18 de Maio de 2013 por Eric Toussaint
Belém 2009
No preâmbulo da carta política do CADTM, aprovada em Belém (Brasil), em Janeiro de 2009, escrevíamos: «Em 1989, o “Apelo da Bastilha” [1] é lançado em Paris: convida todas as forças populares do mundo a unirem-se pela anulação imediata e incondicional da dívida dos países ditos “em desenvolvimento”. Essa dívida esmagadora, bem como as reformas macroeconómicas neoliberais impostas ao Sul, a partir da crise da dívida de 1982, provocaram a multiplicação das desigualdades, uma pobreza em massa, injustiças gritantes e a destruição do meio ambiente. Foi para responder a esse apelo, e para lutar contra a degradação geral das condições de vida da maioria dos povos, que o CADTM foi criado em 1990. Atualmente o CADTM Internacional é uma rede composta por uma trintena de organizações ativas em mais de 25 países espalhados por quatro continentes. O seu principal trabalho, centrado no problema da dívida, consiste na realização de ações e na elaboração de alternativas radicais, tendo em vista a emergência de um mundo baseado na soberania, na solidariedade e na cooperação entre os povos, no respeito pela natureza, na igualdade, na justiça social e na paz.» [2]
O preâmbulo, escrito em 2008 e adotado em 2009, tinha em conta certas mudanças ocorridas entre 1990 e 2008: «Desde a criação do CADTM, o contexto internacional evoluiu. No plano do endividamento, uma evolução importante deve ser tida em conta: a dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. interna aumentou fortemente. Globalmente, encontramos duas grandes tendências opostas à escala internacional. Por um lado, a continuação e aprofundamento da ofensiva capitalista neoliberal, encabeçada principalmente pelo G7, FMI, Banco Mundial e OMC, todos eles ao serviço das multinacionais e do capital financeiro internacional. Por outro lado, uma contra tendência desenvolve-se desde finais dos anos noventa: poderosas mobilizações populares contra a ofensiva neoliberal, em particular na América Latina, reforço do movimento social internacional que luta por “outros mundos possíveis”, eleição de presidentes que advogam uma rutura com o neoliberalismo, iniciativas em matéria de auditoria da dívida e suspensão do pagamento da dívida externa pública, início da recuperação do controlo do Estado sobre sectores estratégicos e sobre os recursos naturais, falhanço de projetos neoliberais como o ALCA, resistências ao imperialismo no Iraque, na Palestina e no Afeganistão. A evolução da relação de forças entre estas duas grandes tendências irá depender em grande medida das reações populares face a uma crise internacional multifacetada (financeira, económica, social, política, alimentar, energética, climática, ecológica, cultural)».
A Assembleia Mundial do CADTM realizada, de 19 a 22 de maio de 2013, em Marrocos, analisa a evolução entre 2008 e 2013.
A crise do sistema capitalista global afetou duramente as condições de vida dos povos nos últimos cinco anos
1. Nos países industrializados, a crise bancária e económica, que começou em 2007-2008 nos Estados Unidos, e as políticas implementadas pelos governos e instituições internacionais deixaram no desemprego dezenas de milhões de pessoas, provocaram a perda significativa de poder de compra da generalidade da população, o aumento da pobreza, uma aceleração do aumento das desigualdades, a explosão da dívida pública, violações das liberdades sindicais e da negociação coletiva, uma limitação dos direitos civis e políticos com uma concentração de poder a nível do poder executivo e, no caso da União Europeia, o reforço do poder da Comissão Europeia e de outros órgãos executivos... Os países do Norte, onde os povos têm sido até agora mais afetados, são a Grécia, a Irlanda, a Islândia, Portugal, a Espanha, o Chipre, a Roménia, a Hungria, os países bálticos, a Bulgária, a Itália. As políticas impostas aos povos do Sul pelos credores que provocaram e instrumentalizaram a crise da dívida do Terceiro Mundo, iniciada na década de oitenta, estão a ser gradualmente impostas aos países industrializados.
2. Nos países do sul global (países ditos “em desenvolvimento”), a crise alimentar de 2008-2009 teve efeitos devastadores, somando mais 120 milhões de pessoas aos 900 milhões que já passavam fome. Esta crise foi a consequência direta de políticas decididas nos países do Norte pelas grandes multinacionais de agronegócio, pelas sociedades financeiras privadas (bancos, seguradoras, fundos de pensões), pelos governos europeus e norte-americano, por instituições internacionais multilaterais (Banco Mundial, FMI, OMC...). Entre os fatores que causaram a crise alimentar, e que mantêm, em permanência, um ser humano em cada sete desnutrido, incluem-se a especulação Especulação Operação que consiste em tomar posição no mercado, frequentemente contracorrente, na esperança de obter um lucro. sobre os alimentos (e combustíveis), a promoção de agro combustíveis nos países do Norte e em certos países do Sul, começando pelo Brasil, o açambarcamento de terras, a abertura comercial imposta aos países do Sul, o fim dos apoios a alimentos básicos e a produtores dos países do Sul, a prioridade dada às culturas para exportação em detrimento das culturas alimentares...
3. As alterações climáticas começam a fazer sentir os seus efeitos, sobretudo, em determinados países do Sul. O pior ainda está para vir.
4. Nalgumas áreas dos países do Sul acrescentam-se ainda os conflitos regionais, alimentados pelos interesses predatórios das multinacionais e por alguns Estados em busca de recursos minerais ou outros.
A uma escala planetária, as mulheres foram as mais afetadas, tanto nas suas condições de vida materiais como no seu estatuto.
Estas tendências negativas são diretamente atribuíveis à crise do sistema capitalista patriarcal global. As diferentes facetas da crise estão diretamente interligadas.
De norte a sul do planeta, por todo o lado o “sistema da dívida” é utilizado pelos poderes instituídos, pelas grandes empresas privadas, pelas instituições multilaterais, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, para promoverem novas privatizações, a mercantilização, o ataque às conquistas sociais e políticas dos povos.
Os povos, enquanto sujeitos coletivos, são vítimas do “sistema da dívida”. O mesmo acontece aos indivíduos: agricultores indianos endividados e levados ao suicídio (mais de 270 mil agricultores indianos suicidaram-se, entre 1995 e 2011, na esperança de libertarem as suas famílias do peso da dívida); milhões obrigados a largarem as suas casas pelos bancos credores, principalmente nos Estados Unidos, Espanha e Irlanda; mulheres vítimas de um sistema de microcrédito predador nos países do Sul; estudantes norte-americanos sobre endividados que caem na miséria (o montante total da dívida dos estudantes nos Estados Unidos excede um bilião de dólares, o equivalente à dívida pública externa da América Latina e da África subsariana juntas)...
Tendo em conta as características da evolução do mundo, desde 2008, o combate do CADTM pela anulação/repúdio de dívidas ilegítimas (tanto a nível coletivo como individual) no sentido da implementação de políticas alternativas, da rutura com o sistema capitalista, produtivista e patriarcal e da erradicação de todas as formas de opressão é mais importante do que nunca, porque permite unir a luta pela emancipação dos povos de todas as zonas do planeta.
Uma leitura cuidadosa e crítica da carta política adotada pelo CADTM, em janeiro de 2009, permite concluir que o documento é muito atual e muito útil, tanto pelo diagnóstico que faz, como pelas propostas, como pela sua orientação resolutamente unitária.
O nome da organização e as suas prioridades
Deverá a próxima Assembleia Mundial do CADTM tomar uma decisão sobre o nome da organização, para responder a uma pergunta legítima que é regularmente feita, em especial, nos países do Norte: o CADTM deveria mudar de nome? Deve-se circunscrever a anulação da dívida aos países do Terceiro Mundo, tal como o nome do comité parece indicar?
Outra pergunta legítima é formulada tanto no norte como no sul do planeta: confrontado com o reforço da sua ação na Europa, para fazer face à crise da dívida que abala o norte, o CADTM não estará a reduzir os seus esforços no sentido da anulação da dívida do Terceiro Mundo?
Sem decidir a questão do nome da organização CADTM, pode-se argumentar que a Carta Política do CADTM enuncia já claramente, no artigo 1, que “Tanto no norte como no sul do planeta, a dívida é um mecanismo de transferência da riqueza criada pelos trabalhadores-oras e pequenos-as produtores-oras para os capitalistas. O endividamento é utilizado pelos credores como um instrumento de dominação política e económica, que estabelece uma nova forma de colonização”.
Bastaria juntar algumas considerações complementares para abrir um pouco mais a discussão e dar atenção, por um lado, ao seu impacto sobre os povos do norte e, por outro lado, ao impacto sobre os indivíduos afetados pelo sobre endividamento.
A título de sugestão, podia-se, em termos do nome da organização, manter a sigla CADTM, porque ganhou notoriedade e credibilidade ao longo dos últimos anos, acrescentando, em termos de conteúdo, a expressão “Comité para a abolição das dívidas ilegítimas”.
Visualmente, mantinha-se a sigla CADTM, seguida de “Comité para a abolição das dívidas ilegítimas”. A vantagem desta fórmula é que não limita as reivindicações a uma parte do mundo e, além disso, pode incluir diferentes tipos de dívida, por exemplo, dívidas individuais consideradas ilegítimas.
É apenas uma sugestão para estimular a reflexão. Como a mudança de nome da organização não faz parte da agenda da assembleia mundial, a discussão começa e terminará durante a próxima assembleia mundial do CADTM.
O CADTM estará ou não a reduzir os esforços no sentido de anular a dívida dos países do Terceiro Mundo?
Quanto à outra pergunta, é claro que os/as ativistas europeus/eias do CADTM levam a cabo, desde 2009-2010, iniciativas significativas para fazer face à dívida ilegítima nos países do Norte. Essa decisão foi provocada pela profundidade da crise da dívida na Europa, pela brutalidade das políticas de austeridade que são implementadas ou que estão em preparação, por uma cada vez maior tomada de consciência por parte dos cidadãos e cidadãs que vivem na Europa (alguns deles migraram de países em desenvolvimento para a Europa na esperança de encontrarem um emprego e/ou refúgio; esses/essas migrantes foram muito afetados/as pela crise da dívida europeia). No entanto, os membros do CADTM na Europa e no Japão não abandonaram o combate necessário para a anulação da dívida do Terceiro Mundo, em especial, a luta pela abolição da dívida odiosa
Dívida odiosa
Segundo a doutrina, para que uma dívida seja considerada odiosa, e portanto nula, tem de preencher as seguintes condições:
1. Foi contraída contra os interesses da Nação ou contra os interesses do povo ou contra os interesses do Estado.
2. Os credores não conseguem demonstrar que não podiam saber que a dívida foi contraída contra os interesses da Nação.
É preciso sublinhar que, segundo a doutrina da dívida odiosa, a natureza do regime ou do governo que contraiu a dívida não é particularmente importante, pois o que conta é a utilização dada à dívida. Se um governo democrático se endividar contra o interesse da população, a dívida pode ser qualificada odiosa, desde que preencha igualmente a segunda condição. Por consequência, e contrariamente a uma interpretação errada desta doutrina, a dívida odiosa não se aplica apenas aos regimes ditatoriais. (Ver Éric Toussaint, «A Dívida Odiosa Segundo Alexandre Sack e Segundo o CADTM»)
O pai da doutrina da dívida odiosa, Alexander Nahum Sack, diz claramente que as dívidas odiosas podem ser atribuídas a um governo regular. Sack considera que uma dívida contraída por um governo regular pode ser considerada incontestavelmente odiosa, desde que preencha os dois critérios acima apontados.
E acrescenta: «Se estes dois pontos forem confirmados, cabe aos credores o ónus de provar que os fundos envolvidos nos referidos empréstimos foram utilizados não para fins odiosos, prejudiciais à população do Estado, no seu todo ou em parte, mas sim para as necessidades gerais ou especiais desse Estado, e não apresentam carácter odioso».
Sack definiu um governo regular da seguinte forma:
«Deve ser considerado regular o poder supremo que existe efectivamente nos limites de um dado território. É indiferente ao problema em foco que esse poder seja monárquico (absoluto ou limitado) ou republicano; que proceda da “graça de Deus” ou da “vontade do povo”; que exprima a “vontade do povo” ou não, do povo inteiro ou apenas de uma parte deste; que tenha sido estabelecido legalmente ou não.»
Portanto não restam dúvidas sobre a posição de Sack, todos os governos regulares, sejam eles despóticos ou democráticos, em todas as suas variantes, são susceptíveis de contraírem dívidas odiosas.
na Tunísia, no Egito, no Haiti (ver mais abaixo). Tentam também fazer com que haja uma maior consciência e ação no Norte em relação a questões como as alterações climáticas, a dívida ecológica, a ocupação de terras...
O grande envolvimento de toda a rede internacional CADTM no sucesso do Fórum Social Mundial, realizado em Tunes, em março de 2013, mostra também não haver recuo a Norte. No âmbito do FSM, o CADTM coorganizou uma quinzena de conferências, tendo a maioria um enquadramento a sul. A muito bem sucedida convergência sobre a dívida foi coordenada por ativistas do sul.
Convém acrescentar que a vontade de concretizar a opção tomada pela Assembleia Mundial do CADTM, em novembro de 2010, de transferir para sul e de partilhar as tarefas do secretariado internacional, hoje com sede na Bélgica, mostra que o CADTM não pretende de maneira nenhuma reduzir a sua ação no hemisfério sul.
De volta aos acontecimentos político-sociais de 2009 a 2013 e à atividade do CADTM
O ano de 2009 começou com a reativação do Fórum Social Mundial, que reuniu em Belém (Brasil) mais de 130 mil ativistas numa rejeição massiva da crise capitalista global e manifestando uma vontade de lutar por uma perspectiva socialista, feminista, antirracista, ecológica, internacionalista (ver a declaração final da assembleia de movimentos sociais na elaboração da qual o CADTM participou plenamente). Recorde-se também que, a nível do CADTM, essa reunião do FSM representou uma oportunidade para ratificar a carta política e a carta de funcionamento do movimento. Os acontecimentos na sequência de 2009 e 2010 não corresponderam às esperanças suscitadas pelo Fórum, mesmo que um elemento positivo da situação internacional, como enfatizámos no preâmbulo da carta política, se tenha confirmado. Com efeito, escrevemos: «Por outro lado, uma contra tendência está a desenvolver-se, desde o final dos anos noventa: poderosas mobilizações populares contra a ofensiva neoliberal, especialmente na América Latina, reforço do movimento social internacional, que luta por “outros mundos possíveis”, eleição de presidentes que propõem uma rutura com o neoliberalismo, iniciativas de auditoria à dívida e de suspensão do pagamento da dívida pública externa, início da recuperação do controlo do Estado sobre setores estratégicos e sobre os recursos naturais (...)».
Desse ponto de vista, o ano de 2009 ficou marcado pela vitória do ato unilateral de suspensão do pagamento da dívida comercial do Equador (em especial após o trabalho da comissão de auditoria à dívida, em que o CADTM participou ativamente). O Governo do Equador, apoiado pela população, impôs uma redução radical do peso da dívida, em junho de 2009. Por seu lado, tanto na Bolívia como na Venezuela, os governos prosseguiram a sua ação em favor da recuperação do controlo do governo sobre uma série de negócios.
Tudo isto não aconteceu sem a reação das classes dominantes, das multinacionais e de Washington. Prova disso foi o golpe de Estado (de um novo tipo) que pôs fim, em junho de 2009, a uma experiência promissora nas Honduras e foi prenúncio do golpe de Estado perpetrado no Paraguai, em junho de 2011. O CADTM condenou esses dois golpes e manifestou solidariedade a ambos os Estados.
Sobre as experiências em curso no Equador, na Venezuela, na Bolívia, e até certo ponto, na Argentina, o CADTM evita apresentar esses países como modelos a seguir, porque está bem consciente das limitações das políticas implementadas (para não mencionar as diferenças existentes entre os governantes desses países). As autoridades em causa não rompem nem com o modelo exportador extrativista nem com o sistema capitalista, que estão intimamente ligados. Apoiamos todas as opções que tomam na direção certa, defendemo-los contra as campanhas difamatórias a que estão sujeitos, sem abandonarmos a nossa independência e o pensamento crítico. Privilegiamos, em todos os casos, a nossa relação com os movimentos sociais desses países. As organizações membro do CADTM na Argentina e na Venezuela levam a cabo uma política ativa, mantendo a sua independência estrita e espírito crítico em relação ao governo.
Na Europa, importantes lutas sociais tiveram lugar em 2009-2010 (nalguns países da Europa de Leste, Islândia, Grécia, Espanha, França com o grande movimento social que se opôs à reforma das pensões pretendida por Sarkozy) e os membros do CADTM resolveram enfrentar a questão da dívida e recusar as políticas de ajustamento, desenvolvendo uma série de atividades em favor da auditoria cidadã à dívida e da necessidade de suspender o pagamento da dívida nos países mais afetados pela crise. Esses esforços contribuíram em grande parte para que os diferentes movimentos, que não tinham opinião favorável em relação à auditoria cidadã à dívida, adotassem a reivindicação e enveredassem por essa forma de luta. O esforço do CADTM não explica tudo, longe disso, mas é inegável que teve realmente uma influência positiva nas escolhas que outros movimentos sociais fizeram no sentido da auditoria cidadã e de uma radicalização de posições sobre a questão da dívida ilegítima. É o caso em França, na Grécia, em Portugal, em Espanha e, mais recentemente, na Itália e na Bélgica. A lista deve ainda crescer nos próximos meses e anos. O CADTM desempenhou também um papel muito importante na criação da rede ICAN, a rede internacional de auditorias cidadãs, que inclui organizações europeias e do Norte de África, em especial na Tunísia e no Egito [3] .
Na Ásia, o CADTM foi particularmente ativo, em 2010, numa campanha para anular as dívidas do Paquistão, na sequência das inundações devastadoras que enlutaram o país.
Em 2009-2010, a ação do CADTM em África foi muito intensa: as ações em conjunto com a Marcha Mundial das Mulheres, em Goma, na República Democrática do Congo, a intensa preparação para o Fórum Social Mundial que se realizou, em fevereiro de 2011, em Dakar, figuram entre as atividades mais significativas.
Durante 2011, o movimento social e político rebelde invadiu novamente as ruas e as praças públicas por todo o planeta. Surgiu com uma nova forma e novos nomes: Primavera Árabe, Indignados, Occupy Wall Street (OWS)... As principais regiões afetadas foram o Norte de África e o Médio Oriente (inclusive Israel), a Europa e a América do Norte. Apesar de nem todos os países dessas regiões terem sido afetados por essa onda de mobilizações e de novas formas de organização, por todo o lado se ouviu falar delas. Nos países em que não surgiram de forma massiva, minorias ativas tentaram enraizá-las de diversas maneiras [4]. No hemisfério sul, em 2011, apenas o Chile viu surgir um movimento semelhante ao dos Indignados [5].
Na Tunísia e no Egito, países não exportadores de matérias-primas (senão marginalmente), as condições de vida pioraram nos últimos anos, gerando uma contestação social que foi duramente reprimida. Isso provocou, na Tunísia primeiro, uma resposta massiva que rapidamente ganhou dimensão política. O povo reunido nas ruas e nas praças públicas enfrentou a repressão (que matou 300 pessoas) e exigiu a saída do ditador Ben Ali, que teve de abandonar o poder, em 14 de janeiro de 2011. A partir de 25 de janeiro de 2011, o movimento espalhou-se ao Egito, onde a população tinha sido submetida, durante décadas, a uma contrarreforma neoliberal ditada pelo Banco Mundial e pelo FMI, em sintonia com um regime ditatorial – como o da Tunísia – aliado das potências ocidentais (e totalmente comprometido com as autoridades israelitas). A 11 de fevereiro de 2011, menos de um mês após a queda de Ben Ali, Mubarak foi forçado a deixar o poder. A rebelião estendeu-se a outros países da região e a repressão caiu. As lutas continuam e o processo ainda não está concluído a nível regional. Movimentos de contestação surgiram por toda a região, nomeadamente em Marrocos (Movimento 20 de Fevereiro).
Na Tunísia e no Egito, as classes locais dominantes tentam, com a ajuda das grandes potências ocidentais, do FMI e do Banco Mundial, controlar a situação para que o movimento não gere uma revolução social.
O Fórum Social Mundial que se realizou em Dakar, em fevereiro de 2011, foi positivamente influenciado pelos movimentos em curso na Tunísia e no Egito. O CADTM esteve presente em força, uma importante delegação do CADTM África (complementada pelo CADTM Europa e América Latina) multiplicou as suas atividades. O FSM foi precedido por uma marcha de caravanas que partiram dos países da região (contando com uma participação significativa do CADTM) e convergiram na direção de Dakar, passando por Kaolack, onde o CADTM organizou um workshop feminista internacional. A Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais que, de certa forma, fechou os trabalhos do FSM foi muito participada e combativa. O CADTM deixou aí a sua marca.
De seguida, o vento da revolta atravessa o Mediterrâneo, do Norte de África até ao Sul da Europa: Portugal (Março de 2011), Espanha (abril-outubro de 2011), Grécia (Maio-Julho de 2011). Em Julho-Agosto, a contestação social atinge também Israel, a Avenida Rothschild, em Tel Aviv, é ocupada, mas sem pôr em causa o governo (e sem tentar fazer a ponte com a causa palestiniana). Em setembro, o movimento consegue atravessar o norte do Atlântico. Chega aos Estados Unidos pela costa leste, começando em Nova Iorque e em Wall Street para se estender a grande parte do território dos Estados Unidos até à costa oeste, onde em Oakland surge a experiência mais radical. Em 15 de outubro de 2011, data escolhida pelo movimento dos Indignados em Espanha, mais de um milhão de pessoas manifestam-se por todo o mundo, do Japão à costa oeste dos Estados Unidos, principalmente nos países mais industrializados. Na maior parte dessas mobilizações, a questão da dívida, a denúncia dos bancos e do 1% que domina o planeta ocupam um lugar importante ou central.
O movimento dos Indignados, nas suas diferentes expressões, não voltou a ter o mesmo sucesso em 2012-2013, exceto em Portugal (mas sem ter assumido uma forma prolongada, como aconteceu em Espanha em 2011). Em Marrocos, o Movimento 20 de Fevereiro também desaparece, apesar dos esforços desenvolvidos pela ATTAC-CADTM Marrocos, nomeadamente.
Em Espanha, um prolongamento muito positivo do movimento dos Indignados é a Plataforma para uma Auditoria Cidadã à Dívida que se desenvolveu em várias cidades e, em seguida, a nível do Estado espanhol. Há uma esperança, não uma certeza, de ver desenvolver sinergias à escala da Península Ibérica (Espanha + Portugal) entre os movimentos cidadãos que agem em torno da temática da dívida e da rejeição da austeridade.
Na Europa, desde o início de 2011, está em desenvolvimento uma nova iniciativa que visa substituir o Fórum Social Europeu moribundo desde 2009-2010. O CADTM Europa participa no comité de coordenação e faz o máximo para que o tema da dívida ilegítima seja tratado da maneira mais combativa possível.
Em África, os conflitos internacionais, a cobiça por matérias-primas e as intervenções estrangeiras armadas continuam a afligir os povos. Os/as ativistas do CADTM África enfrentam diretamente o problema na República Democrática do Congo, na Costa do Marfim e no Mali. O CADTM África denunciou a intervenção militar da França e dos seus aliados no Mali, em janeiro de 2013. O CADTM, que denuncia a violência contra as mulheres e as violações dos direitos humanos, quaisquer que sejam os autores, também se opõe à instrumentalização desses crimes para justificar a ingerência estrangeira e as guerras que visam o controlo das matérias-primas [6]. O CADTM Internacional manifestou o seu apoio à ação do CAD Mali, membro da rede CADTM. Noutras latitudes, o CADTM internacional apoiou a atividade do PAPDA (membro do CADTM) e de todos os movimentos que lutam contra a manutenção da presença militar estrangeira no Haiti, onde o pretexto humanitário serve também para justificar a interferência.
O Fórum Social Mundial realiza-se, em março de 2013, em Tunes, na Tunísia, com uma forte participação e uma radicalidade que não é fachada. O CADTM participou ativamente com uma importante delegação africana (principalmente) e o reforço do CADTM Europa e América Latina. Os/as ativistas do CADTM Tunísia (RAID ATTAC CADTM Tunísia) e de Marrocos (ATTAC-CADTM Marrocos) tiveram um papel de primeiro plano particularmente na preparação e realização da Assembleia Mundial dos Movimentos Sociais. O local do RAID ATTAC CADTM Tunísia transforma-se, durante uma semana, num formigueiro, onde trabalha em conjunto um grande número de representantes/delegados/as de movimentos sociais de todo o mundo.
Deve-se acrescentar que, principalmente devido ao trabalho do RAID ATTAC CADTM, é possível realizar o primeiro «Encontro Mediterrâneo de Tunes contra a dívida, as políticas de austeridade e a dominação estrangeira, por um Mediterrâneo livre, democrático, social, solidário e respeitador do meio ambiente» [7]. Cerca de vinte formações políticas participaram no evento, respondendo ao convite da Frente Popular da Tunísia (que conta com o contributo ativo de membros do RAID ATTAC CADTM Tunísia). O CADTM associou-se à iniciativa dando o seu ponto de vista sobre a luta pela anulação da dívida odiosa e ilegítima [8]. O manifesto final adota, em grande parte, sobre a questão da dívida, o ponto de vista desenvolvido pelo CADTM. [9]
Entre 2009 e 2013, como sublinhamos desde o início do texto, as mulheres têm sido alvo de um ataque generalizado, visando fragilizar a sua caminhada na direção da igualdade e da emancipação completa. O CADTM consagrou numerosos esforços no sentido de reforçar a sua participação na luta feminista internacional, principalmente, através de iniciativas concretas em África e na Europa.
Em todas as suas iniciativas, o CADTM tentou reforçar a convergência entre os diferentes movimentos que lutam ao lado dos cidadãos/cidadãs e dos povos. É com esse espírito que colabora ativamente com os movimentos ATTAC, Via Campesina, Marcha Mundial das Mulheres, ICAN, Jubileu Sul, Latindadd, com muitos sindicatos e muitas outras organizações. É por isso também que participa ativamente com espírito construtivo no Fórum Social Mundial, na Altersummit (na Europa), nas várias contra-cimeiras enfrentando os poderosos do mundo... É nesse sentido que apoia e se insere em movimentos como os Indignados e os Occupy...
Algumas considerações suplementares sobre a situação económica internacional e as tarefas que daí decorrem.
Aumento da dívida pública. Com poucas exceções, as dívidas pública e privada aumentaram ao longo dos últimos cinco anos. Em muitos países, as dívidas aumentaram entre 20 e 30%.
A conjuntura favorável de alguns países em desenvolvimento pode voltar para trás. Apesar deste aumento, numa série de países em desenvolvimento exportadores de matérias-primas, nos últimos anos, o pagamento da dívida externa e interna surge como sendo menos insustentável do que antes, por três razões fundamentais: 1. o aumento desde 2004 das receitas fiscais e da entrada de divisas, devido ao aumento do preço das matérias que exportam para o mercado mundial; 2. a baixa das taxas de juros decidida pelos bancos centrais dos países industrializados; 3. a China, na busca de matérias-primas e de mercado para escoar as suas mercadorias, abriu abundantes linhas de crédito a países da África, América Latina e a alguns vizinhos asiáticos.
Como mencionado acima, os preços altos das matérias-primas são fortemente influenciados pela especulação
Trading
especulação
Operação de compra e venda de produtos financeiros (acções, futuros, produtos derivados, opções, warrants, etc.) realizada na mira de obter um lucro a curto prazo.
internacional. A situação é contudo muito instável. Os preços das matérias-primas caíram quase 30% entre outubro de 2012 e abril de 2013. Esse é, nomeadamente, o resultado da queda do crescimento na China (principal importador de matérias-primas a nível mundial). Pode-se com razão perguntar se a bolha especulativa
Bolha especulativa
A bolha económica, bolha financeira ou bolha especulativa forma-se quando o nível dos preços de troca num mercado (mercado de activos financeiros, mercado de câmbios, mercado imobiliário, mercado de matérias-primas, etc.) se estabelece muito acima do valor financeiro intrínseco (ou fundamental) dos bens ou activos trocados. Neste tipo de situação, os preços afastam-se da valorização económica habitual, com base numa crença manifestada pelos compradores.
em torno das matérias-primas está em vias de estourar. A resposta será dada nos próximos meses. O que é certo é que existe uma bolha e um dia ela vai explodir. Quando? É difícil de prever.
Desde 2006, o CADTM procurou atrair a atenção dos povos do sul e dos movimentos sociais para a necessidade de aproveitarem a conjuntura favorável das economias exportadoras de matérias-primas com o objetivo de mudar o modelo, reduzindo progressivamente, mas com controlo, a dependência face ao extrativismo e à exportação de matérias-primas não transformadas. Trata-se também de aproveitar a conjuntura relativamente favorável, em que se encontra um certo número de países, para realizar auditorias e pôr fim ao pagamento da dívida ilegítima.
Isto aplica-se também a outro tipo de países que, como a Tunísia e o Egito, possuem argumentos sólidos para repudiarem a dívida contraída pelos regimes despóticos de Ben Ali e de Mubarak.
A conjuntura relativamente favorável pode virar e apanhar desprevenidos países que não estão preparados para essa viragem. Redobremos os esforços em favor da auditoria cidadã à dívida nos países em desenvolvimento, para repudiarmos a dívida ilegítima e implementarmos um outro modelo económico e social.
Forte aumento da dívida interna. O CADTM insistiu também noutro elemento constitutivo do «sistema da dívida». A dívida pública interna cresce muito mais rápido do que a dívida externa. Nalguns casos, a dívida pública interna aumenta, enquanto a dívida externa diminui. A dívida pública interna dos países emergentes mais do que quintuplicou entre 2000 e 2013. Na verdade, enquanto a dívida pública interna passava de 1,3 biliões de dólares para 6,8 biliões dólares de dólares, a dívida externa crescia mais lentamente passando de 1 para 1,5 biliões de dólares [10]. Trata-se de atacar essa nova montanha de dívida e não dar ouvidos aos discursos tranquilizadores dos governos.
Aprender com a experiência dos povos do Sul. Nos países do Norte estão a ser aplicadas em larga escala as receitas usadas durante trinta anos nos países do Terceiro Mundo. Convém tirar lições das lutas levadas a cabo pelos povos do sul.
O FMI, o Banco Mundial e os outros credores querem generalizar a sua ofensiva à escala planetária. Como mostra um estudo independente elaborado com base em centenas de relatórios do FMI, que se destinam a definir metas para os seus Estados membros, não há dúvida que o Fundo pretende expandir e aprofundar a sua ofensiva contra os direitos económicos e sociais dos povos no decorrer dos próximos três anos. Não há que ter ilusões em relação à possibilidade de haver um abandono das políticas de austeridade propostas pelo FMI.
Desobedecer aos credores
É possível e necessário desobedecer às instituições financeiras internacionais e à Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. , recusar os ditames de credores privados no sentido de encontrar margem de manobra para melhorar a situação dos países e das suas populações. A firmeza resulta! Vários exemplos de países que ousaram desafiar os seus credores demonstram-no.
A Argentina e a suspensão do pagamento da dívida
Após três anos de recessão económica (1999-2001) e no contexto de uma grande revolta popular, que derrubou o presidente De La Rua, a Argentina decidiu suspender, em finais de dezembro de 2001, o pagamento de uma grande parte da sua dívida pública externa no montante de cerca de 90 mil milhões de dólares.
Uma parte das somas libertadas foi reinvestida nos setores sociais, inclusive em benefícios pagos a desempregados, organizados no âmbito do movimento dos piqueteros. Alguns argumentam que, na realidade, a recuperação económica da Argentina, a partir de 2003-2004, deve-se unicamente ao aumento do preço dos produtos destinados à exportação (soja, minerais...). Isso é falso, porque se a Argentina não tivesse suspendido o pagamento da dívida, a partir de finais de 2001, as receitas geradas pelas exportações teriam sido engolidas pelo pagamento da dívida. O governo não teria tido meios para relançar a atividade económica. Por outro lado, devido à suspensão do pagamento de 90 mil milhões de dívidas comerciais, que durou até março de 2005, a Argentina pode impor aos seus credores uma redução de metade desse montante. O CADTM e muitos movimentos sociais e partidos da esquerda argentina propuseram na época ir mais longe no sentido da anulação total da dívida ilegítima, não só no que diz respeito a credores privados, mas também em relação ao FMI e a outros credores públicos. O governo argentino recusou seguir essa via.
É importante acrescentar que a Argentina está em suspensão total de pagamento da sua dívida de 6,5 mil milhões dólares ao Clube de Paris desde 2001. Constata-se assim que o país enfrenta o Clube de Paris há já doze anos. Apesar dos 44 processos interpostos no Banco Mundial contra a Argentina e apesar das ameaças recentes no sentido de ser expulsa do FMI, Buenos Aires continua. Desde 2001 que a Argentina não se financia nos mercados financeiros e, no entanto, o país continua a funcionar!
No entanto, é importante não interpretar mal a experiência argentina, deve-se evitar fazer do país um modelo, é necessário adotar um ponto de vista crítico. O governo argentino tem trabalhado para manter o país num enquadramento capitalista, não foram realizadas reformas estruturais, o crescimento económico argentino baseia-se em grande medida na exportação de produtos primários (soja transgénica e minerais). Trata-se de um modelo extrativista-exportador. No entanto, o caso argentino mostra que se pode perfeitamente desobedecer aos credores. Noutros locais, um verdadeiro governo de esquerda podia inspirar-se no precedente argentino para ir muito mais longe.
Equador: auditoria e suspensão
Sete meses depois de ser eleito, o presidente equatoriano Rafael Correa decidiu, em julho de 2007, realizar uma auditoria à dívida do país e estabeleceu as condições em que esta foi constituída. Para esse efeito, uma comissão de auditoria à dívida, composta por dezoito especialistas, da qual fazia parte o CADTM, foi criada, em julho de 2007. Após catorze meses de trabalho, foi apresentado um relatório. Mostrava que muitos empréstimos tinham sido concedidos violando regras elementares. Em novembro de 2008, o novo poder, com base nesse relatório, decidiu suspender o pagamento da dívida, constituída por títulos de dívida com vencimento, uns, em 2012, outros, em 2030. Finalmente, o governo deste pequeno país saiu vencedor do braço de ferro com banqueiros norte-americanos detentores de títulos de dívida equatoriana. Comprou, por menos de mil milhões de dólares, títulos no valor de 3,2 mil milhões de dólares. O Tesouro Público do Equador economizou assim 2,2 mil milhões de dólares de stock de dívida, aos quais é preciso juntar 200 milhões de dólares de juros por ano no período entre 2008-2030. Isto permitiu libertar novos meios financeiros, possibilitando ao governo aumentar as despesas sociais em saúde, educação, apoios sociais e desenvolvimento de infraestruturas de comunicação. Também foi inscrita na Constituição a proibição de transformar dívidas privadas em dívida pública e a proibição de contrair dívidas ilegítimas [11] .
Deve-se acrescentar que o Equador não reconhece a competência do tribunal do Banco Mundial. O país recusou assinar um acordo de comércio livre com a União Europeia e os Estados Unidos. O presidente equatoriano anunciou a intenção de lançar uma auditoria aos tratados bilaterais de investimento. Finalmente, as autoridades de Quito puseram fim à presença militar dos Estados Unidos em território equatoriano.
No caso do Equador, é importante também evitar fazer da experiência em curso um modelo. É indispensável um olhar crítico. No entanto, é um facto que a experiência equatoriana em termos de auditoria e suspensão unilateral do pagamento da dívida mostra que é perfeitamente possível desobedecer aos credores e aproveitar essa situação para melhorar a despesa pública em áreas como a educação e a saúde pública.
A Islândia: a recusa de pagar a dívida reclamada pelo Reino Unido e pela Holanda
Após o colapso do sistema bancário, em 2008, a Islândia recusou compensar os cidadãos da Holanda e do Reino Unido, que tinham colocado fundos num total de 3,9 mil milhões de euros em filiais de bancos privados islandeses, que entraram em colapso. As autoridades britânicas e holandesas compensaram os seus cidadãos e exigiram que a Islândia reembolsasse essas quantias. Sob pressão popular (manifestações, ocupações de praças, referendos), as autoridades de Reykjavik recusaram fazê-lo. Essa tomada de posição fez com que a Islândia fosse inscrita na lista das organizações terroristas, fez com que os bens islandeses no Reino Unido fossem congelados e teve como consequência a interposição de uma queixa contra Reykjavik no Tribunal da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) [12] por parte de Londres e de Haia. Por seu turno, a Islândia bloqueou a saída de capitais do país. Concluindo, a Islândia tem um desempenho muito superior ao dos outros países da Europa que aceitaram as exigências dos credores. Mais uma vez, não vamos fazer da Islândia um modelo, mas tiremos lições da sua experiência.
Estes exemplos mostram-nos que desobedecer aos credores não é uma catástrofe e, em nenhum caso, implica o colapso do país.
Sublinhe-se também que estas experiências foram precedidas por mobilizações populares, ou realizadas no contexto dessas mobilizações, que exerceram pressão sobre o governo. Daí a importância de envolver o conjunto da população através da divulgação desta questão, por vezes complexa. O trabalho de auditoria é um verdadeiro trabalho de tomada de consciência. Trata-se de dar visibilidade à ilegitimidade da dívida junto da maioria da população.
Conclusão: a anulação da dívida ilegítima não é um fim em si mesmo
Finalmente, em jeito de conclusão, reproduzimos a parte 3 da carta política do CADTM:
«3 – Para o CADTM, a anulação da dívida não é um fim em si mesmo. Trata-se de uma condição necessária, mas não suficiente para garantir a satisfação dos direitos humanos. É preciso, necessariamente, ir além da anulação da dívida pública, se a humanidade desejar a realização de uma justiça social que respeite o meio ambiente. A dívida faz parte de um sistema que é preciso combater no seu conjunto. Paralelamente à anulação da dívida, é indispensável pôr em prática outras alternativas radicais, entre as quais:
Tradução: Maria da Liberdade, revisão: Rui Viana Pereira
Eric Toussaint é presidente do CADTM Bélgica e membro do secretariado internacional da rede mundial CADTM.
[1] Sobre o «Apelo da Bastilha»: «Gilles Perrault é um dos membros fundadores, juntamente com o cantor Renaud, do Colectivo Ça suffat comme ci, que, em 1989, lançou o Apelo da Bastilha pela anulação da dívida do Terceiro Mundo, que recolheu centenas de assinaturas» (http://fr.wikipedia.org/wiki/Gilles_Perrault).
[4] Em África, a sul do Saara, houve protestos estudantis no Burkina Faso, em março-abril de 2011, no Togo, em maio-junho de 2011, e no Senegal, um movimento intitulado Y’en a marre contra o autoritarismo do presidente Wade, em junho 2011. Referiam-se explicitamente à Primavera Árabe em curso. No Senegal, o Fórum Social Mundial, realizado em fevereiro de 2011, dez anos após a sua criação, alcançou um sucesso significativo na sequência das mobilizações em curso na Tunísia e no Egito (ver Olivier Bonfond, http://www.cadtm.org/FSM-Dakar-2011-Succes-populaire-et).
[5] Ver Franck Gaudichaud, «Quand le néolibéralisme triomphant se fissure. Chili: réflexions sur le réveil des mouvements sociaux et le “Mai chilien”», http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article23403.
[6] Ver o comunicado de imprensa: «Le Réseau CADTM Afrique condamne l’intervention militaire de la France et de ses alliés au Mali», http://cadtm.org/Le-Reseau-CADTM-Afrique-condamne-l.
[7] Ver Pauline Imbach, «Tunes: Nasceu uma Frente Comum de organizações políticas contra a dívida», http://cadtm.org/Tunes-Nasceu-uma-Frente-Comum-de, publicado a 27 de março de 2013.
[8] Ver Marie Dufaux e Éric Toussaint: «Éric Toussaint em Tunes: “É preciso desobedecer aos credores e recusar o pagamento de dívidas ilegítimas!”», http://cadtm.org/Eric-Toussaint-em-Tunes-E-preciso.
[9] Ver o texto do manifesto: http://cadtm.org/Manifesto-do-encontro .
[10] Fonte: JP Morgan citado por The Economist, «Sovereign debt markets: An illusory haven», edição de 20 de abril de 2013, p. 63.
[11] Ver Eric Toussaint, «La Constitution équatorienne: un modèle en matière d’endettement public», http://cadtm.org/La-constitution-equatorienne-un, publicado a 27 dezembro de 2010.
[12] O Tribunal da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), que não tem nada de organização altermundialista, deu razão à Islândia há dois meses. Ver CADTM, «O tribunal da EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio) rejeita queixas do “Icesave” contra a Islândia e os seus habitantes», http://cadtm.org/Otribunal-da-EFTA-Associacao, publicado em 30 de janeiro de 2013.
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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