Série: O relato de Yanis Varoufakis: esmagador para o próprio

A primeira capitulação de Varoufakis-Tsipras, em finais de fevereiro 2015

Parte 7

19 de Março de 2018 por Eric Toussaint


«Assinei o correio e enviei-o aos credores, bastante contrariado. Era um fruto das trevas e reconheço que me pertencia.» – Varoufakis



Aviso: A série de artigos que consagro ao livro de Varoufakis, Conversas entre Adultos (Conversations entre Adultes), constitui um guia para os leitores e leitoras de esquerda que não se dão por satisfeitos com a narrativa dominante transmitida pelos grandes meios de comunicação e pelos governos da Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. ; e também para os que não se contentam com a versão apresentada pelo ex-ministro das Finanças. [1] Em contraponto ao relato de Varoufakis, indico os acontecimentos que ele silencia e exprimo uma opinião diferente sobre o que devia ter sido feito e sobre o que ele fez. O meu texto não substitui o de Varoufakis, corre em paralelo.

É essencial analisar a política posta em prática por Varoufakis e pelo governo de Tsipras, pois, pela primeira vez no século XXI, foi eleito um governo de esquerda radical na Europa. É da maior importância compreender as falhas e extrair lições da maneira como esse governo defrontou os problemas com que se deparou, se quisermos aproveitar a oportunidade para não repetir o fiasco.

O essencial da crítica à política seguida pelo governo grego em 2015 não consiste em determinar as responsabilidades de Tsipras ou de Varoufakis enquanto indivíduos. O mais importante é fazer uma análise da orientação político-económica seguida, a fim de determinar as causas do malogro, ver o que poderia ter sido ensaiado em vez do que foi feito e tirar daí lições sobre o que um governo de esquerda radical pode fazer num país periférico da zona euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. .

Artigos desta série:

Parte 1. As propostas de Varoufakis que levaram à derrota
Parte 2. O discutível relato de Varoufakis sobre as origens da crise grega e as suas espantosas relações com a classe política
Parte 3. Como Tsipras, com a ajuda de Varoufakis, virou costas ao programa do Syriza
Parte 4. Varoufakis rodeou-se de conselheiros paladinos da ordem dominante
Parte 5. Logo à partida: Varoufakis-Tsipras adoptam uma orientação votada ao fracasso
Parte 6. Varoufakis-Tsipras rumo ao acordo funesto com o Eurogrupo de 20 fevereiro 2015
Parte 7.
Parte 8. As negociações secretas e as esperanças perdidas de Varoufakis com a China, Obama e o FMI


De 21 a 24 fevereiro 2015 em Atenas: Varoufakis bebe o cálice até à última gota

Varoufakis dá-nos conta das reacções contraditórias suscitadas pela assinatura do acordo funesto de 20 de fevereiro de 2015 com o Eurogrupo: Jeffrey Sachs congratula-o; criticaram-no duramente Manolis Glezos (figura destacada da Resistência e deputado do Syriza no Parlamento europeu desde fevereiro de 2015) e o célebre compositor Míkis Theodorákis – dois heróis da sua infância, segundo as suas próprias palavras. [2] Num comunicado público, Manolis Glezos pediu desculpa ao povo grego por ter apelado ao voto no Syriza em janeiro de 2015. [3]

Manolis Glezos

Varoufakis explica que a partir de 21 de fevereiro dedicou-se a redigir as propostas de reformas a «integrar no MoU» e a submeter ao Eurogrupo a 23 de fevereiro. Por conseguinte não hesita em dizer, hoje em dia, que procurava emendar o memorando em curso, embora nessa época ele e Tsipras declarassem à população que se tratava de um novo acordo «transitório», afirmando que a Grécia se tinha libertado da prisão do memorando e da Troika, rebaptizada «as instituições».

Varoufakis afirmava em público, alto e bom som, que a Troika já não existia e que a Grécia tinha recuperado a liberdade

Escreve ele: «Na segunda-feira à noite, o texto foi enviado a Christine Lagarde, Mario Draghi e Pierre Moscovici, que teriam a manhã do dia seguinte para o examinar, antes da teleconferência do Eurogrupo marcada para terça-feira à tarde. Eles os três iriam avaliar as medidas, antes de darem luz verde ou vetarem, sem que os ministros tivessem uma palavra a dizer» (p. 283). Nessa época Varoufakis afirmava em público, alto e bom som, que a Troika já não existia e que a Grécia tinha recuperado a liberdade. No entanto reconhece que aceitou submeter a Lagarde (FMI), Draghi (BCE Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
) e Moscovici (Comissão Europeia) as propostas que o governo grego tencionava enviar oficialmente ao Eurogrupo.

Com a intenção de o inserir no 2º memorando (MoU) rearranjado, Varoufakis escreveu um texto sobre as respostas a dar à crise humanitária, que no entanto não foi mencionado no comunicado de 20 de fevereiro de 2015, pois a Troika recusou que se falasse da crise humanitária na Grécia. Estas propostas de Varoufakis foram rejeitadas dois dias mais tarde. A seguir dedicou-se a retirar do memorando em curso os elementos que atentavam contra os direitos fundamentais. «Em contrapartida conservei tal e qual numerosas “medidas anteriores” do MoU. Algumas delas eram atrozes, outras más, algumas boas. Era o que se chama um compromisso» (p. 284).

Varoufakis tinha pedido a George Chouliarakis, presidente do Conselho dos Economistas, homem de confiança do vice-primeiro-ministro Dragasakis, que ficasse em Bruxelas a partir de 20 de fevereiro, confiando-lhe a tarefa de preparar com a Comissão Europeia o trabalho a submeter à Troika em 23 de fevereiro.

George Chouliarakis; atrás dele, Euclide Tsakalotos

No domingo, 22 de fevereiro, Chouliarakis regressou a Atenas e Varoufakis perguntou-lhe se o texto que ele tinha enviado na véspera para Bruxelas agradava a Declan Costello [representante da Comissão na Troika, na Grécia, desde maio de 2014], encarregado pela Comissão de acompanhar a aplicação do acordo de 20 de fevereiro. Chouliarakis respondeu-lhe que Costello tinha reagido favoravelmente ao projecto de Varoufakis, mas que era preciso reformulá-lo, a fim de corresponder ao estilo da Troika. Varoufakis aceita e Chouliarakis regressa algumas horas depois com o documento revisto. Varoufakis não gosta do texto: «O estilo era claramente o da Troika, mas em contrapartida os meus acrescentos ou estavam ausentes ou tinham sido suavizados» (p. 284). Modificam o documento em conjunto e enviam-no domingo às 21 horas a Costello, para aprovação.

Costello recusou dois elementos precisos do texto. Rejeitou a ideia duma moratória à penhora das habitações principais para as famílias incapazes de pagar as hipotecas. Varoufakis aceitou suprimir a «moratória». Costello recusou também que Varoufakis anunciasse a criação de um banco público de desenvolvimento. Varoufakis aceitou: «Nova concessão da minha parte, mas prometi a mim mesmo repor a questão a partir de abril» (p. 286).

Na segunda-feira, 23 de fevereiro, de manhã, Varoufakis consultou o gabinete de guerra e Lafazanis, ministro da Reconstrução. «A oposição mais virulenta vinha da Plataforma de Esquerda. As negociações com os nossos financiadores estavam inquinadas, diziam eles, e a reformulação da minha lista ao estilo da Troika roçava a traição» (p. 286).

A imprensa grega anunciou que o documento enviado por Varoufakis ao Eurogrupo tinha sido escrito por Declan Costello, da Comissão Europeia

Finalmente, depois de nova consulta por correio electrónico aos representantes da Troika e de ter obtido luz verde, Varoufakis enviou oficialmente, pouco depois da meia-noite, a lista que se tinha comprometido a submeter ao Eurogrupo antes da meia-noite. [4]

Na manhã de 24 de fevereiro, os meios de comunicação afirmaram que o atraso fazia prova da incompetência de Varoufakis. Varoufakis comenta: «Uma acusação a que eu não podia responder sem dizer que tinha negociado em segredo com os credores, antes de apresentar oficialmente a minha lista» (p. 286).

O pior ainda estava para vir: algumas horas mais tarde, a imprensa grega revelou que esse documento tinha sido escrito por Declan Costello, da Comissão Europeia, o que em grande parte era verdade. Como o próprio Varoufakis reconhece: «Senti um baque no coração, peguei no meu computador portátil, abri a minha lista de reformas, cliquei em «Dossier», depois em “Propriedades”, e vi que adiante de “Autor” aparecia “Costello Declan (ECFIN) [Negócios Económicos e Financeiros]”, e logo abaixo, à frente de “Empresa”, duas palavras coroavam a minha humilhação: “Comissão Europeia”» (p. 287). [5]

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Varoufakis prossegue o seu relato: após passar por esta vergonha, dirigiu-se à reunião do Conselho de Ministros. Afirma que após duas horas de discussão obteve luz verde dos ministros para prosseguir as negociações com base no texto que ele tinha enviado na véspera ao Eurogrupo. Mas não fornece quaisquer pormenores sobre a discussão ocorrida nessa reunião nem sobre as pessoas presentes.

Felizmente existem outras fontes disponíveis que nos permitem fazer uma ideia correcta das discussões que tiveram lugar no Conselho de Ministros restrito. Eis um excerto de um artigo redigido por um jornalista bem informado, do jornal grego Kathimerini: «Nas cimeiras governamentais, as fricções internas exprimiram-se na reunião do Conselho governamental de ontem, onde o ministro da Reconstrução Produtiva, do Ambiente e da Energia, Panagiotis Lafazanis, exprimiu fortes reservas em relação aos compromissos assumidos pelo Governo numa lista de reformas enviada aos parceiros e pediu esclarecimentos, principalmente a propósito das privatizações que afectam o seu ministério, mas também no que diz respeito ao compromisso de prosseguir a harmonização do mercado de electricidade e de gás natural com as normas do mercado e da legislação da UE. A sra. Nadia Valavani [6] levantou a questão da execução rápida das dívidas [privadas] em atraso. Da parte dos outros ministros, entretanto, ouviram-se murmúrios de desaprovação quanto ao facto de não terem visto o texto na sua forma final antes de este ser enviado.» [7]

Varoufakis afirma que nesse instante deveria ter posto termo à negociação

Segue-se a reunião do Eurogrupo, onde Varoufakis participa por telefone. O representante da Comissão declara logro de entrada que a lista de medidas enviada por Varoufakis «não pode substituir o MoU, que constitui a base legal do plano». Mario Draghi repete a mesma coisa e Christine Lagarde confirma.

Varoufakis escreve que nesse instante deveria ter posto termo às negociações e proposto a Tsipras que se pusessem em andamento as medidas unilaterais que ele lhe tinha proposto, bem como a Pappas e a Dragasakis, a começar por uma redução nos títulos gregos detidos pelo BCE e pelo lançamento de um sistema de pagamento paralelo. [8]

«Infelizmente optei pelo método suave» e declarou por telefone ao Eurogrupo: «Iremos insistir para […] que prossiga o exame desta lista, sabendo que a lista de reformas do nosso Governo é o ponto de partida.»


Varoufakis mantém um mutismo quase total sobre o importante debate no seio do grupo parlamentar do Syriza

No dia 25 de fevereiro à noite, até às tantas da madrugada, decorreu uma reunião de crise do grupo parlamentar do Syriza. No seu livro Varoufakis apenas lhe dedica uma linha, de forma muito vaga e sem citar a data: «Um punhado de deputados do Syriza continuava a resmungar, mas os humores estavam em brasa» (p. 303). [9] Para ficarmos a saber mais alguma coisa, temos de ler uma nota de pé de página que, entre outras coisas, diz o seguinte: «Numa reunião particularmente encapelada do grupo parlamentar, passei uma boa hora a explicar por que era necessário o prolongamento, assumindo toda a responsabilidade no assunto, sem que Alexis, Pappas ou Dragasakis dissessem uma palavra» (nota 1, p. 516).

Os deputados e ministros que não faziam parte do gabinete de guerra recebiam informações incompletas sobre a negociação

De facto, nessa reunião de deputados do Syriza cerca de um terço deles opôs-se ao acordo de 20 de fevereiro. Entre os quais: a presidente do Parlamento grego, Zoe Konstantopoulou e todos os ministros e vice-ministros membros da plataforma de esquerda (P. Lafazanis, N. Chountis, D. Stratoulis, C. Ysichos), assim como Nadia Valavani, vice-ministra das Finanças, e Thodoris Dritsas, vice-ministro dos Assuntos do Mar. [10]

É evidente que Varoufakis menospreza a importância da oposição que se exprimiu desde cedo no interior do grupo parlamentar do Syriza e entre os membros do Governo, já para não falar do comité central do Syriza (numa votação a 28 de fevereiro e 1 de março de 2015, 41 % dos membros do comité central opuseram-se ao acordo de 20 de fevereiro). Tendo em conta o relato de Varoufakis e outras fontes, é igualmente evidente que o grupo parlamentar e os ministros do Governo que não faziam parte do gabinete de guerra recebiam informações incompletas sobre a negociação. O que veio a verificar-se é que nem o conselho governativo nem os deputados nem as instâncias do Syriza estavam ao corrente das decisões tomadas. No melhor dos casos Tsipras apresentava um relatório enviesado depois dos factos consumados.

Manifestação em Atenas, fevereiro de 2015


A 27 de fevereiro, em Atenas, Varoufakis presta um voto de fidelidade à Comissão Europeia, ao FMI e ao BCE

Depois de relatar o desenrolar da reunião do Eurogrupo de 24 de fevereiro, no qual apresentou as medidas a aplicar no quadro do memorando, em vez de desencadear medidas unilaterais, Varoufakis acrescenta: «Os erros são como os crimes, atrás de uns vêm outros. A decisão de não desligar a teleconferência de 24 de fevereiro foi amplificada por um erro ainda mais grave, cometido dias depois.»

Assino a maldita carta sem o aval do Parlamento, envio-a aos financiadores e sigo em frente

Por intermédio do gabinete do presidente do Eurogrupo, a 25 de fevereiro, Varoufakis foi chamado pela Comissão Europeia, pelo FMI e pelo BCE, para prestar um voto de fidelidade. A Troika queria que o Governo grego enviasse uma carta oficial para confirmar o acordo que Varoufakis tinha dado na véspera, na conferência do Eurogrupo. Após muitas hesitações, ele aceita assinar a carta pró-forma que a Troika tinha preparado. «Aceitar a carta dos credores sem correcções, numa questão tão essencial, significava que o prolongamento seria concedido não nos nossos termos, mas segundo os da Troika.» Varoufakis reconhece a gravidade extrema da decisão a tomar. Assinar a carta pró-forma equivale a prolongar o memorando em curso, nos termos ditados e impostos pela Troika.

Varoufakis admite que a carta era a tal ponto inaceitável, que Tsipras considerou ser impensável assiná-la e comunicá-la ao Parlamento. Varoufakis disse-lhe: « – Tens a certeza de que não podes chegar ao Parlamento, dizer do que se trata, conseguir o voto que me autorizaria a voltar a página?»

Varoufakis especifica: «Desencorajado, esgotado, Alexis voltou-se para Sagias, que tinha um ar igualmente extenuado e o aconselhou a não ir.»

Varoufakis propõe-se fazer o papel de mau da fita: « – Nesse caso, Alexis, tomo eu a responsabilidade. Assino a maldita carta sem o aval do Parlamento, envio-a aos financiadores e sigo em frente.»

Varoufakis explica que a 27 de fevereiro, de manhãzinha: «Assinei a carta e enviei-a aos credores, bastante desanimado. Era um fruto das trevas, e reconheço que me pertencia.»


A 27 de fevereiro, Varoufakis mantém Chouliarakis no seu posto

Segundo Varoufakis, na sequência do jogo duplo de Chouliarakis (que, não contente com fabricar um documento com Declan Costello da Comissão Europeia, também omitiu a transmissão a Varoufakis, a 21 de fevereiro, de uma importante mensagem proveniente do Eurogrupo) [11], Tsipras, a 26 de fevereiro, aconselha-o a desembaraçar-se dele. Varoufakis recusa. Depois, a partir do dia seguinte, Tsipras muda de posição e acomoda-se a Chouliarakis.

Retomemos brevemente o relato de Varoufakis.

Em 27 de fevereiro de 2015 Varoufakis foi ao Palácio Maximou ao fim da manhã, para explicar a Tsipras o que contava fazer com Chouliarakis: «Eu tencionava promover Chouliarakis ao posto de secretário-geral da administração fiscal, que era mais prestigioso que o de presidente do Conselho de Economistas e que estava vago e era menos perigoso em termos de nocividade» (p. 300). Sem qualquer entusiasmo, Tsipras aceitou a proposta e Varoufakis foi informar Chouliarakis.

Este recusou a proposta e não se coibiu de fazer chantagem: « – A decisão cabe-te a ti, Yánis. Mas fica sabendo que se me retiras a presidência do Conselho de Economistas, não aceitarei nem a direcção do fisco nem qualquer espécie de ligação ao Governo. Prefiro ir para o Banco da Grécia, onde Stournaras me reservou um lugar.»

Varoufakis comenta: «nem no pior dos pesadelos eu seria capaz de imaginar a resposta que ele me deu. […] Caiu-lhe a máscara. Com um cinismo e uma impudência espantosos. Pois acabava de me confessar que antes queria trabalhar directamente para a Troika do que cortar os laços privilegiados com os seus representantes no meu ministério. Mais ainda, reconhecia estar feito com o governador do Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). , que tinha desencadeado o pânico bancário para nos cortar as pernas. Fiquei chocado» (p. 301).

Varoufakis, melindrado, foi procurar Tsipras para lhe dar conta da reacção de Chouliarakis e, para seu grande espanto, Tsipras decidiu nada fazer.

Varoufakis aceitou recuo após recuo e até 6 de julho de 2015 nunca tornou públicos os seus desacordos e as suas propostas alternativas

Alexis Tsipras e Éric Toussaint em outubro de 2012 em Atenas

O comentário de Varoufakis a propósito destes episódios duma gravidade extrema mostram a sua inconsequência. Recrimina-se por não ter posto fim à teleconferência com o Eurogrupo a 24 de fevereiro, afirmando de caminho que cometeu esse erro por estar convencido de que Tsipras era capaz de adoptar no momento certo uma atitude radical face à Troika. A seguir declara que perdeu essa ilusão a 27 de fevereiro: «Se eu tivesse percebido o buraco antes da conferência de 24 de fevereiro, teria cortado com a Troika nesse mesmo dia. Se não o fiz, foi por estar convencido de que Alexis era capaz de desencadear a ruptura mais tarde e de comum acordo. Perdi essa ilusão quando o vi desculpar Chouliarakis, que ameaçava passar-se para o campo inimigo» (p. 302). Acrescenta: «Eu devia ter confrontado Alexis, acusando-o de recuar – em público, se necessário fosse.»

Mas nada fez. Como veremos, Varoufakis aceitou recuo após recuo e até 6 de julho de 2015 nunca tornou públicos os seus desacordos e as suas posições alternativas.


O meu testemunho sobre os acontecimentos de janeiro-fevereiro de 2015 e o período precedente

Nas minhas idas à Grécia travei conhecimento com dirigentes do Syriza

Como referi na parte 3 desta série, estive directamente implicado no apoio ao lançamento da iniciativa da auditoria cidadã da dívida grega desde finais de 2010. [12] Fui por oito vezes a Atenas entre 2011 e 2014, a fim de participar nas actividades sobre a problemática da dívida grega e a rejeição das políticas ditadas pela Troika. Tratava-se de desenvolver também a solidariedade internacional com a resistência do povo grego. Estudei a fundo a problemática do endividamento da Grécia e daí nasceu a publicação de uma série de artigos e entrevistas.

No decurso dessas idas à Grécia travei conhecimento com Alexis Tsipras, principal dirigente do Syriza, e com dirigentes da esquerda do Syriza, em particular Costas Ysichos, que em janeiro de 2015 veio a ser vice-ministro da Defesa, e Antonis Ntavanelos, que animava a corrente DEA no interior do Syriza (actualmente faz parte da Unidade Popular). Fiz numerosos contactos, tive discussões e colaborações estreitas com camaradas de diferentes organizações membros da coligação de extrema esquerda não parlamentar Antarsya, em particular Leonidas Vatikiotis do NAR (organização-membro do Antarsya) e Spiros Marchetos. Conhecia alguns deles desde finais dos anos 1990 e sobretudo a partir do início dos anos 2000, quando uma forte delegação grega participou na mobilização contra o G8, em julho de 2001. As relações com os camaradas gregos eram regulares no quadro do Fórum Social Europeu, que teve uma forte participação grega entre 2002 e 2006 [13], assim como nas Marchas europeias contra o desemprego. Vários dirigentes do Syriza (Tsipras, Tsakalotos, Valavani, ...) e do Antarsya (Yanis Felikis e Tassos Anastassidiadis do OKDE, Antarsya mas também dirigentes do SEK, organização ligada ao SWP britânico) eram muito activos nas redes europeias, bem como Giorgos Mitralias, que participou no arranque do Syriza e que militava também na rede das Marchas europeias. A partir de 2011, a colaboração do CADTM com Sofia Sakorafa, deputada do Syriza e ex-Pasok, também se fortaleceu; idem com George Katrougalos, jurista, ex-KKE (o PC grego), que viria a ser vice-ministro no governo de Tsipras e actualmente é secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Tive contactos regulares com Costas Lapavitsas desde finais de 2010. Costas tornou-se deputado do Syriza em janeiro de 2015. Mantive desde 2011 contactos regulares com Yanis Tolios, economista muito ligado a Panagiotis Lafazanis, pois ele estava envolvido na auditoria cidadã da dívida. Tive também uma longa conversa em outubro de 2012 com Manolis Glézos. Admirava a sua trajectória rebelde, sem falhas, desde o dia em que ele arrancou a bandeira nazi da Acrópole, a 30 de maio de 1941. Também colaborei episodicamente com o Instituto Nikos Poulantzas, ligado à corrente maioritária do Syriza, muito euro-comunista. Travei conhecimento, aquando do meu encontro com Tsipras em outubro de 2012, com John Millios, que foi um dos responsáveis económicos do Syriza até final de 2014. Em 2011-2015 conheci uma dezena de jovens, entre os 20 e os 30 anos, que se tinham mobilizado seriamente para a iniciativa da auditoria cidadã da dívida a partir de 2011. Enfim, contactei dirigentes sindicalistas gregos, na sua maioria membros do Syriza ou do Antarsya.

Fiquei com a convicção de que Tsipras queria evitar o confronto com os credores

Durante os contactos que precederam as eleições de janeiro de 2015, tornei-me muito crítico em relação à orientação adoptada por Alexis Tsipras. O momento chave foi o encontro com Tsipras em outubro de 2012, no seu gabinete no Parlamento. Desde o início da nossa conversa, que durou uma hora, dei-me conta que ele tinha realmente abandonado a orientação que seguira nas duas campanhas eleitorais de maio e junho de 2012. Na nossa conversa de outubro de 2012, na qualidade de CADTM, propus-lhe um reforço da campanha para deslegitimar os credores da dívida grega, apoiar a auditoria cidadã da dívida e apoiar-se nesses resultados quando o Syriza chegasse ao governo. Percebi logo que, quanto à dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. , ele queria adoptar uma atitude recuada em relação ao que tinha defendido em maio-junho de 2012 perante os eleitores e eleitoras gregos.

Voltei a encontrar Alexis Tsipras num pequeno grupo, pela segunda vez, em outubro de 2013, em companhia da deputada do Syriza Sofia Sakorafa, que estava muito envolvida na auditoria cidadã da dívida grega e colaborava de forma cada vez mais activa com o CADTM, ao ponto de se deslocar em outubro de 2011 ao Brasil para participar numa reunião internacional do CADTM. A conversa com Tsipras em outubro de 2013 durou um pouco mais de uma hora e reforçou a minha convicção de que ele queria evitar o confronto com os credores. Pensava ele, sem o dizer abertamente, que a orientação que ele próprio defendera em maio-junho de 2012 era demasiado radical, e portanto a posição do CADTM a fortiori era também ela demasiado radical. Achava que seria possível, com argumentos «pró-UE», convencer os credores a concederem uma considerável redução da dívida grega.

Pelo meu lado, a minha análise da Grécia e da zona euro também evoluiu. A partir do verão de 2013 fiquei convencido de que a saída da zona euro era uma opção a considerar seriamente nos países da periferia europeia, nomeadamente na Grécia. [14] Mas não abordei essa questão na discussão com Tsipras, porque o assunto do encontro era a preparação duma grande conferência europeia sobre a dívida e as alternativas às políticas neoliberais.

Era necessário que um governo do Syriza estivesse pronto a avançar com actos unilaterais e radicais

Saí da reunião de outubro de 2013 com Tsipras, com a reforçada convicção de que a orientação adoptada por Tsipras ia conduziria o povo grego ao fracasso, caso as forças radicais da Grécia, dentro e fora do Syriza, não se mobilizassem para manter o rumo anunciado em maio-junho de 2012 e preparar um plano B face ao plano A de Tsipras. E, claro está, isto dependeria do que se passasse na Grécia no seio da esquerda política e social. O factor decisivo seria a existência de uma pressão social.

Do lado da esquerda política e social, havia motivos de inquietação: a direcção do Syriza à volta de Tsipras tinha dado uma reviravolta que a levava a evitar o confronto com as autoridades europeias e com o grande capital grego, tinha abandonado a perspectiva da auditoria da dívida e da suspensão do pagamento durante a sua realização. [15] A esquerda do Syriza era pela suspensão do pagamento, sem ser favorável à auditoria. A extrema esquerda extra-parlamentar, nomeadamente o Antarsya, opunha-se na sua maioria à auditoria da dívida, por considerar que o povo já estava convencido da necessidade de repudiar/anular toda a dívida. Segundo a maioria do Antarsya, a auditoria apenas serviria para legitimar uma dívida que era ilegítima. O KKE tratava os partidários da auditoria como agentes do imperialismo. Os anarquistas não manifestavam qualquer interesse pela auditoria da dívida.

Aquando de duas conferências europeias efectuadas em Bruxelas e para as quais Tsipras, Tsakalotos, Millios e eu fomos convidados em março e abril de 2014, defendi a necessidade de um plano B. Além disso declarei em outubro de 2014, num importante órgão de comunicação de Atenas, O Jornal dos Redactores, próximo do Syriza [16], que as propostas do Syriza tinham pela frente a oposição da União Europeia e que era preciso que um governo Syriza estivesse preparado avançar com para acções unilaterais e radicais. Veja-se um excerto dessa entrevista no quadro junto.

Entrevista com Éric Toussaint realizada por Tassos Tsakiroglou (jornalista do jornal grego O Jornal dos Redactores)


Alexis Tsipras faz apelo a uma conferência internacional pela anulação da dívida dos países do Sul da Europa atacados pela crise, semelhante à que foi realizada para a Alemanha em 1953 e na sequência da qual 22 países, entre os quais a Grécia, anularam uma parte da dívida alemã. Essa perspectiva será realista nos dias que correm?


É uma proposta legítima. É claro que a Grécia não provocou nenhum conflito na Europa, ao contrário do que foi provocado pela Alemanha nazi. Os cidadãos da Grécia têm um argumento muito forte para dizerem que uma grande parte da dívida grega é ilegal ou ilegítima e deve ser suprimida, à semelhança da dívida alemã anulada em 1953. [17] Contudo, não penso que o Syriza e outras forças políticas na Europa consigam convencer as instituições da UE e os governos dos países mais poderosos a sentarem-se à mesa, a fim de reproduzirem o que foi feito com a dívida alemã em 1953. Trata-se portanto de uma exigência legítima e eu apoiei nesse sentido a candidatura de Tsipras para a presidência da Comissão europeia [18], mas ninguém conseguirá convencer os governos das principais economias europeias e as instituições da UE a fazê-lo. Eis o meu conselho: a última década mostrou que é possível chegar a soluções justas aplicando actos soberanos unilaterais. É preciso desobedecer aos credores que reclamam o pagamento da dívida ilegítima e impõem políticas que violam os direitos humanos fundamentais, os quais incluem os direitos económicos e políticos das populações. Penso que a Grécia tem argumentos sólidos para agir e para formar um governo que seria apoiado pelos cidadãos e que exploraria as possibilidades nesse sentido. Esse governo popular e de esquerda poderia organizar uma comissão de auditoria da dívida com ampla participação cidadã, o que permitira determinar que parte da dívida é ilegal e odiosa, suspender unilateralmente os pagamentos e repudiar de seguida a parte identificada como ilegítima, odiosa ou ilegal.


Na Grécia o Syriza está à cabeça das sondagens e vários dos seus dirigentes afirmam que a negociação da dívida será efectuada no quadro da zona euro e que não resultará duma acção Acção Valor mobiliário emitido por uma sociedade em parcelas. Este título representa uma fracção do capital social. Dá ao titular (o accionista) o direito, designadamente, de receber uma parte dos lucros distribuídos (os dividendos) e participar nas assembleias gerais. unilateral. Que tem a dizer a este respeito?


Sim, conheço a posição oficial do Syriza. Pessoalmente procuro mostrar que é possível aplicar outro tipo de política, pois é evidente que a maior parte dos governos da zona euro e o BCE não aceitarão fazer uma redução significativa da dívida grega. Assim, apesar da vontade expressa pelo Syriza de negociar, penso que é impossível convencer o conjunto desses actores. Para isso acontecer seria necessário ser mais radical, não existe outra possibilidade. Trata-se de ser radical, tal como aconteceu na Islândia e no Equador em 2007-2009 ou na Argentina entre 2001 e 2005.

Depois disso esses governos cometeram uma série de erros e abandonaram a posição radical que os seus países tinham adoptado, e por isso se encontram actualmente em dificuldades, como no caso da Argentina. (…)


Disse que é necessário fazer uma redução drástica da dívida pública, mas que isso não é suficiente para que os países da UE saiam da crise; seria necessário aplicar outras medidas de vulto em diversos sectores. Que medidas seriam essas, resumidamente?


Antes de mais, é preciso nacionalizar – prefiro o termo socializar – os bancos. Penso que os bancos na Grécia e noutros países deveriam ser transferidos para o sector público e funcionar no estrito respeito pelas regras e interesses estabelecidos pelo povo. Por outro lado, há que controlar os movimentos de capitais, sobretudo as transferências avultadas realizadas pelas grandes instituições financeiras. Não estou a falar de transferências de 1000 ou 2000 euros, mas sim de transferências mais avultadas, que ficariam dependentes da aprovação prévia das autoridades de controlo, sob pena de pesadas multas e da cessação da licença bancária dos bancos que contornassem esse controlo. Este seria efectuado tendo em vista bons fins: tratar-se-ia de proteger os simples cidadãos, que poderiam continuar a efectuar transferências bancárias internacionais dentro de limites razoáveis. Além disso é preciso fazer uma reforma fiscal radical: diminuir fortemente os impostos e taxas pagos pela maioria da população e aumentar progressivamente as taxas e impostos cobradas aos mais ricos e às grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras.


E a Grécia?


Há que fazer o que dizia o Syriza nas eleições de 2012. Se o Syriza formar governo, é preciso abolir as leis injustas que foram impostas pela Troika (nomeadamente as que destruíram a negociação dos contratos colectivos e a negociação entre os empregadores e os trabalhadores). As outras medidas necessárias são as seguintes: a aplicação de uma reforma fiscal radical favorável à justiça social e à redistribuição da riqueza, a anulação de uma parte das taxas impostas aos pobres e a taxação dos mais ricos, a realização de uma auditoria e a suspensão do pagamento da dívida, para de seguida repudiar a parte identificada como ilegítima, odiosa, insustentável ou ilegal; a socialização dos bancos e a aplicação do controlo dos movimentos de capitais.

Ver a versão original em grego publicada a 20 de outubro de 2014.

Quando as eleições antecipadas foram convocadas, em finais de dezembro de 2014, para 15 de janeiro, o CADTM publicou um comunicado de imprensa que avaliava com justeza as ameaças que as autoridades europeias faziam impender sobre o povo grego: «O CADTM não tem a mínima dúvida sobre as verdadeiras intenções de quem fez da Grécia o laboratório europeu das suas políticas neoliberais mais extremas e dos Gregos verdadeiras cobaias da sua terapia económica, social e política de choque. É de esperar uma escalada ofensiva, pois essas entidades não podem admitir que o Syriza tenha êxito e produza émulos na Europa! Irão utilizar todos os meios de que dispõem, pois estão bem conscientes de que o que está em jogo nas próximas eleições gregas é o sucesso ou o fracasso da guerra social que lançaram contra a esmagadora maioria das populações de toda a Europa! A importância do que está em jogo leva-nos a esperar que “os que mandam” na Europa e na Grécia não respeitem o veredicto das urnas, que deve coroar, pela primeira vez na história, a vitória da esquerda grega. Sem dúvida alguma, tentarão asfixiar o governo de esquerda saído das urnas, porque o seu eventual sucesso seria seguramente interpretado como um formidável encorajamento à resistência dos trabalhadores e dos povos da Europa.» [19]

A partir de 2 de janeiro de 2015 fui contactado por Georges Caravelis, que se apresentou como emissário da direcção do Syriza e que desejava conhecer as minhas propostas quanto à dívida grega. Imediatamente entrei em contacto com Nikos Chountis, eurodeputado do Syriza, que me confirmou que efectivamente Caravelis tinha por missão recolher a minha opinião. Tivemos várias conversas e Caravelis ficou convencido da necessidade de avançar com uma comissão de auditoria da dívida o mais depressa possível após a eleição e a tomada de posse de um governo do Syriza. Com base nas nossas conversas, Caravelis fez-me chegar as notas que tinha enviado à direcção do Syriza por intermédio de Chountis. Não obtive resposta da direcção do Syriza antes das eleições.

Quatro dias antes das eleições de 25 de janeiro de 2015, publiquei a minha opinião nos jornais Le Monde e Le Soir, que são periódicos de referência em Paris e em Bruxelas. O artigo intitulava-se «Por uma verdadeira auditoria da dívida grega».

O Syriza podia levar à letra a UE e instituir uma comissão de auditoria da dívida

Aí se colocava a seguinte questão: «Mas o que sucederá se o Syriza, após constituir governo, decidir levar à letra o artigo 7 do regulamento aprovado em maio de 2013 pela União Europeia, que prevê que “Os Estados-Membros sujeitos a programas de ajustamento macroeconómico devem realizar uma auditoria exaustiva às suas finanças públicas, a fim de, designadamente, avaliar os motivos que levaram à acumulação de níveis excessivos de dívida e [detectar] eventuais irregularidades”? (Regulamento UE 472/2013, de 21/maio/2013, “relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros da área do euro”). O actual governo grego de Antonis Samaras escusou-se a aplicar esta disposição do regulamento. Mas na sequência de uma vitória eleitoral, o Syriza poderia pegar nas palavras da União Europeia e instituir uma comissão de auditoria da dívida (com participação cidadã) encarregada de analisar o processo de endividamento excessivo e identificar as dívidas ilegais, ilegítimas, odiosas …».

Mais adiante nesse artigo eu explicava que a dívida reclamada à Grécia poderia ser identificada como ilegítima e odiosa. Este artigo de opinião visava ao mesmo tempo contribuir modestamente para convencer a opinião pública do carácter ilegítimo das dívidas reclamadas à Grécia e mostrar às futuras autoridades da Grécia que elas podiam voltar contra a Comissão Europeia o disposto num desses regulamentos que denunciamos.

George Katrougalos

Esta opinião foi reproduzida em Atenas pelo periódico conservador Kathimerini, que colocava a seguinte questão: O que fará um governo do Syriza? Durante a campanha eleitoral, dei uma conferência em Bruxelas, de apoio ao povo grego, na companhia de Manolis Glézos, euro-deputado do Syriza. Participei também em debates, nomeadamente com Frédéric Lordon e Serge Halimi.

Após a vitória eleitoral do Syriza em 25 de janeiro e a formação do governo em 27 de janeiro, vim a descobrir que vários dos meus conhecimentos se tinham tornado membros do governo Syriza-ANEL.

Dirigi-me a Atenas a 13 de fevereiro de 2015, depois de ter participado em diversas conferências na Europa, em apoio ao povo grego, assim como em debates polémicos como o que foi difundido pela France 2, a 30 de janeiro de 2015, durante o qual mantive discussões acaloradas com personalidades de direita, entre as quais o jornalista Arnaud Leparmentier, do jornal Le Monde.

Lembras-te que Varoufakis recusou em 2011 apoiar a auditoria cidadã da dívida?

A 13 de fevereiro reuni-me com George Katrougalos, com o qual o CADTM tinha desenvolvido uma colaboração desde que ele, em 2011, se tinha envolvido, na sua qualidade de jurista, no combate pela suspensão do pagamento da dívida grega e sua auditoria. Katrougalos, depois de ter sido eleito deputado europeu do Syriza em maio de 2014, tornou-se vice-ministro das reformas institucionais. Disse-lhe que esperava que ele ajudasse a pôr de pé uma comissão de auditoria e a adopção de uma atitude firme sobre a questão do não pagamento da dívida. Respondeu-me que seguiria Tsipras de forma disciplinada. Isto não augurava nada de bom. No dia seguinte eu tinha um encontro marcado no Ministério das Finanças com Nadia Valavani, vice-ministra das Finanças. Varoufakis estava ausente, por causa das negociações em Bruxelas. Mal nos vimos, ela relembrou-me de forma calorosa que já tínhamos estado juntos no lançamento da auditoria cidadã da dívida em 2011 e acrescentou: «Lembras-te que Varoufakis recusou em 2011 apoiar a auditoria cidadã da dívida?» Acrescentou que não confiava nele em termos de orientação política. A seguir explicou-me o plano que pretendia activar, a fim de encontrar uma solução favorável para os dois milhões de contribuintes gregos que tinham dívidas fiscais inferiores a 2000 euros. Queria também tomar medidas para atacar os ricos que defraudavam o fisco. A 15 de fevereiro tive uma reunião com Rania Antonopoulos, que me tinha contactado por volta de 23 de janeiro por email, para me dizer que estava de acordo com o conteúdo do meu artigo de opinião no Le Monde no que dizia respeito à dívida da Grécia e à necessidade duma auditoria. Entretanto ela tinha sido nomeada vice-ministra encarregada da luta pela criação de 300 000 postos de trabalho. Explicou-me o combate que tencionava travar de modo a pôr fim a uma política que acusava os desempregados de serem responsáveis pela sua própria situação. A 15 de fevereiro participei numa manifestação na Praça Syntagma de protesto contra o Eurogrupo e de apoio aos compromissos do governo de Tsipras. 20 000 manifestantes exprimiram a sua esperança de ver as coisas mudar.

A presidente do Parlamento grego queria iniciar uma auditoria da dívida

Na segunda-feira, 16 de fevereiro, fui recebido pela presidente do Parlamento grego, Zoe Konstantopoulou. A reunião foi muito positiva. A presidente afirmou que desejava favorecer um trabalho de auditoria da dívida grega, a fim de identificar as dívidas ilegítimas, ilegais, odiosas … Decidiu tornar pública esta reunião. A informação foi transmitida por numerosos sites. [20] Ver quadro junto sobre o testemunho de Zoe Konstantopoulou a propósito da nossa colaboração para se constituir uma comissão de auditoria da dívida.

Ao início da noite encontrei-me durante uma hora com o vice-ministro da Defesa, Costas Ysichos. Discutimos as negociações em curso ao nível europeu e a questão da dívida. Costas Ysichos era o dirigente da Plataforma de Esquerda do Syriza mais próximo das posições do CADTM: combinar a auditoria da dívida com um acto unilateral de suspensão do pagamento.

A 17 de fevereiro, após o eco dado por Zoe Konstantopoulou ao nosso encontro, Nikos Chountis, vice-ministro das relações com as instituições europeias, disse que gostava de se encontrar comigo. Enquanto membro da esquerda do Syriza, manifestou-me a sua simpatia pelas propostas do CADTM, mas enquanto membro do Governo disse-me que a orientação de Tsipras era diferente. Perguntou-me se eu estaria disposto a colaborar com o Governo, caso este viesse a tomar uma orientação mais radical quanto à dívida. Recorde-se que os contactos que eu tivera com Caravelis desde 2 de janeiro de 2015 tinham sido solicitados por Nikos Chountis, mas não deram resultados positivos.

Testemunho de Zoé Konstantopoulou sobre a colaboração para a constituição da comissão de auditoria

A minha memória de Éric Toussaint, embora nunca o tivesse conhecido pessoalmente, era muito marcante e remontava ao grande festival da juventude do Syriza, em outubro de 2012, quando o partido já se tinha tornado o principal partido da oposição e o futuro se abria diante dele. Éric pronunciou um discurso inflamado e foi posto nas nuvens.

Ele próprio não se recorda disso, como me revelou mais tarde, pois estava particularmente abatido: tinha constatado, nesse mesmo dia, que Tsipras começava já a fazer marcha atrás sobre as suas promessas respeitantes à auditoria e à anulação da dívida, coisa que a maioria de nós, aqueles que não participaram na traição que se avizinhava, levámos muito tempo a perceber, desgraçadamente.

No meu discurso de abertura como presidente do Parlamento, a 6 de fevereiro de 2015, imediatamente após a minha eleição, anunciei que o Parlamento iria contribuir activamente para a auditoria e anulação da dívida.

Na primeira reunião do grupo parlamentar após essa sessão, o deputado dos ecologistas perguntou, muito angustiado, se «era permitido dizer tais coisas em plena negociação, quando o primeiro-ministro e o ministro das Finanças nunca usam esses termos». Respondi-lhe que era esse o programa com base no qual tínhamos sido eleitos e que devíamos não somente dizê-lo, mas também fazê-lo. Ninguém ousou contradizer-me. No entanto era já claro que o próprio Governo não tomaria qualquer iniciativa a favor da auditoria ou da anulação da dívida e que o grupo parlamentar se encontrava impotente face ao desenrolar dos acontecimentos.

Tornou-se rapidamente evidente que esta iniciativa tinha de se apoiar em pessoas com os conhecimentos necessários e com experiência no domínio da auditoria da dívida e da rejeição das dívidas odiosas e ilegais. Éric Toussaint era obviamente a figura emblemática dessa luta, defendendo com fervor, nas suas intervenções públicas e nas suas visitas à Grécia, que a dívida devia ser auditada e que, na medida em que se revelasse odiosa, ilegal, ilegítima ou inviável, devia ser anulada. Uma posição perfeitamente sintonizada com o direito internacional, a protecção internacional dos direitos humanos e o direito humanitário internacional.

O nosso primeiro encontro de 16 de fevereiro não durou muito tempo. Eu sabia da sua preciosa experiência e da sua contribuição para a auditoria da dívida, nomeadamente a sua participação na Comissão de Auditoria da Dívida do Equador. Era evidente para mim que se tratava duma pessoa que, desde há décadas, tinha contribuído desinteressadamente para revelar o mecanismo de submissão dos povos por intermédio da dívida e na luta pela libertação dos povos e dos cidadãos do jugo da dívida ilegítima. Queria que ele me falasse da sua experiência e tudo o que ele me disse foi de facto particularmente esclarecedor.

Perguntei-lhe então se estava disposto a avançar com a auditoria da dívida grega por conta do Parlamento helénico e se poderia permanecer na Grécia de forma a que pudéssemos voltar a encontrar-nos daí a uma semana para discutirmos as modalidades dessa auditoria. Respondeu-me afirmativamente a ambas as questões. Pedi que fosse imediatamente publicado um comunicado de imprensa do Parlamento sobre o meu encontro com Éric Toussaint, a fim de espalhar a mensagem: estávamos a avançar na realização dos nossos compromissos.

Os dias seguintes foram densos e dramáticos. Eleição do presidente de República, a 18 de fevereiro de 2015. Comunicação do acordo de 20 de fevereiro de 2015. Ao tomar conhecimento, através da comunicação social, do acordo de 20 de fevereiro, senti a terra fugir-me debaixo dos pés: continha o reconhecimento da dívida e prometia o seu reembolso! Pedi imediatamente um encontro com Tsipras. Vi-o no dia seguinte, 21 de fevereiro, no seu gabinete no Parlamento, imediatamente a seguir à reunião do Conselho. Flambouraris aguardava à porta, entrando e saindo constantemente e apressando a partida deles para Egina.

Disse a Tsipras que aquele acordo era um memorando e que nos devíamos desligar dele o mais depressa possível. Que era preciso revogar a formulação da dívida, através de comunicações oficiais de todos os actores. Que era preciso seguir uma estratégia precisa. Realizar uma auditoria da dívida. Agir em relação às dívidas alemãs à Grécia derivadas da invasão e da ocupação nazi durante a II Guerra Mundial. Abrir o processo da Siemens e de todos os casos de corrupção. Tsipras esforçou-se por me convencer que o acordo não era um memorando. Afirmava que o reconhecimento da dívida apenas dizia respeito aos pagamentos que seriam efectuados nos quatro meses seguintes e, ao mesmo tempo, assentia com embaraço às minhas sugestões.

Eu estava presente quando ele explicou a Pablo Iglesias, dirigente do Podemos, que «aquilo que obtivemos não é branco, nem negro, é cinzento».

Saí daquele encontro depois de anunciar a Tsipras que ia lançar imediatamente a auditoria da dívida no Parlamento e constituir a Comissão para as dívidas alemãs, após ter obtido o seu consentimento.

Dias mais tarde voltei a encontrar-me com Éric. Estava taciturno e preocupado.

Comecei a falar-lhe da comissão que era preciso construir para realizar a auditoria da dívida. Disse-lhe que estava a pensar montar uma comissão nos termos de um regulamento especial do Parlamento que permitia à presidência da Assembleia constituir comissões compostas por pessoas extraparlamentares, desde que o seu objecto dissesse respeito a assuntos que não bulissem com os assuntos correntes do Parlamento. Expliquei-lhe que via essa comissão como uma comissão internacional e nacional, composta por peritos e cidadãos, cujo mandato consistiria claramente em decifrar as condições nas quais a dívida pública grega tinha sido criada e insuflada e elaborar o argumentário que permitiria denunciar todas as partes da dívida consideradas ilegais, odiosas e impossíveis de reembolsar. Ele concordou, mas manteve-se reservado.

«Estou a ver que alguma coisa te preocupa. Gostava que falássemos com franqueza», disse-lhe eu.

«Zoé, estou muito angustiado. Qual é a tua posição em relação ao acordo de 20 de fevereiro?»

«Éric, acho que esse acordo é um verdadeiro insulto. Disse-o ao primeiro-ministro e informei-o sobre a minha intenção de avançar com as iniciativas necessárias para desfazer esse acordo, e ele deu-me o seu consentimento. A comissão de auditoria da dívida, cuja coordenação científica proponho que fique a teu cargo, é uma iniciativa crucial nesse sentido.»

Ele continuou a olhar para mim com um ar perscrutador.

«Quanto ao que te preocupa, pelo que consigo entender, eis o que tenho a dizer-te: avisei formalmente o primeiro-ministro de que não devia apresentar aquele acordo ao Parlamento.» Repeti o mesmo na reunião do grupo parlamentar, nos dias seguintes. Aquando da votação havida dentro do grupo, a 25 de fevereiro, votei NÃO ao texto do acordo, o que gerou uma polvorosa e fez de mim um alvo a abater. «O que tenho a dizer-te é que se, apesar de tudo, este acordo for apresentado ao Parlamento, eu não voto nele.»

A expressão dele iluminou-se, pareceu-me aliviado. Vi que continuava preocupado com a situação geral, mas era importante para ele saber que podia contar com o nosso acordo. Muito mais tarde, confirmou-me que aquele foi um momento determinante, pois compreendeu que a pessoa que lhe pedia para se empenhar e se envolver naquela luta frontal contra os mecanismos de submissão estava determinada a levar até às últimas consequências o que dizia.

E foi assim que tudo começou.

«Gostava que assumisses o cargo de coordenador científico da Comissão e que dissesses o que esperas de mim», disse-lhe eu.

«Tu é que deves presidir à Comissão e aos seus trabalhos, para garantir que tudo decorrerá sem obstáculos», respondeu ele.

E assim nasceu a primeira e única comissão institucional de auditoria da dívida em solo europeu, até aos dias de hoje.

Sem mais.

Por pessoas de palavra.

Fonte: Zoé Konstantopoulou, «Grecia : la lucha contra la deuda odiosa e ilegítima»
Alexis Tsipras, Éric Toussaint e Zoe Konstantopoulou no Parlamento grego, no lançamento da comissão para a verdade sobre a dívida grega


Conclusão

Devia ter sido aplicada uma orientação muito diferente da que foi adoptada por Varoufakis e Tsipras

Varoufakis apresenta de modo muito deformado os debates que tiveram lugar ao nível das autoridades públicas da Grécia e do Syriza em fevereiro de 2015. Restringe os debates sobre as opções a tomar ao que se passava dentro do reduzido círculo que rodeava Tsipras, do qual ele fazia parte. Apresenta de forma caricatural a oposição às escolhas feitas por esse círculo restrito e fala num «punhado de deputados do Syriza [que] continuavam a resmungar», quando a oposição no interior do grupo parlamentar do Syriza e no seio do Governo representava cerca de um terço. Dentro do comité central essa tendência tinha 41 % dos membros. Além disso, como Tsipras e ele apresentavam de maneira distorcida as concessões que tinham feito, uma parte dos deputados e ministros, ainda que tivessem dúvidas, apoiavam a orientação seguida com entusiasmo e com a esperança de que Tsipras, que beneficiava totalmente da sua confiança, conduziria o Governo e a negociação a bom porto.

Defendo, e não sou só eu, ontem como hoje, que Varoufakis, Tsipras e o pequeno reduto à volta de Tsipras deveriam ter posto em prática uma orientação muito diferente da que adoptaram. Para aplicar o programa de Tessalónica, o governo de Tsipras deveria ter tomado as seguintes iniciativas e medidas:
Era preciso lançar a auditoria com participação cidadã e suspender o pagamento da dívida, a começar pela dívida ao FMI
- tornar públicas as 5 ou 10 prioridades do Governo na negociação, nomeadamente em matéria de dívidas, denunciando muito claramente o carácter ilegítimo da dívida reclamada pela Troika;
- estabelecer contacto com os movimentos sociais, incentivar, fosse o Governo ou fosse o Syriza, a criação de comités de solidariedade no máximo de países, paralelamente à negociação com os credores, a fim de gerar um vasto movimento de solidariedade;
- recusar a diplomacia secreta;
- desenvolver canais internacionais de comunicação para derrubar a barragem dos meios de comunicação social dominantes;
- utilizar o disposto no Regulamento europeu 472, sobre a auditoria da dívida [21], lançar a auditoria com participação cidadã e suspender o pagamento da dívida, a começar pela dívida ao FMI. Recordemos que Tsipras, na sua apresentação do programa de Tessalónica, declarou: «Pedimos o recurso imediato ao veredicto popular e um mandato de negociação que vise a anulação da maior parte da dívida nominal, para assegurar a sua viabilidade. O que foi feito para benefício da Alemanha em 1953 [22] tem de ser feito pela Grécia em 2014. Nós reivindicamos:

  • - uma “cláusula de crescimento” para reembolsar a dívida;
  • - uma moratória – suspensão dos pagamentos – a fim de preservar o crescimento;
  • - a independência dos programas de investimento públicos face às limitações impostas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento» [23] ;

- pôr fim ao memorando, conforme a promessa feita ao povo grego nas eleições de 25 de janeiro. Recordemos que Tsipras tinha declarado: «Comprometemo-nos perante o povo grego a substituir, logo nos primeiros dias de governo – e independentemente dos resultados esperados da nossa negociação –, o Memorando por um Plano Nacional de Reconstrução» [24] ;
- estabelecer um controlo de movimentos de capitais;
- aprovar uma lei sobre os bancos, para os colocar sob controlo dos poderes públicos. Tsipras tinha anunciado a 13 de setembro de 2014 em Tessalónica: «Com o Syriza no governo, o sector público volta a tomar o controlo do Fundo Helénico de Estabilidade Financeira (FHSF, em inglês HFSF) e a exercer todos os seus direitos sobre os bancos recapitalizados» [25] ;
- aprovar uma lei de anulação das dívidas privadas ao Estado, por exemplo para dívidas inferiores a 3000 euros. Esta medida teria melhorado duma assentada só a situação de 3,3 milhões de contribuintes (dos quais 357 000 PME [pequenas e médias empresas]) que deviam menos de 3000 € (incluindo os juros e coimas) [26] ;
- reduzir radicalmente o IVA para os bens e serviços de primeira necessidade;
- anular os cortes nas pensões e no salário mínimo legal;
- pôr em acção o plano de urgência contra a crise humanitária previsto no programa de Tessalónica;
- instituir um sistema de pagamentos paralelo ou complementar;
- substituir Stournaras, que estava à cabeça do Banco Central, por uma pessoa competente e de confiança;
- prevenir-se contra as novas represálias das autoridades europeias e por conseguinte preparar uma possível saída da zona euro.


Agradecimentos: Agradeço a leitura atenta de Alexis Cukier, Marie-Laure Coulmin-Koutsaftis, Nathan Legrand, Stathis Kouvelakis, Brigitte Ponet e Patrick Saurin. O autor é inteiramente responsável pelos eventuais erros contidos neste trabalho.

O significado do acordo de 20 de fevereiro e a acção de Varoufakis foram objecto de diálogo em 2016, no blog de Médiapart, entre Yanis Varoufakis, Alexis Cukier e Patrick Saurin:
- Yanis Varoufakis, «La Gauche Européenne après le Brexit», publicado a 5/09/2016
- Alexis Cukier, Patrick Saurin, «Désobéir à l’Union européenne : questions à Yanis Varoufakis», publicado a 22/09/2016
- Alexis Cukier, Patrick Saurin, «Réponse à l’analyse de Varoufakis sur le bilan du premier gouvernement Syriza», publicado a 3/12/2016


Traduzido por Rui Viana Pereira


Parte 1: As propostas de Varoufakis que levaram à derrota
Parte 2: O discutível relato de Varoufakis sobre as origens da crise grega e as suas espantosas relações com a classe política
Parte 3: Como Tsipras, com a ajuda de Varoufakis, virou costas ao programa do Syriza
Parte 4: Varoufakis rodeou-se de conselheiros paladinos da ordem dominante
Parte 5: Logo à partida: Varoufakis-Tsipras adoptam uma orientação votada ao fracasso
Parte 6: Varoufakis-Tsipras rumo ao acordo funesto com o Eurogrupo de 20 fevereiro 2015
Parte 7: A primeira capitulação, fins de fevereiro 2015
Parte 8: As negociações secretas e as esperanças perdidas de Varoufakis com a China, Obama e o FMI


Notas

[1Os três primeiros parágrafos desta parte replicam a introdução do artigo precedente.

[2Y. Varoufakis, Conversations entre adultes. Dans les coulisses secrètes de l’Europe, Les Liens Qui Libèrent, Paris, 2017, cap. 10, p. 282.

[3Glezos: «Je demande au Peuple Grec de me pardonner d’avoir contribué à cette illusion», 22/02/2015.

[4Ver o texto completo desta carta.

[5Ver também Zero Hedge, «The Reason Why The Eurogroup Rushed To Approve The Greek Reform Package?», publicado em 24/02/2015.

[6Nadia Valavani, membro da esquerda do Syriza, foi vice-ministra de Varoufakis e opôs-se às concessões feitas à Troika a propósito das dívidas fiscais. Não estava disposta a modificar em sentido restritivo o seu projecto de lei para regulamentar as penhoras por dívidas ao Estado restrições que incluíam, nomeadamente, a supressão das medidas de anulação duma parte das dívidas inicialmente previstas.

[7Dora Antoniou, «L’accord provoque des remous dans Syriza», 25/02/2015 http://www.kathimerini.gr/804911/article/epikairothta/politikh/h-symfwnia-prokalei-kradasmoys-ston-syriza. Quanto às críticas de Nadia Valavani e ao endurecimento do projecto de regulamentação das penhoras por dívida, ver «Κούρεμα στη ρύθμιση των 100 δόσεων» («Haircut au projet de loi sur les 100 mensualités»), 25/02/2015, http://www.kathimerini.gr/804896/article/oikonomia/ellhnikh-oikonomia/koyrema-sth-ry8mish-twn-100-dosewn

[8Recorde-se que Varoufakis afirma no seu livro que tinha obtido o acordo do gabinete de guerra para assinalar três coisas à Troika: à primeira tentativa de estrangulamento por corte da liquidez, o Governo responderia com a recusa de honrar os reembolsos devidos ao FMI; à menor veleidade de encerrar o Governo no Memorando e recusar-lhe a reestruturação da dívida, este responderia com a interrupção das negociações; à ameaça de encerramento dos bancos e de controlo dos capitais, o Governo responderia com o corte unilateral dos títulos detidos pelo BCE desde 2010-2012 e a instituição de um sistema de pagamentos paralelo. O problema é que esta ameaça nunca foi comunicada à Troika. Também nunca foi tornada pública. Varoufakis reconhece-o. Quanto à passagem à prática, como se verá de seguida, Tsipras e a maioria do gabinete opuseram-se claramente e Varoufakis aceitou esta decisão até à capitulação final de julho de 2015. Tudo se passou no segredo de um comité muito restrito e o resto do governo nunca foi informado, nem a direcção do Syriza. A população grega foi mantida totalmente à margem.

[9Esta história do «punhado de deputados que resmungam» é a versão oficial que certos meios de comunicação (nomeadamente o To Vima, mas não o Kathimerini) tinham divulgado. No entanto todos notaram que a reunião se desenrolou em «ambiente tenso».

[10No fim da reunião foi feita uma votação indicativa, de braço levantado, a horas já muito adiantadas. Nessa altura estavam presentes na sala cerca de 120 deputados e cerca de 40 votaram «contra» ou votaram «branco», o que na Grécia é muito próximo do voto «contra». Os seis ministros em questão votaram «branco».

Ver o resumo dessa reunião, publicado a 26 de fevereiro de 2015 no sítio grego de imprensa alternativa ThePressProject, num artigo redigido por Vasiliki Siouti: «Parece que o governo Syriza teve dificuldade em obter apoio ao acordo assinado entre Varoufakis e o Eurogrupo. Numa reunião do grupo parlamentar que durou doze horas, dia 25 de fevereiro, os deputados criticaram o acordo assinado entre o Governo grego e o Eurogrupo. A reunião terminou com um voto consultivo sobre a aprovação ou não do acordo. Panagiotis Lafazanis, dirigente da Plataforma de Esquerda e ministro da Reconstrução Produtiva, do Ambiente e da Energia, pediu que os votos ficassem registados, mas o pedido foi recusado. Seja como for, quando cerca de 30 deputados já tinham deixado a sala no momento da votação, um terço votou contra ou em branco. Todos os deputados da Plataforma de Esquerda, assim como vários outros – Zoe Konstantopoulou, presidente do Parlamento, Nina Kasimati, e outros – votaram contra ou branco. Os ministros Panagiotis Lafazanis, Nikos Chountis, Dimitris Stratoulis, Costas Isichos, Nadia Valavani e Thodoris Dritsas votaram branco. Entre os parlamentares que votaram branco, vários exprimiram a sua desaprovação em relação às manobras de Varoufakis. Para fundamentarem uma opinião, os deputados basearam-se principalmente nas informações transmitidas por Varoufakis e pelo primeiro-ministro Tsipras, não tendo sido informados exaustivamente do que fora acordado com o Eurogrupo.» A tradução para inglês deste artigo, que vale a pena ler na íntegra, foi publicada a 28/02/2015 no site www.newleftproject.org

[11Os pormenores do segundo casus belli com Chouliarakis são expostos por Varoufakis no cap. 10, p. 294-295. Segundo Varoufakis, Tsipras declarou-lhe a propósito de Chouliarakis : « Vire-le illico ! » (p. 296).

[12Para um balanço do trabalho do CADTM em relação à Grécia, ver Éric Toussaint, « L’action du CADTM en solidarité avec le peuple grec (2009 – 2016) ».

[13Em maio de 2006 decorreu em Atenas a última grande reunião do Fórum Social Europeu. Dezenas de milhares de militantes vindos de toda a Europa aí estiveram presentes. O FSE decaiu fortemente depois disso, por razões completamente alheias ao que se passava na Grécia.

[14Ver Éric Toussaint, «Une alternative pour la Grèce».

[15Expliquei a génese da auditoria cidadã na Grécia na parte 3. Nessa parte expliquei também que essa iniciativa, que começou em 2011, influenciou fortemente o programa do Syriza de 2012, nomeadamente graças ao eco que a reivindicação da auditoria, combinada com a suspensão do pagamento da dívida e a exigência da anulação da maior parte da dívida, obteve na população grega por alturas do movimento de ocupação das praças em junho-julho de 2011.

[18Em 2014, quando foi nomeado o novo presidente da Comissão Europeia, o grupo parlamentar da esquerda unitária tinha apresentado a candidatura de Alexis Tsipras contra a de Jean-Claude Juncker (apoiado pelo Partido Popular Europeu e pelo grupo socialista europeu) e a de um candidato liberal.

[20Συνάντηση Κωνσταντοπούλου με ειδικό περί της διαγραφής χρεών κρατώνΠολιτική | ΓενικάΜε τον Eric Toussaint συναντήθηκε η πρόεδρος της βουλής. Ο κ. Toussaint έχει μακρά εμπειρία σε ζητήματα επονείδιστου και παράνομου χρέους. Fonte: http://agonaskritis.gr/%CF%83%CF%85%CE%BD%CE%AC%CE%BD%CF%84%CE%B7%CF%83%CE%B7-%CF%84%CE%B7%CF%82-%CE%B6%CF%89%CE%AE%CF%82-%CE%BA%CF%89%CE%BD%CF%83%CF%84%CE%B1%CE%BD%CF%84%CE%BF%CF%80%CE%BF%CF%8D%CE%BB%CE%BF%CF%85-%CE%BC/

[21O artigo 7, ponto 9, do Regulamento aprovado pela União Europeia, prevê que «Os Estados-Membros sujeitos a programas de ajustamento macroeconómico devem realizar uma auditoria exaustiva às suas finanças públicas, a fim de, designadamente, avaliar os motivos que levaram à acumulação de níveis excessivos de dívida e detetar eventuais irregularidades» (Regulamento (UE) N.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, «relativo ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros da área do euro afetados ou ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira»).

[22Na Conferência de Londres, de 27/02/1953, a República Federal Alemã conseguiu, com o consentimento de 21 dos seus credores (entre os quais os EUA, a Grã-Bretanha, a França, a Itália, a Suíça, a Bélgica, a Grécia, etc.), uma redução de 62,6 % da sua dívida. Ver: Éric Toussaint, «A anulação da dívida alemã em 1953 versus o tratamento reservado ao Terceiro Mundo e à Grécia».

[23Excertos do programa de Tessalónica, apresentado por Alexis Tsipras em setembro de 2014 (13/09/2014).

[24Excertos do programa de Tessalónica, apresentado por Alexis Tsipras em setembro de 2014 (13/09/2014).

[25Op. cit.

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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