porque ia contra os interesses da população. Uma grande parte do montante emprestado foi para o exterior na forma de fuga de capitais. Macri perdeu as eleições presidenciais de outubro de 2019. Uma frente peronista liderada por Alberto Fernandez e Cristina Kirchner venceu as eleições prometendo uma mudança de política no sentido progressista. Mas, posteriormente, o governo peronista instalado não teve coragem de enfrentar os credores, em particular o FMI. A fim de pagar a dívida odiosa
Dívida odiosa
Segundo a doutrina, para que uma dívida seja considerada odiosa, e portanto nula, tem de preencher as seguintes condições:
1. Foi contraída contra os interesses da Nação ou contra os interesses do povo ou contra os interesses do Estado.
2. Os credores não conseguem demonstrar que não podiam saber que a dívida foi contraída contra os interesses da Nação.
É preciso sublinhar que, segundo a doutrina da dívida odiosa, a natureza do regime ou do governo que contraiu a dívida não é particularmente importante, pois o que conta é a utilização dada à dívida. Se um governo democrático se endividar contra o interesse da população, a dívida pode ser qualificada odiosa, desde que preencha igualmente a segunda condição. Por consequência, e contrariamente a uma interpretação errada desta doutrina, a dívida odiosa não se aplica apenas aos regimes ditatoriais. (Ver Éric Toussaint, «A Dívida Odiosa Segundo Alexandre Sack e Segundo o CADTM»)
O pai da doutrina da dívida odiosa, Alexander Nahum Sack, diz claramente que as dívidas odiosas podem ser atribuídas a um governo regular. Sack considera que uma dívida contraída por um governo regular pode ser considerada incontestavelmente odiosa, desde que preencha os dois critérios acima apontados.
E acrescenta: «Se estes dois pontos forem confirmados, cabe aos credores o ónus de provar que os fundos envolvidos nos referidos empréstimos foram utilizados não para fins odiosos, prejudiciais à população do Estado, no seu todo ou em parte, mas sim para as necessidades gerais ou especiais desse Estado, e não apresentam carácter odioso».
Sack definiu um governo regular da seguinte forma:
«Deve ser considerado regular o poder supremo que existe efectivamente nos limites de um dado território. É indiferente ao problema em foco que esse poder seja monárquico (absoluto ou limitado) ou republicano; que proceda da “graça de Deus” ou da “vontade do povo”; que exprima a “vontade do povo” ou não, do povo inteiro ou apenas de uma parte deste; que tenha sido estabelecido legalmente ou não.»
Portanto não restam dúvidas sobre a posição de Sack, todos os governos regulares, sejam eles despóticos ou democráticos, em todas as suas variantes, são susceptíveis de contraírem dívidas odiosas.
contraída por Macri em 2018 o próprio governo peronista solicitou em 2022 um novo crédito ao FMI no valor de 45 bilhões de dólares.. As políticas retrógradas e cada vez mais impopulares que esse governo peronista impôs sob a liderança do FMI (a fim de atender às condições estabelecidas por este e satisfazer os interesses do grande capital) causaram grande decepção em sua base eleitoral.
Milei venceu as eleições presidenciais de 2023 apresentando-se como um salvador e utilizando os mesmos métodos de comunicação que Trump
Nas eleições de outubro de 2023, Milei venceu as eleições presidenciais apresentando-se como um salvador e utilizando métodos de comunicação semelhantes aos de Trump. Imediatamente recebeu os parabéns do FMI. O grande capital argentino e internacional ficou satisfeito. Mas as medidas drásticas que ele tomou provocaram uma queda no consumo, um aumento da pobreza e não relançaram verdadeiramente a economia. As reservas cambiais, que já eram baixas, foram ainda mais reduzidas. Milei esperava que sua política ultra-impopular de austeridade e as múltiplas medidas de desregulamentação atraíssem um grande influxo de capitais estrangeiros. Isso não aconteceu. Consequentemente, seu governo ficaria sem reservas cambiais para fazer face aos reembolsos exigidos pelo FMI. Para sair dessa situação, ele precisava absolutamente obter um novo crédito do FMI para continuar a reembolsá-lo e pagar a conta das importações.
A direção do FMI enfrentou uma importante discussão interna. Como justificar um novo crédito de grande volume quando a regra oficialmente em vigor é a seguinte: o FMI só pode emprestar se o crédito que concede tornar a dívida sustentável. Ora, era evidente que os dois créditos anteriores, os 45 mil milhões de 2018, seguidos dos 45 mil milhões adicionais de 2022, não tinham tornado a dívida sustentável. Esta aumentou muito.
Na direção do FMI, levantaram-se vozes para dizer que o novo crédito e o novo programa a ele associado não iriam dar melhores resultados do que os anteriores. O pessoal permanente do FMI sabia disso muito bem. Mas a pressão de Trump sobre Kristalina Georgieva, a diretora-geral, e sobre o pessoal foi máxima.
O que é impressionante é que os países membros do BRICS aceitaram a pressão de Trump e votaram, em abril de 2025, a favor da concessão do crédito de US$ 20 bilhões. O Brasil de Lula interveio ativamente para convencer os outros países latino-americanos a votarem a favor do crédito, embora Milei represente um verdadeiro perigo para a democracia no continente e apoie Bolsonaro e a extrema direita brasileira, que espera vencer as eleições brasileiras em outubro de 2026.
Os BRICS aceitaram a pressão de Trump e votaram, em abril de 2025, a favor de que o FMI emprestasse 20 bilhões de dólares ao governo de Milei
A China, a Rússia, a Índia, a África do Sul e os outros novos membros dos BRICS que têm representantes na direção do FMI votaram a favor do crédito de 20 bilhões de dólares. A China (6,08%), a Rússia (2,59%), o Brasil (2,2%), a Índia (2,63%) e a África do Sul (0,63%) detêm juntos 14% dos votos na direção do FMI (como no Banco Mundial, mais ou menos). Se somarmos os cinco novos membros do BRICS, ou seja, a Indonésia (0,95% dos votos), o Irã (0,74%), Emirados Árabes Unidos (0,49%), Egito (0,43%) e Etiópia (0,09%), os BRICS+ detêm quase 17% dos votos (para as porcentagens, consulte https://www.imf.org/en/About/executive-board/members-quotas). No entanto, com 15%, é possível bloquear uma decisão, pois é necessária uma maioria de 85% em caso de votação sobre questões controversas. De qualquer forma, independentemente do cálculo dos votos, é certo que os representantes dos BRICS poderiam ter se oposto à decisão na discussão e tornado muito difícil tomá-la, pois outros países estavam claramente hesitantes.
Portanto, é muito grave que os líderes dos BRICS tenham decidido apoiar Milei, correndo o risco de lhe oferecer a oportunidade de se manter no poder e ter um efeito contagiante sobre o resto da região e além. Isso pode ter consequências ainda mais dramáticas do que as que conhecemos atualmente, tanto para o povo argentino quanto para muitos outros povos.
O que está acontecendo entre a Argentina, o FMI e outros credores incentivará outros governos a adotar políticas antissociais cada vez mais brutais, pois saberão que, mesmo em caso de fracasso macroeconômico evidente, ainda poderão contar com a ajuda do FMI.
É importante explicar aqui o papel desempenhado pela China, que é o segundo parceiro comercial da Argentina, bem à frente dos Estados Unidos. A China compra cerca de 15% das exportações argentinas, o Brasil compra 20% e os Estados Unidos 7 a 8%. Os principais produtos exportados pela Argentina para a China são soja e seus derivados, milho, trigo, carne bovina, vinho, petróleo e produtos petrolíferos, além de lítio. Quinze por cento das importações argentinas vêm da China e consistem principalmente em máquinas e equipamentos industriais, veículos, peças sobressalentes e produtos eletrônicos. As relações entre a China e a Argentina são, portanto, emblemáticas das relações entre um país industrializado e um país essencialmente exportador de matérias-primas.
A China é o segundo parceiro comercial da Argentina, bem à frente dos Estados Unidos
Na véspera da concessão do crédito do FMI à Argentina, no início de abril de 2025, a China renovou uma linha de crédito no valor equivalente a US$ 5 bilhões para a Argentina de Milei (como havia feito com o presidente de direita Mauricio Macri em 2018 e, posteriormente, com o presidente peronista Alberto Fernández, que o sucedeu). A China também forneceu uma tábua de salvação para Milei. De fato, o crédito concedido pela China permite que o governo de Milei, em caso de necessidade, efetue reembolsos ao FMI, pague outros credores, incluindo os chineses, e pague parte de sua conta de importação de produtos industriais chineses.
É importante ressaltar que o swap de crédito chinês permite a Milei apresentar um nível positivo de reservas cambiais, enquanto que, se essa linha não tivesse sido renovada, o nível líquido das reservas teria sido negativo, como mostra uma nota da agência de classificação Fitch de abril de 2025, que pode ser consultada aqui [9]. Trump pressionou Milei para que ele não renovasse seu pedido de crédito à China [10]. Mas este estava em uma situação tão desesperadora que resistiu ao pedido insistente de seu mentor Trump. A China ajudou Milei e, ao mesmo tempo, garantiu que ele fosse capaz de continuar pagando a dívida argentina e suas importações chinesas. A China, portanto, privilegiou seus interesses econômicos e geopolíticos.
Em abril de 2025, a China renovou uma linha de crédito no valor equivalente a US$ 5 bilhões para a Argentina de Milei.
Os BRICS adotaram uma postura muito complacente na direção do FMI em relação a Trump e seus aliados, o que não impede o presidente dos Estados Unidos de estar na ofensiva contra eles.
A Argentina de Javier Milei ilustra até que ponto a política e as finanças internacionais são indissociáveis. Em abril de 2025, o FMI, a China, o Banco Mundial e o BID ofereceram ao presidente argentino uma ajuda financeira de US$ 42 bilhões, permitindo-lhe adiar uma crise iminente. Esse apoio, obtido sob pressão de Donald Trump e validado pelos BRICS+, revela que as considerações geopolíticas prevalecem sobre qualquer lógica econômica de sustentabilidade da dívida. No entanto, a situação da Argentina é alarmante: uma dívida recorde com o FMI, reservas cambiais esgotadas, um crescimento quase nulo se considerarmos o período 2022-2025 e um tecido social profundamente fragilizado pelas políticas de austeridade. Apesar de um superávit orçamentário saudado pelos credores, o descontentamento popular é palpável. A escolha dos BRICS+ de apoiar Milei, em contradição com seu discurso de ruptura com a ordem financeira ocidental, confirma que suas prioridades continuam sendo ditadas por seus próprios interesses comerciais e estratégicos. A China, em particular, privilegiou a segurança de suas exportações e créditos. O governo Lula também privilegiou seus interesses econômicos, pois conta com o dinheiro do FMI para que a Argentina de Milei possa continuar a pagar sua conta de importações provenientes do Brasil. Em última análise, essa ajuda não garante nem a estabilidade política de Milei nem a recuperação sustentável da economia argentina. Ela apenas adia o vencimento, ao preço de um endividamento cada vez mais insustentável e da continuação de duros sacrifícios para as classes populares.
O autor agradece a Demián García Orfanó, Jorgelina Matusevicius, Julio Gambina, Eduardo Lucita e Jorge Marchini por seus comentários, revisão e conselhos. O autor é o único responsável pelas opiniões expressas neste texto e por qualquer erro que ele possa conter.
Tradução: Alain Geffrouais
[1] IMF, “IMF Executive Board Approves 48-month US$20 billion Extended Arrangement for Argentina”, 11/04/2025, https://www.imf.org/en/News/Articles/2025/04/12/pr25101-argentina-imf-executive-board-approves-48-month-usd20-billion-extended-arrangement
[2] El Mundo, «Argentina recibe un salvavidas de 20.000 millones de dólares del FMI», 9/04/2025, https://www.elmundo.es/economia/macroeconomia/2025/04/09/67f5fff7fdddff59738b456f.html («Argentina recibe un salvavidas de 20.000 millones de dólares del FMI. La noticia llega en un momento fundamental para la economía argentina, que comenzó a exhibir señales preocupantes en las últimas semanas: la inflación dejó de bajar, el dólar comenzó a subir y el valor riesgo del país quebró la barrera de los mil puntos.
En medio del terremoto financiero internacional y de un momento sumamente delicado de su gobierno, Javier Milei celebró el «salvavidas» de 20.000 millones de dólares que el Fondo Monetario Internacional (FMI) le arrojó a Argentina. «¡Vamos, Luis Capiuto, carajo!», escribió avanzada la noche de este martes el presidente argentino en la red social X citando a su ministro de Economía».
[3] Le Monde, «L’Argentine obtient 42 milliards de dollars des institutions financières internationales», 12/04/2025, https://www.lemonde.fr/international/article/2025/04/12/l-argentine-conclut-un-accord-pour-un-pret-du-fmi-et-la-levee-du-controle-des-changes_6594422_3210.html
[4] Clarín, «Una por una, las nuevas medidas económicas del Gobierno: fin del cepo y fondos frescos del FMI por US$ 15 mil millones», 12/04/2025, https://www.clarin.com/economia/nuevas-medidas-economicas-gobierno-fin-cepo-fondos-frescos-fmi-us-15-mil-millones_0_gWZ3bYdtLi.html «El FMI entregará a la Argentina un préstamo de US$ 20.000 millones en un programa de cuatro años. Eso incluye un desembolso inicial de US$ 15.000 millones en fondos frescos.»
[5] Ler: Ministerio de Economía, «Argentina anuncia un programa de facilidades extendidas con el Fondo Monetario Internacional por USD20.000 millones. Argentina anuncia un programa de facilidades extendidas con el Fondo Monetario Internacional por USD20.000 millones», 11/04/2025, https://www.argentina.gob.ar/noticias/argentina-anuncia-un-programa-de-facilidades-extendidas-con-el-fondo-monetario
Ver informações críticas que mostram que parte dos montantes emprestados foi transferida para o exterior sob a forma de fuga de capitais: https://www.reddit.com/r/argentina/comments/1m6e0s4/en_45_d%C3%ADas_se_fugaron_us_5300_m_el_44_del/?tl=en
Ver também uma avaliação com data de julho/2025: Buenos Aires Times e Blomberg «IMF to discuss Argentina amid US$20-billion programme’s first review», 22/07/2025, https://www.batimes.com.ar/news/economy/imf-to-discuss-argentina-amid-us20-billion-programmes-first-review.phtml
Além disso, o FMI, sob pressão de Milei, transferiu um de seus altos funcionários chilenos considerado excessivamente crítico: Perfil, «El FMI «le hace caso» a Milei y corre al chileno Rodrigo Valdés de la dirección para América Latina. El funcionario había sido desplazado el año pasado de la negociación del programa de la deuda tras las críticas de Javier Milei. Ahora ocupará el Departamento de Finanzas Públicas en el FMI», 14/08/2025, https://www.perfil.com/noticias/internacional/el-fmi-nombro-en-un-nuevo-puesto-a-rodrigo-valdes-quien-tuvo-una-relacion-tensa-con-argentina.phtml
[6] Os Direitos Especiais de Saque (DES/Special Drawing Rights, SDR) não são uma moeda no sentido estrito. Trata-se de uma unidade de conta criada pelo FMI em 1969, que serve de referência para: avaliar as transações do FMI, servir como ativo de reserva internacional, complementar as reservas oficiais dos países membros. O valor de 1 DTS/SDR é definido a partir de uma cesta das principais moedas (atualmente USD, EUR, Renminbi, Iene japonês, Libra esterlina). De acordo com as taxas atuais do FMI, 1 DES/SDR = 1,37 USD.
[7] A quota é a “parte do capital” que um país detém no FMI. Cada país membro deve subscrever uma quota quando adere ao Fundo. Essa quota é expressa em Direitos Especiais de Saque (DTS/SDR). A quota representa a contribuição de um país para os recursos do FMI (semelhante a um investimento em uma cooperativa). Direito de voto: A quota determina o número de votos que um país tem nas decisões do FMI. Acesso ao financiamento: A quota define o limite máximo de empréstimo de um país ao FMI. Normalmente, um país pode contrair empréstimos até um determinado múltiplo da sua quota (por exemplo, 145% ao ano, 435% acumulados, salvo derrogação). Quando um país tem uma dívida junto ao FMI de 3, 5 ou 10 vezes a sua quota, isso significa que beneficiou de derrogações excepcionais.
[8] Javier Milei foi alvo de polêmica por ter promovido vigorosamente uma criptomoeda chamada $LIBRA, que despencou pouco depois, causando prejuízos aos seus apoiadores. Ele é acusado de ter abusado de sua posição de influência econômica para conduzir uma operação financeira duvidosa. A criptomoeda foi apresentada como uma forma de proteção contra a inflação galopante na Argentina e como um investimento para o futuro.
Milei, defensor do anarcocapitalismo e fervoroso crítico do banco central, conferiu-lhe uma credibilidade considerável. Problema: pouco depois de seu lançamento, o preço da $LIBRA “Coin Milei” despencou, perdendo quase todo o seu valor. Muitos investidores que compraram a criptomoeda seguindo as recomendações de Milei perderam seu dinheiro. Veja também: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/criptomoeda-divulgada-por-milei-colapsa-e-governo-abre-investigacao/
[9] “By March 2025, reserves fell to USD24 billion, and net reserves to negative USD7 billion (net of the China swap, reserve requirement and repos), little changed from December 2023, when Milei took office.”
Fonte: Fitch Ratings, “Argentina’s FX Policy Shift Opens Clearer Path to Reserve Accumulation”, 17 Avril 2025 https://www.fitchratings.com/research/sovereigns/argentinas-fx-policy-shift-opens-clearer-path-to-reserve-accumulation-17-04-2025
[10] Veja diferentes fontes de informação sobre as pressões do governo Trump sobre o governo de Milei e as reações da China:
https://buenosairesherald.com/economics/chinese-embassy-u-s-officials-argentina-comments-are-defamation-and-calumny
https://www.reuters.com/markets/currencies/china-us-clash-over-major-argentina-currency-swap-line-2025-04-08/
https://buenosairesherald.com/economics/argentina-renews-us5-billion-currency-swap-with-china-for-12-months
https://global.chinadaily.com.cn/a/202505/16/WS68269347a310a04af22bfbfb.html
https://www.bcra.gob.ar/noticias/bcra-pboc-renuevan-swap-i.asp
https://www.cfr.org/article/china-latin-america-april-2025
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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