Ajay Banga, o Banco Mundial e a Índia Story...

8 de Julho por Sushovan Dhar




Ajay Banga, que trouxe o KFC e a Pizza Hut para a Índia e ganha cerca de 5,2 mil milhões de rupias indianas (INR) por dia, tomou as rédeas do Banco Mundial no início de junho. Foi recebido calorosamente por todos. «O Conselho de Administração aguarda com expetativa a oportunidade de trabalhar com o Sr. Banga à medida que o Grupo do Banco Mundial evolui», afirmou um comunicado de imprensa anterior. Banga foi nomeado para o cargo no final de fevereiro pelo presidente dos EUA, Joe Biden. Era o único candidato em disputa para substituir o diretor cessante do Banco Mundial, David Malpass. De acordo com a Oxfam, «o verdadeiro teste de Ajay Banga começa agora: reorientar o Banco Mundial para combater as desigualdades extremas que privam milhares de milhões de pessoas da segurança econômica e da dignidade. Os novos investimentos necessários para o desenvolvimento devem ser liderados pelo sector público e centrados em tirar as pessoas da pobreza – e precisamos de salvaguardas em relação ao financiamento privado que tem andado descontrolado há demasiado tempo». [1]

A sua nomeação é vista como ilustrativa de uma tendência crescente para a inclusão e a diversidade nas instituições financeiras internacionais. Os comentadores congratulam-se com esta importante vitória para a promoção da diversidade aos mais altos níveis de gestão.

Vishwaguru, um líder mundial

Este é, de facto, um motivo de orgulho para os indianos, tanto na Índia como no estrangeiro, a juntar ao aparecimento de Kamala Harris e Rishi Sunak. A candidatura do gigante empresarial indo-americano Ajay Banga à presidência do Banco Mundial recebeu o apoio de laureados com o Prémio Nobel, filantropos e outras figuras de destaque. No entanto, a pretensão da Índia ao título de «líder mundial» (Vishwaguru) é questionável, tendo em conta a fome de cerca de 810 milhões dos seus cidadãos, a queda das taxas de emprego e dos salários e as desigualdades gritantes. De acordo com o Relatório sobre a Desigualdade Global de 2022, os 50 % mais pobres das famílias indianas detêm apenas 6 % da riqueza do país. Enquanto os 10 % e 1 % das pessoas com rendimentos mais elevados detêm 65 % e 33 % da riqueza total, respetivamente [2]. Mas alguns indianos têm-se saído extremamente bem. Alimentam o sonho que inspira os pais da classe média que lutam para que os seus filhos sejam bem sucedidos.

Entretanto, os meios de comunicação social falam do patrimônio líquido de Ajay Banga em 2021: 206 milhões de dólares, ou seja, mais de 17 mil milhões de rupias, e do seu salário de 5,2 milhões de rupias por dia como antigo diretor executivo da Mastercard. Perguntamo-nos como é que estas pessoas conseguem gastar o seu dinheiro. Afinal, não se pode usar duas camisas muito caras uma em cima da outra. Mas ninguém parece questionar as transações inevitáveis’ que as empresas de cartões de crédito utilizam para arruinar os seus clientes. Poucos questionam o facto de Banga ir servir os interesses de um grupo seleto de países do Norte Global como presidente do Banco Mundial, impondo a hegemonia capitalista dos EUA a todos os opositores, negros ou de cor, por bem ou por mal.

A ascensão de Ajay Banga a esta posição eminente neste momento crucial pode ser vista como um passo decisivo nessa direção, uma vez que o G20 considera a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial e o FMI, durante a presidência da Índia. De facto, embora Ajay Banga tenha nascido na Índia, obteve a cidadania americana, o que tornou possível a sua eleição como presidente. Não esqueçamos que o FMI e o BM têm tido um presidente europeu e um presidente americano, respetivamente, desde a sua criação. Os Estados Unidos, os seus aliados, as multinacionais e o 1 % mais rico da população mundial precisam sempre de um americano para defender os seus interesses.

O Banco Mundial enaltece o seu duplo objetivo de erradicar a pobreza extrema e promover a prosperidade partilhada. No entanto, o seu novo presidente não tem qualquer experiência em matéria de meio ambiente e clima ou de política de «desenvolvimento». O principal trunfo de Ajay Banga são as suas ligações ao mundo dos negócios e das finanças. O seu historial como diretor executivo de grandes organizações financeiras, como o Citigroup e a Mastercard, demonstra amplamente que, durante o seu mandato, continuará a apoiar um sistema capitalista extractivista através de empréstimos neoliberais e de condicionalidades impostas pelo BM.

Mastercard e uma narrativa de inclusão

O mandato de Ajay Banga na Mastercard é saudado por apoiar o crescimento inclusivo e a inclusão financeira através da abertura de um Centro para o Crescimento Inclusivo. Segundo alguns, o objetivo desta iniciativa era promover o desenvolvimento econômico equitativo e alargar o acesso aos serviços financeiros a comunidades carenciadas [3]. A organização afirma ter trazido mil milhões de pessoas, 50 milhões de comerciantes e 25 milhões de mulheres empresárias para a economia digital [4]. Um olhar atento sobre as histórias de inclusão financeira da Mastercard ajudar-nos-á a compreender este facto. «Como parte de seu esforço para bancarizar 500 milhões de pessoas pobres não bancarizadas em todo o mundo, Banga fez uma parceria com a South African Social Security Agency (SASSA) e a Net1 para usar cartões de débito MasterCard na distribuição de benefícios assistenciais. Esse novo sistema de pagamento com cartão de débito tinha o objetivo de ajudar os Sul-Africanos de baixa renda a evitar longas esperas nas agências do governo sob o sol quente (fonte de muitas mortes de idosos), protegê-los dos pequenos criminosos que roubavam os beneficiários dos subsídios nos pontos de pagamento e diminuir os custos de efetuar o pagamento em dinheiro (cash, então pago através de carros-fortes que levavam mensalmente os subsídios para entrega), economizando recursos públicos» [5].

Enquanto a Mastercard distribuiu rapidamente 10 milhões de cartões, «a Net1 criava empresas subsidiárias para vender produtos financeiros Produtos financeiros Produtos adquiridos durante o exercício duma empresa que dizem respeito a elementos financeiros (títulos, contas bancárias, divisas, investimentos de capital). aos beneficiários, incluindo empréstimos (Moneyline), seguros (Smartlife), tempo de conexão e eletricidade (uManje Mobile) e pagamentos (EasyPay)».

«Como fornecedor monopolista de serviços, a Net1 controlava todo o fluxo de pagamento do Tesouro para os beneficiários dos programas de assistência social. Ela estava bem posicionada não apenas para transferir tais pagamentos, mas também para vender produtos financeiros, retendo os pagamentos pelos serviços prestados ao mesmo tempo em que os pagamentos dos benefícios eram feitos.

Não havia possibilidade de os beneficiários não pagarem suas dívidas porque os reembolsos eram deduzidos automaticamente do valor da prestação social a ser paga, nada tendo a ver com o comportamento do consumidor. Como os pagamentos à Net1 reduziram o valor prometido das prestações assistenciais, os beneficiários recorreram a outros credores formais e informais, muitos dos quais também eram pagos automaticamente por meio dos mesmos poderes de ordem de débito da Net1.

Embora a Net1 afirmasse que oferecia crédito sem juros, suas “taxas de serviço” mensais eram, em geral, superiores a 5 % de juros ao mês. Embora tecnicamente permitidas pela Lei Nacional de Crédito, essas taxas de juros chegavam a mais de 30 % em um empréstimo padrão de 6 meses. Naquela época, as taxas de juros de um cartão de crédito eram de pouco mais de 20 % ao ano. Por meio de seu crédito extremamente oneroso, a Net1 obteve mais receita com a venda de produtos financeiros de inclusão do que com a distribuição de transferências assistenciais de 2015 a 2017.» [6]

Milhares de milhões de famílias com baixos rendimentos têm agora contas bancárias e recebem transferências de dinheiro. O resultado é um endividamento estrutural que se junta à capacidade de contrair empréstimos, agora vista como um novo «direito» social, na sequência do microfinanciamento, que supostamente oferece uma saída aos pobres.

É o sinal da emergência de uma nova forma de pobreza, ainda mais odiosa, consequência direta da exploração dos mais vulneráveis, que os leva a endividar-se cada vez mais para pagar as dívidas anteriores e sobreviver. Os elevados níveis de endividamento dos trabalhadores pobres e dos mais desfavorecidos tornaram-se um problema social preocupante nos países mais pobres do mundo, bem como em economias de rendimento médio como a África do Sul e o Brasil.

Isto ilustra a tragédia da nomeação de Banga para Presidente do BM, especialmente quando a urgência da crise climática exige uma nova geração de medidas ecossociais que respondam de forma genuína e equitativa às necessidades daqueles que continuam a pagar – no Sul Global – as consequências de más políticas de desenvolvimento e do consumo e produção excessivos de gases com efeito de estufa no Norte Global.

As decisões do BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento) têm de ser aprovadas por 85 % dos membros votantes. No entanto, os Estados Unidos têm poder de veto de facto, uma vez que detêm 15,47% dos direitos de voto. Assim, não haverá mudanças substanciais no Banco Mundial. Quer seja ou não presidido por um cidadão americano oriundo do grande capital e das finanças, será sempre uma instituição ao serviço dos interesses dos EUA. Continuará a conceder empréstimos, geralmente caros, em troca de cláusulas que apoiam e desregulamentam o capitalismo, aumentam as disparidades sociais e de gênero e agravam as crises ecológicas e climáticas.

O mito da preeminência da Índia

Apesar de constatarmos que várias pessoas de origem indiana ocupam altos cargos, é tempo de compreender que os dirigentes das multinacionais defendem necessariamente os interesses dos seus patrões. Podem ser de origem indiana, mas o que conta são os interesses e a lealdade. A mão do primeiro-ministro britânico Rishi Sunak não tremerá se tiver de decidir sobre uma política que favoreça o Reino Unido em detrimento da Índia. Do mesmo modo, nestes quatro anos, a Índia não ganhou um único iota pelo facto de o vice-presidente dos Estados Unidos ser de origem indiana, por mais remota e subvalorizada ou sobrevalorizada que essa origem possa ser.

Por isso, talvez seja mais sensato encarar a nomeação de Banga ou Sunak com maturidade e equilíbrio. Afinal, a sua «indianidade» é uma herança que carregam consigo, sobretudo porque a cor da sua pele ou o seu sobrenome não lhes permite outra coisa. Mas a sua ascensão ao poder econômico ou político – a alturas vertiginosas – só a eles pertence.


Notas

[1Oxfam reaction to the selection of Ajay Banga as President of the World Bank (Reação da Oxfam à eleição de Ajay Banga para Presidente do Banco Mundial).

[2Breaking the poverty cycle: India’s path to prosperity lies in dignified employment (Quebrar o ciclo da pobreza: o caminho para a prosperidade da Índia passa pelo emprego digno).

[3Will India Benefit From Ajay Banga Becoming World Bank President? (A Índia beneficiará com a chegada de Ajay Banga à presidência do Banco Mundial?).

[4A private sector engine for inclusive growth(Um motor do sector privado para o crescimento inclusivo.)

[6Ibid.

Outros artigos em português de Sushovan Dhar (4)

CADTM

COMITE PARA A ABOLIÇAO DAS DIVIDAS ILEGITIMAS

8 rue Jonfosse
4000 - Liège- Belgique

00324 60 97 96 80
info@cadtm.org

cadtm.org