O Paquistão vai a eleições gerais hoje [dia 8 de fevereiro (N. do T.)]. As eleições gerais decidirão o próximo governo da quinta nação mais populosa do mundo e os governos das suas quatro províncias – Punjab, Singh, Balochistan e Khyber Pakhtunkhwa. Cerca de 128 milhões de pessoas podem votar para escolher 266 representantes para formar o 16º parlamento, num sistema de votação uninominal [o eleitor escolhe um entre vários candidatos; vence o candidato com maioria relativa de votos (N. do T.)]. Os cidadãos votarão também para eleger as legislaturas das quatro províncias do país.
[Para compreender o sistema de votação e a organização de poderes no Paquistão, ver «Pakistan election 2024: How the voting works» (N. do T.)]
Num país com 241 milhões de habitantes, dois terços têm menos de 30 anos. Um cidadão torna-se eleitor aos 18 anos. Mas apenas um pouco mais de metade do eleitorado paquistanês votou nas últimas eleições de 2018. O anterior vencedor das eleições de 2018 foi Imran Khan, antigo jogador de críquete que se tornou político. Foi destituído do cargo por um voto de desconfiança no Parlamento em abril de 2022. Desde então, foi baleado e ferido e depois preso por até 20 anos sob várias acusações de corrupção e conspiração. Milhares de membros do seu partido foram detidos e ele foi proibido de se candidatar. Mas as sondagens sugerem que ele ganharia estas eleições, se as mesmas fossem «justas».
Nunca um primeiro-ministro paquistanês conseguiu completar uma legislatura até final. É que desde a sua formação o país se encontra sob a pata militar. É a instituição mais poderosa do país, com 12,5 % do orçamento de Estado consagrada a despesas militares. Os militares decidem as necessidades da elite paquistanesa.
Khan desentendeu-se com os militares quando estes decidiram mudar de lado, deixando de contar com o apoio da China contra o seu principal inimigo, a Índia, e deixando de depender do crédito chinês para sobreviver.
Os militares passaram de novo para o lado dos americanos, com subornos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos e devido à necessidade desesperada de obter fundos do FMI, que Khan estava relutante em aceitar devido às condições de austeridade que lhes estavam associadas. «Do ponto de vista de Washington, qualquer pessoa seria melhor do que Khan», disse Michael Kugelman, director do South Asia Institute no Wilson Center, em Washington. Em contrapartida, o candidato apoiado pelo exército e provável vencedor das eleições é visto como «amigo dos negócios e pró-americano».
Os militares não querem dirigir directamente o país, mas tratam de garantir que o governo se conforma aos seus interesses. É o caso do partido de Nawaz Sharif, três vezes primeiro-ministro, anteriormente destituído por corrupção em 2017 e condenado a 10 anos de prisão. Em 2022, regressou ao Paquistão, sendo a sua condenação por corrupção rapidamente anulada, bem como a proibição vitalícia de exercer a actividade política. O seu partido e os militares asseguraram então a destituição de Khan. O governo de Sharif está agora a tentar satisfazer as exigências do FMI e dos militares no que diz respeito à gestão económica.
Ora a economia paquistanesa encontra-se em grandes apuros e em recessão. A severidade das cheias afectou as colheitas e o gado; dado que 44 % dos trabalhadores dependem da agricultura, milhões de pessoas foram atiradas para a miséria. O investimento colapsou. Calcula-se que o Paquistão necessite de mais de 16 mil milhões de dólares para recuperar do desastre.
O rendimento paquistanês per capita e o crescimento do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
são os mais baixos da região, a seguir ao Afeganistão, devastado pela guerra. Os índices de desemprego e de inflação são dos mais altos da região. O Índice de Desenvolvimento Humano, que mede as capacidades de um país em três dimensões básicas – saúde, conhecimentos e nível de vida –, coloca o Paquistão na 161ª posição, num total de 185 países em 2022. Por outras palavras, o Paquistão está entre os 25 países com mais baixo desenvolvimento humano a nível mundial.
O Paquistão está nas mãos de um pequeno grupo de famílias terratenentes ou donas de negócios. É um dos países mais desiguais em todo o mundo. 22 famílias apenas controlam 66 % do parque industrial paquistanês e os 20 % mais ricos consomem sete vezes mais do que os 20 % mais pobres. A soma total dos rendimentos do 1 % de topo equivale à dos 50 % (15,7 %) mais pobres e o total da riqueza do 1 % de topo equivale a 26 % de toda a riqueza pessoal, enquanto os 50 % de baixo apenas possuem 4 % (World Inequality Lab). Ambos os nomes Khan e Sharif significam «governante» ou «nobre». Cerca de 45 % dos detentores de cargos em todo o país provêm de «dinastias» familiares, sendo a sua direcção política decidida pelo establishment militar. A maior parte do rendimento dos ricos é aplicada em negócios imobiliários e financeiros (na sua maioria canalizada para o estrangeiro).
O investimento no sector capitalista equivale apenas a 11 % do PIB. Compare-se com os 45 % da China ou até com os 20 % de países ainda menos desenvolvidos. As exportações totalizam apenas 7,6 % do PIB paquistanês. Isto é quase 17 pontos percentuais menos do que a média dos países com rendimento médio. As exportações do país tendem a ser produtos de baixo valor acrescentado, como têxteis, algodão e arroz. Resulta daí que o país depende das remessas dos seus emigrantes (que têm vindo a decair) e de fundos externos.
Remessas dos emigrantes, $milhar de milhão
O Paquistão depende fortemente do petróleo importado. A constante descida do valor da moeda nacional provocou um grande aumento dos custos de energia. A taxa de câmbio efectiva real do Paquistão, que mede aproximadamente a força de uma moeda, caiu de 88,0 em 2022, para 72,0 em 2023, e a rupia paquistanesa desceu 40 % em relação ao dólar americano no último ano. A queda da moeda e o aumento do custo de vida elevaram a inflação para perto dos 40 % (actualmente cerca de 30 % ao ano). A taxa de juros atingiu um pico recorde, esmagando o investimento.
Este declínio do valor da moeda paquistanesa deriva do fracasso das exportações. O Paquistão está a subsistir essencialmente à custa de empréstimos externos. A dívida externa ascendia a 36 % do PIB nominal em 2023, tendo subido consideravelmente desde o ano anterior. A dívida do governo atingiu os 89 % do PIB. Em junho de 2026, o Paquistão terá de reembolsar cerca de 80 mil milhões de dívida externa.
Balança comercial
Dos 126 mil milhões de dólares de dívida externa e passivo Passivo Parte do balanço composta pelos recursos de que uma empresa dispõe (capitais próprios reunidos pelos accionistas, provisões de risco e encargos, dívidas). do Paquistão, 30% são devidos à China. No âmbito da iniciativa «Uma Faixa, Uma Rota», a China investiu mais de 60 mil milhões de dólares no Corredor Económico China-Paquistão (CPEC), que teve início em 2015. Este corredor liga o porto paquistanês de Gwadar, no mar Arábico, ao noroeste chinês da região de Xinjiang, através de uma rede de autoestradas, vias férreas e pipelines. Até à data, dos numerosos projectos celebrados ao abrigo do CPEC, muito poucos foram concluídos. Da frustração chinesa com os inúmeros atrasos na conclusão dos projectos e as ameaças de segurança em relação aos chineses a trabalharem no Paquistão resultou uma retracção da vontade de investir em novos projectos.
Os militares querem virar costas aos financiamentos chineses e preferem virar-se para o Ocidente e os estados árabes. Em julho de 2023, o FMI aprovou uma emergência de 3 mil milhões de dólares ao abrigo do Stand-By Arrangement (SBA), para evitarem o colapso total e o incumprimento da dívida. Mas o FMI quer que o Paquistão vá mais longe e deixe «flutuar» (afundar!) completamente a sua taxa de câmbio, aparentemente para aumentar as exportações. E quanto aos futuros empréstimos solicitados pelo Paquistão, o FMI insiste em que o governo aumente as tarifas de electricidade e reduza os gastos governamentais.
Os militares ponderam agora a venda de bens do Estado, para atraírem investimento estrangeiro. Foi criado um organismo dominado pelos militares para gerir os grandes projectos económicos no país – o Conselho Especial de Facilitação do Investimento (SIFC). Composto pelo primeiro-ministro e pelo chefe do exército, o SIFC deu luz verde a 28 projectos de investimento para apresentar aos países do Golfo. O SIFC está também a tentar vender à Arábia Saudita as minas Reko Diq, que constituem uma das maiores reservas mundiais de ouro e cobre. Outros planos incluem a externalização da gestão dos aeroportos para os Emirados Árabes Unidos, a privatização da companhia aérea nacional num prazo acelerado e a celebração de um acordo de comércio livre com os Emirados Árabes Unidos, designado por Comprehensive Economic Partnership Act. Com esta estratégia o governo pretende que os EUA apoiem um futuro empréstimo do FMI.
Entretanto, cerca de 700.000 trabalhadores já perderam o emprego, seguindo-se o encerramento de mais 1600, ou seja cerca de um terço dos postos de trabalho nas empresas têxteis, que contribuem com 60 % do volume monetário de exportações do país. Uma família de trabalhadores têxteis explicou-nos como a escalada do custo de vida estava a afectá-los e aos filhos. O casal fazia muitas horas extraordinárias para conseguir alimentar as três filhas e os dois filhos, nenhum dos quais ia à escola. «Conseguíamos reduzir as despesas diárias a 500 rupias paquistanesas ($1.75). Agora as coisas mudaram. Só para cozinhar uma refeição precisamos de 1500 rupias», diz o sr. Maseeh. Ao que a esposa acrescenta: «O nosso ordenado não chega nem para uma boa refeição. Como havíamos de mandar as nossas crianças para a escola?»
Os adultos paquistaneses votam hoje, mas sem perspectivas de verem o fim do desastre que é o capitalismo paquistanês e o poderio dos terratenentes e dos militares.
Fonte: Michael Roberts blog
Tradução: Rui Viana Pereira
é um conhecido economista marxista britânico, que trabalhou por mais de 40 anos na City londrina como analista económico, onde observou de perto as manigâncias do capitalismo mundial. Ao mesmo tempo, militou no movimento sindical durante décadas. Depois de reformado escreveu vários livros e publica análises regulares no seu blog The Next Recession
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