Série: O relato da crise grega feito por Yanis Varoufakis: acabrunhante para ele próprio
Parte 8
18 de Fevereiro de 2019 por Eric Toussaint
Acostagem do porta-contentores Cosco no porto do Pireu, em Atenas
Na sétima parte desta série foi analisada a primeira capitulação, de 20-02-2015. Esta oitava parte centra-se no fracasso das negociações com as autoridades chinesas, no recurso à diplomacia secreta, nas relações com o FMI, na não aplicação da decisão de suspender o pagamento da dívida ao FMI, na falta de apoio de Varoufakis à Comissão para a Verdade sobre a Dívida Grega.
O Syriza tinha prometido que não permitiria a privatização do resto do porto Pireu
No capítulo 11 do seu livro, Yanis Varoufakis explica que tomou parte na preparação da venda do terceiro terminal do porto Pireu à sociedade chinesa Cosco, que desde 2008 geria os terminais 1 e 2. Como o próprio Varoufakis reconhece, o Syriza tinha prometido, antes das eleições, que não permitiria a privatização do porto Pireu. E acrescenta: «O Syriza fez campanha desde 2008 não só para impedir este novo acordo, mas também para correr de vez com a Cosco», acrescentando: «Dois dos meus colegas ministros deviam a sua eleição a essa promessa». Apesar disso, Varoufakis esforçou-se por fazer a venda à Cosco, com a ajuda de um dos principais conselheiros de Alexis Tsipras, Spyro Sagias, que até ao ano anterior tinha sido conselheiro jurídico da Cosco. Por conseguinte havia um manifesto conflito de interesses no caso de Sagias, como Varoufakis reconhece (p. 313). Aliás, o primeiro contrato com a Cosco, em 2008, levava a assinatura de Sagias. Além disso Sagias foi nos anos 1990 conselheiro do primeiro-ministro Konstantinos Simitis, do PASOK, que organizou a primeira grande vaga de privatizações. Em 2016, depois de ter abandonado as funções de secretário do governo de Tsipras, Sagias regressou ao seu escritório de advogados ainda com mais vigor, nomeadamente ao serviço da Cosco [1]. Varoufakis não parece incomodado por ter de explicar que reviu em inícios de Março de 2015 os termos do anúncio de abertura a concurso público, para que este correspondesse melhor aos interesses da Cosco: «Sagias e eu fizemos um breve relatório a Alexis [Tsipras] antes de nos atirarmos aos preparativos [da finalização do acordo com a Cosco acerca do Pireu]. O objectivo era reformular o anúncio de abertura de ofertas de compra do Pireu conforme as condições que os Chineses tinham aceitado» (p. 316).
Varoufakis resume desta forma a proposta que apresentou a Pequim, via embaixador chinês colocado em Atenas: «A Grécia possui uma mão-de-obra muito qualificada, cujos salários diminuíram 40 %. Porque não pedir a empresas como a Foxconn para construírem ou reunirem instalações numa tecnópole, onde beneficiariam de um regime fiscal específico, longe do Pireu?» (p. 312). Nesta proposta encontramos a panóplia de argumentos usados por todos os governos neoliberais que pretendem atrair investidores: uma mão-de-obra qualificada cujos salários diminuíram e isenções fiscais para os patrões.
Varoufakis explica que propôs às autoridades chinesas a recompra dos caminhos de ferro gregos, para facultar à China acessos mais fáceis ao resto do mercado europeu por via ferroviária e acrescentar um troço suplementar à Nova Rota da Seda. Este último projecto não foi concretizado. [2] Varoufakis esperou em vão que Pequim comprasse em Março de 2015 títulos gregos do Tesouro (treasury bills) no montante de vários milhares de milhões de euros (ele esperava um total de 10 mil milhões, p. 315), que o Governo utilizaria para reembolsar o FMI. Para grande desespero de Varoufakis, os dirigentes chineses não cumpriram a promessa e contentaram-se com duas compras no valor de 100 milhões de euros.
As propostas apresentadas por Varoufakis às autoridades chinesas são inadmissíveis: pedir emprestado à China para reembolsar o FMI; abdicar do controlo dos caminhos de ferro da Grécia; proceder a mais privatizações!
O projecto de Varoufakis falhou porque as autoridades chinesas e alemãs se puseram de acordo para que a China não oferecesse balões de oxigénio ao Governo de Tsipras. Varoufakis escreve: «Berlim telefonou a Pequim com uma mensagem clara: evitem fazer negócio com os Gregos antes de nós os pormos de rastos» (p. 317).
As empresas chinesas, alemãs, italianas e francesas fizeram aquisições a preços de saldo.
Finalmente, o acordo com a Cosco não foi efectuado durante o ministério de Varoufakis. Veio a ter lugar em 2016, em condições que, segundo ele, foram mais favoráveis à empresa chinesa que o pré-acordo que ele tinha preparado (cap. 11, nota 8, p. 516). Isto mostra que as autoridades chinesas se conluiaram com as autoridades de Berlim: deixaram asfixiar a Grécia e aproveitaram para partilhar o bolo com os outros predadores dos bens públicos gregos. As empresas chinesas, alemãs, italianas e francesas fizeram aquisições a preços de saldo. Mas se as autoridades chinesas tivessem concretizado em 2015 as esperanças de Varoufakis, isso tão-pouco teria beneficiado a Grécia e a sua população.
As autoridades russas, por seu lado, tendo sido contactadas por Tsipras e Panagiotis Lafazanis pouco depois dos contactos de Varoufakis com Pequim, também recusaram ajudar o Governo grego [3]. Vladimir Putin negociou com Angela Merkel um ligeiro abrandamento das sanções da UE contra a Rússia no conflito com a Ucrânia, a troco da recusa de Moscovo em prestar ajuda ao Governo do Syriza.
Quanto às esperanças de Varoufakis e de Tsipras de obter ajuda de Barack Obama, foi outra desilusão. Segundo Varoufakis, a Administração de Barack Obama deu a entender que a Grécia fazia parte da esfera de influência de Berlim e o próprio Obama recomendou a Varoufakis que fizesse concessões à Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. . [4]
Diplomacia secreta e comunicação enganadora, tudo com a cumplicidade de Tsipras e Varoufakis
Varoufakis relata a reunião do Eurogrupo que se seguiu à capitulação de 20 Fevereiro, falsamente apresentada à população grega como um triunfo: o fim da Troika e o fim da prisão da dívida para a Grécia. Na reunião do Eurogrupo que decorreu a 9 Março em Bruxelas, Varoufakis não obteve nenhum gesto de boa vontade, nenhuma concessão dos dirigentes europeus, do BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
ou do FMI. Apesar disso, Varoufakis e Tsipras não se fartaram de dizer que a reunião tinha sido um sucesso. Varoufakis relata que Tsipras lhe teria dito: «Vamos apresentar isto como um sucesso: em conformidade com o acordo de 20 Fevereiro, as negociações políticas vão começar em breve, a fim de sairmos do impasse» (p. 330).
Impressiona o tempo gasto por Varoufakis e Tsipras em reuniões intermináveis no estrangeiro, ao longo das quais vão fazendo concessões, enquanto a Troika prossegue metodicamente a sua obra demolidora das esperanças do povo grego. Não ocorreu no espírito de Tsipras e de Varoufakis gastarem algum tempo para irem ao encontro do povo grego, para tomarem a palavra em encontros a que a população grega fosse convidada. Não se deslocaram pelo país para irem ter com os eleitores, para os ouvirem e lhes explicar o que se estava a passar nas negociações, apresentar as medidas que o governo pretendia tomar para lutar contra a crise humanitária e relançar a economia do país.
Varoufakis e Tsipras não procuraram apetrechar-se com os meios necessários para comunicarem com a opinião pública internacional e mobilizarem a solidariedade internacional com o povo grego. Nunca aproveitaram as passagens por Bruxelas ou outras capitais para falarem directamente a numerosos activistas que queriam compreender o que se passava realmente e que queriam exprimir a sua solidariedade com o povo grego.
Varoufakis e Tsipras têm grandes responsabilidades no insuficiente desenvolvimento de uma solidariedade massiva e activa. Para que um grande número de cidadãos se mobilizasse a favor da Grécia, seria preciso dirigir-lhes a palavra, informá-los, contrariando assim a campanha massiva que denegriu e estigmatizou toda a população grega e não só o seu Governo.
Varoufakis e o FMI
Dever-se-ia ter anunciado a suspensão do pagamento da dívida
A 12 Fevereiro 2015, a Grécia reembolsou 747,7 milhões de euros por um dos créditos
Créditos
Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor).
concedidos pelo FMI no quadro do primeiro memorando. Foi um erro grave; dever-se-ia ter anunciado a suspensão do pagamento dessa dívida, evocando dois argumentos: 1) o estado de necessidade [5] no qual se encontrava o governo grego e a urgência de dar prioridade à luta contra a crise humanitária; 2) o arranque de um processo de auditoria da dívida, com participação cidadã, durante o qual seria aconselhável suspender o pagamento [6]. Era possível justificar essa auditoria graças ao regulamento 472/2013 da União Europeia: «Os Estados-Membros sujeitos a programas de ajustamento macroeconómico devem realizar uma auditoria exaustiva às suas finanças públicas, a fim de, designadamente, avaliar os motivos que levaram à acumulação de níveis excessivos de dívida e detetar eventuais irregularidades.» [7]. Nem Varoufakis nem Tsipras levaram a sério a suspensão do pagamento combinada com uma auditoria, a fim de determinar se a dívida reclamada era legítima ou não.
Era possível ter feito uma campanha de comunicação dirigida pelo Governo, para deslegitimar os créditos do FMI concedidos a partir de 2010. Tsipras e Varoufakis tinham documentos secretos do FMI que atestavam o carácter altamente ilegítimo e odioso dos créditos em questão. O problema é que Varoufakis estava persuadido de não fazer sentido falar de ilegitimidade e do carácter odioso das dívidas reclamadas à Grécia.
O Wall Street Journal, em Outubro de 2012, pôs em praça pública os documentos secretos do FMI, como menciono noutro artigo. Poucos dias após a sua publicação, encontrei-me com Tsipras para lhe falar de uma possível colaboração do CADTM na realização de uma auditoria da dívida. Disse a Tsipras e ao seu conselheiro económico nessa época, John Milios: «Vocês têm aqui um argumento à prova de bala para se oporem ao FMI, porque se conseguirmos provar que o FMI sabia que o seu programa não podia resultar e sabia que a dívida não era sustentável, então podemos assestar baterias sobre a ilegitimidade e ilegalidade da dívida» [8]. Tsipras respondeu-me: «Escuta... o FMI não acerta o passo com a Comissão Europeia». Percebi logo que ele pensava que o FMI podia ser um aliado do Syriza, no caso de o Syriza chegar ao governo. Nada disto tinha fundamento sério.
Em Fevereiro de 2015, Tsipras e Varoufakis ainda estavam nesse ponto. Pensavam que conseguiriam persuadir o FMI, nomeadamente graças ao apoio de Barack Obama e à influência dos conselheiros norte-americanos escolhidos por Varoufakis: Jeffrey Sachs e Larry Summers. Estavam completamente enganados. Varoufakis foi testemunha disso mesmo uma primeira vez, de maneira evidente, a 20 Fevereiro e nos dias seguintes, quando Christine Lagarde, directora-geral do FMI, declarou no seio do Eurogrupo que nem pensar em derrogar o memorando em curso.
Apesar desta demonstração do comportamento hostil do FMI, Varoufakis e Tsipras continuaram a reembolsar o FMI durante o mês de Março de 2015. Varoufakis explica que o seu ministério pagou ao FMI 301,8 milhões de euros em 6 Março, 339,6 milhões em 13 Março, 565,9 milhões em 16 Março e 339,6 milhões em 20 Março. Ao todo, mais de 1500 milhões de euros foram pagos durante o mês de Março de 2015, recorrendo a toda a liquidez disponível e ao mesmo tempo que as esperanças de Varoufakis de receber dinheiro do lado da China se evaporavam, que o BCE confirmava que não devolveria os juros devidos à Grécia relativos a títulos comprados entre 2010 e 2012, que não restabeleceria o acesso dos bancos gregos à liquidez normal. No entanto o Governo grego, para lutar contra a crise humanitária e relançar o emprego, necessitava desesperadamente desse dinheiro que fluía para o cofre do FMI. Varoufakis declara: «Foi um milagre o meu ministério ter conseguido desencantar 1500 milhões para pagar ao FMI, sobretudo porque era necessário continuar a pagar aos reformados e aos funcionários públicos» (cap. 13, p. 348).
A decisão de suspender o pagamento da dívida ao FMI
Varoufakis relata-nos uma reunião surrealista entre Tsipras e os seus principais ministros, a 3 Abril 2015. Explica ele que antes da reunião tentou convencer Tsipras a não fazer o próximo pagamento ao FMI, previsto para 9 Abril 2015, no montante de 462,5 milhões de euros. O seu argumento: era preciso pressionar os dirigentes europeus e o BCE para obter qualquer coisa (por exemplo, a devolução à Grécia dos 2000 milhões de lucros do BCE sobre títulos gregos de 2010-2012), uma vez que nada tinham conseguido ao longo do mês de Março. Varoufakis declara que teve a impressão de não conseguir convencer Tsipras. Relata os modos e o comportamento de Tsipras durante o «conselho de ministros informal» (sic!, p. 348):
«Estávamos num rumo que não ia dar em nada, mas quanto mais ele falava, mais lúgubre se tornava a atmosfera. Quando ele terminou, tinha-se abatido sobre a sala um manto de resignação. Vários ministros se manifestaram, sem conseguirem disfarçar uma profunda melancolia. Alexis retomou a palavra para concluir. Terminou tal como havia começado – lento, sombrio, quase deprimido –, recordando que a situação era crítica e potencialmente perigosa, mas pouco a pouco tomou balanço e recobrou energia.
– Antes de vocês chegarem, estava eu a discutir com o Varoufakis. Ele esteve a tentar convencer-me que chegou a altura de entrar em incumprimento com os pagamentos ao FMI. Respondi-lhe que não é boa altura. (…) Mas sabem uma coisa, camaradas? Acho que ele tem razão. O que é de mais cheira mal. Nós respeitámos escrupulosamente as regras deles. Fizemos tudo como eles queriam. Recuámos para lhes mostrar que estamos prontos para aceitar compromissos. E que fazem eles? Arrastam as coisas, para melhor nos poderem acusar de que somos nós que arrastamos as coisas. A Grécia é um país soberano e hoje cabe-nos a nós, gabinete ministerial, declarar: “Basta!” – levantou-se da cadeira e, com a voz cada vez mais firme, apontou-me o dedo, aos gritos: – Não só vamos faltar ao pagamento, como além disso tu vais apanhar o avião para Washington e anunciar pessoalmente à grande dama do FMI a nossa decisão!
Estalaram gritos de alegria na sala. Alguns trocaram olhares estupefactos, conscientes de viverem um momento histórico. A tristeza e o negrume tinham desaparecido, alguém tinha afastado a cortina para deixar entrar a luz. Como toda a gente, talvez mesmo mais, deixei-me levar pela exaltação. Foi como uma revelação, uma eucaristia, por muito estranho que isto possa parecer no meio de um bando de ateus ferrenhos.» (cap. 13, pp. 349-350)
Silêncio total de Varoufakis sobre a Comissão para a Verdade sobre a Dívida
Varoufakis passa totalmente em branco a existência da comissão à qual tinha prometido o seu auxílio
A continuação desta história tem tanto de farsa quanto de escândalo. Varoufakis partiu no dia seguinte para Washington, via Munique, a fim de se encontrar de urgência com Christine Lagarde, directora-geral do FMI. Embora relate ao pormenor a reunião de dia 3 Abril em Washington com a directora do FMI, Varoufakis não diz uma única palavra sobre a reunião em que participou a 4 Abril. Este mutismo não é anódino, pois nesse mesmo dia teve lugar no Parlamento grego a sessão pública inaugural da Comissão para a Verdade sobre a Dívida Pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
Grega, com a presença de Alexis Tsipras, de Zoé Konstantopoulou, presidente do Parlamento, de Prokopis Pavlopoulos, presidente da República e de dez ministros, entre os quais Yanis Varoufakis, que tomou a palavra. Eu era o coordenador científico dessa comissão e por isso também usei a palavra, a seguir às intervenções do presidente da República e da presidente do Parlamento grego e antes das intervenções de três dos meus colegas da Comissão, assim como da de Varoufakis.
Na realidade, no seu volumoso livro, Varoufakis passa totalmente em branco a existência da comissão à qual tinha prometido o seu auxílio. Bem pode ele afirmar no seu blog e nas entrevistas posteriores que apoiou a Comissão, que nem por isso deixa de ser uma rematada mentira.
[A. Tsipras] Como hei-de evitar ter em conta as conclusões da Comissão?
[E. Toussaint] Já sei que não queres enfrentar os credores, mas a Comissão segue em frente
[Zoe K.] Alexis, tens de radicalizar-te!
É também significativo, a meu ver, que a 3 Abril, enquanto decorria essa importante reunião onde foi decidido suspender o pagamento da dívida ao FMI, George Katrougalos, que era membro do Governo, nem sequer estava a par dos acontecimentos. Eu estava com ele no seu Ministério durante essa reunião. Na noite de 3 de Abril também tive uma longa entrevista com a presidente do Parlamento, a fim de preparar os últimos pormenores da sessão inaugural da Comissão e ela tão-pouco estava ao corrente dessa reunião e da decisão de suspender a dívida. Panagiotis Lafazanis, um dos seis «superministros» (era esta a expressão utilizada por Tsipras), não foi convidado para essa reunião. Isto revela o tipo de funcionamento de Tsipras e do seu círculo: eram tomadas decisões essenciais à porta fechada, em segredo, sem consultar grande parte dos membros do Governo, sem consultar a presidente do Parlamento e sem consultar a direcção do Syriza.
Também é preciso sublinhar que os trabalhos da Comissão para a Verdade sobre a Dívida tiveram enorme eco na população grega, do qual fui testemunha. Muitas vezes as pessoas me exprimiram a sua simpatia ou o seu agradecimento quando me deslocava a pé na rua, nos transportes públicos ou no mercado semanal do bairro popular de Atenas onde residi entre Abril e Julho de 2015. Isto mostra que numerosas pessoas seguiam com atenção os trabalhos da Comissão e reconheciam os seus principais membros, que por outro lado eram vítimas de uma campanha de descrédito sistemática por parte dos meios de comunicação de direita.
Da tragédia à farsa, um simples voo de avião
Eu nunca tinha ouvido nada tão disparatado.
Retomemos a narração de Varoufakis. À chegada a Washington no domingo, 5 de Abril, Tsipras comunica-lhe uma contra-ordem.
Eis o diálogo entre Tsipras e Varoufakis, tal como ele nos é narrado pelo segundo:
« – Escuta, Yanis, afinal decidimos não suspender o pagamento para já, ainda é muito cedo.
– Como “decidimos”? – respondi eu, aturdido. – Quem decidiu?
– Eu, o Sagias, o Dragasakis … pensámos que é uma decisão inconveniente, em vésperas de Páscoa.
– Agradeço muito que me tenhas informado – disse eu, fora de mim. No tom mais neutro e desprendido que fui capaz, perguntei-lhe: – E agora o que é que eu faço? Volto a meter-me no avião e regresso? Não vejo qual o interesse de me encontrar com Lagarde.
– Não, nem pensar, não desmarques a reunião. Apresenta-te conforme combinado. Vais falar com a grande dama e dizer-lhe que vamos suspender o pagamento.
Eu nunca tinha ouvido nada tão disparatado.
– O que é que queres dizer com isso? Anuncio-lhe que vamos entrar em falta de pagamento por termos decidido o contrário?
– Exactamente. Ameaça-a, para ela ficar suficientemente angustiada para chamar o Draghi e lhe pedir que ponha fim à restrição de liquidez. Nessa altura agradecemos-lhe e anunciamos que vamos pagar ao FMI.»
E assim Varoufakis aceita ir jogar uma comédia grotesca na sede do FMI e declara a Christine Lagarde: «estou autorizado a informá-la que dentro de quatro dias entraremos em incumprimento do pagamento, relativamente ao calendário de reembolsos ao FMI, e assim continuaremos enquanto os nossos credores continuarem a arrastar as negociações e o BCE nos limitar a liquidez».
Ora, a partida de Varoufakis para Washington tinha sido tornada pública. O que Varoufakis não diz no seu livro, é que Dimitris Mardas, vice-ministro das Finanças escolhido por Varoufakis [9], tinha declarado à imprensa internacional que a Grécia pagaria o que devia ao FMI a 9 Abril 2015. A agência de notícias oficial alemã, Deutsche Welle, escreveu o seguinte: «O vice-ministro das Finanças, Dimitris Mardas, assegurou este sábado que a Grécia tem dinheiro suficiente. “O pagamento devido ao FMI será efectuado a 9 de Abril. Temos o dinheiro suficiente para o pagamento dos salários, das pensões e de todas as despesas que deverão ser feitas na próxima semana”, declarou Mardas.»
Regressemos à narração de Varoufakis a propósito do seu encontro com Christine Lagarde:
«Tivemos oportunidade de falar de numerosos assuntos. Foi uma conversa calorosa, construtiva, agradável, onde cada um de nós procurou compreender o ponto de vista do outro. (…)
– Compreende por que razão temos de a ter do nosso lado, Christine? Compreende que desejamos manter a Grécia na zona euro
Zona euro
Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia.
?»
Mais adiante, ele declara ter dito à directora do FMI: «Agora muito a sério: vocês – Mario [Draghi], Angela [Merkel] e você própria, Christine – têm de nos dar um roteiro.»
Isto significava manter a submissão à Troika.
Estamos nos antípodas das declarações públicas de Tsipras e Varoufakis, quando estes diziam que a Grécia tinha reencontrado a liberdade e que a Troika já não existia.
Sem dar sinais de vergonha, Varoufakis prossegue o relato, mencionando o seguinte diálogo entre ele e Poul Thomsen, director europeu do FMI, que assistiu à reunião:
«Thomsen: – Não reembolsar a 9 de Abril não é uma solução, se é isso que tencionam anunciar aos vossos colegas europeus.
Varoufakis: – Não foi isso que eu disse.
Lagarde: – Ele nunca disse isso – confirmou Christine.
Varoufakis: – O que eu disse, mais exactamente, foi que se não tivermos mais liquidez até essa data, entramos em falta de pagamento, queiramos ou não.»
Segundo a sua própria descrição, Varoufakis foi dizer a Christine Lagarde que a Grécia não tinha intenção de se declarar em incumprimento de pagamento, mas que a isso poderia ser obrigada, se o BCE não lhe fornecesse liquidez.
Mais uma vez vê-se claramente que Varoufakis nunca pôs em causa a dívida reclamada pelo FMI à Grécia, nunca exigiu uma redução dessa dívida, nunca denunciou o carácter ilegítimo dos créditos reclamados pelo FMI à Grécia, embora estes resultassem dos termos do primeiro memorando, que tantos danos causou ao povo grego. Também nunca ameaçou o FMI de se declarar voluntariamente em suspensão de pagamento.
Limitou-se a evocar diante do FMI a possibilidade de uma suspensão do pagamento que seria causada por uma falta de liquidez e não pela vontade de pôr em causa as dívidas odiosas e ilegítimas reclamadas à Grécia.
Existe uma grande diferença entre declarar-se em incumprimento de pagamento por falta de liquidez, que era a hipótese avançada por Varoufakis, e suspender o pagamento da dívida com o argumento de que a continuação do reembolso era contrária aos interesses da população e às obrigações Obrigações Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário. do Governo em relação ao seu povo.
Varoufakis mostrou a Christine Lagarde que o Governo grego não tinha coragem para recorrer à suspensão do pagamento (tal como tinha mostrado a Mario Draghi, a 4 de Fevereiro, que não tencionava realmente recorrer a uma depreciação dos títulos da dívida grega que estavam na posse do BCE). A cada grande etapa da negociação, Varoufakis deu provas de fraqueza, mostrou que as suas ameaças de incumprimento não eram para levar a sério, o que convenceu os dirigentes europeus e do FMI a levar ainda mais longe a asfixia da Grécia.
Uma prova, entre outras, dessa atitude inaceitável: embora Varoufakis declare a 5 de Abril a Christine Lagarde que a Grécia ver-se-ia obrigada a faltar ao pagamento de 9 de Abril se o BCE não pusesse liquidez à disposição do Governo, o seu Ministério efectuou o pagamento na data prevista sem que o BCE tenha reaberto o acesso normal à liquidez e o Governo continuou a esvaziar os cofres públicos para pagar a dívida.
A narrativa dos acontecimentos apresentada por Varoufakis induz constantemente o leitor em erro, pois ele afirma que deu a entender a Lagarde que a Grécia iria suspender o pagamento em 9 de Abril. Esquece-se de recordar no seu livro que declarou o contrário à imprensa. Eis uma citação da notícia da agência Deutsche Welle, com data de 6 de Abril de 2015: «O ministro das Finanças grego promete reembolsar o FMI na data prevista. A Grécia concordou em reembolsar a sua dívida ao Fundo Monetário Internacional esta semana, segundo a directora do Fundo. Christine Lagarde teve uma conversa informal com o ministro das Finanças grego, em Washington. Esta semana, a Grécia deverá reembolsar mais de 450 milhões de euros (494 milhões de dólares) ao FMI. Após o encontro de domingo, Yanis Varoufakis declarou que a Grécia “tenciona cumprir todas as suas obrigações em relação a todos os credores, ad infinitum”.»
Não só Varoufakis afirmou com toda a clareza à imprensa que a Grécia pagaria a dívida ao FMI, como ainda acrescentou que o seu país reembolsaria todos os credores ad infinitum. Em suma, a narrativa de Varoufakis sobre o que se passou entre 3 e 5 de Abril é uma balela, uma efabulação na qual ele faz o papel de herói, esperando que os leitores não vão verificar a história.
O resto do resumo da entrevista com Christine Lagarde e Poul Thomsen é muito esclarecedora. Varoufakis exprime clara empatia em relação a Christine Lagarde e deixa-se embalar por ela. Ela convence-o de que não está a par das exacções dos banqueiros privados gregos e pede-lhe que a mantenha a par da situação. Varoufakis, por seu lado, explica que gostaria de ter o acordo da Troika para pôr à cabeça dos bancos gregos patrões do Norte da Europa, com prioridade para banqueiros alemães. Dá como exemplo a seguir a decisão de pôr à cabeça do Banco de Chipre o suíço Joseph Ackerman, ex-patrão do Deutsche Bank (cap. 13, p. 365, e nota 12, p. 519-520). Ackerman esteve envolvido em várias fraudes organizadas pelo Deutsche Bank (implicado nessa época em mais de 6000 litígios judiciais por todo o mundo) e teve um papel nefasto na preparação da reestruturação da dívida grega em 2012, coisa que Varoufakis não refere, evidentemente.
Quando regressa a Atenas, a 6 de Abril, declara a Alexis Tsipras que a sua deslocação a Washington foi muito útil. Obviamente já tinha esquecido o efeito produzido pela contra-ordem dada por Tsipras e estava persuadido de que a sua conversa com Christine Lagarde teria consequências benéficas para a Grécia. No seu livro tão-pouco faz referência ao pagamento efectuado a 9 de Abril em proveito do FMI, continuando assim a negar factos fundamentais no desenrolar do processo das chamadas «negociações».
O diálogo de Varoufakis com Obama
A 15 de Abril de 2015, Varoufakis voltou a Washington para participar na reunião anual de Primavera do FMI e do Banco Mundial, nas quais são convidados os ministros das Finanças dos países membros dessas duas instituições. Varoufakis recorda o breve diálogo que teve com Obama por ocasião de uma recepção na Casa Branca, da qual dou este extracto esclarecedor:
«Obama: […] Tive de ir contra os meus princípios para salvar Wall Street. Tive de colaborar com os responsáveis pelos problemas.
Varoufakis: Foi notável, senhor Presidente. Acredite que estamos dispostos a colaborar com os responsáveis pela crise grega. E a pagar o preço político dessa atitude.
[…]
Obama: […] Mas têm de fazer compromissos com as instituições para conseguirem obter um acordo.
Varoufakis: Senhor Presidente, estamos prontos a fazer compromissos, e mais compromissos, sempre compromissos. Mas não estamos dispostos a acabar comprometidos.»
No entanto é elementar prever que quem faz compromissos, e mais compromissos, sempre compromissos com os inimigos do povo, acaba por se comprometer seriamente a si mesmo.
No seguimento da sua narração, Varoufakis acrescenta o subtítulo «Os improváveis amigos americanos». Refere-se nomeadamente a um jurista chamado Lee Buccheit, que trabalha num grande escritório de advogados que aconselha tanto os credores como os governos em matéria de reestruturação da dívida: a Gottlieb, presente em sete praças financeiras em todo o Mundo. É uma firma internacional cujas intervenções nefastas são bem conhecidas de todos e todas quantos têm experiência na luta contra as dívidas públicas ilegítimas. Varoufakis explica aliás que Lee Buccheit desempenhou um papel activo Activo Em geral o termo «activo» refere um bem que possui um valor realizável, ou que pode gerar rendimentos. Caso contrário, trata-se de um «passivo», ou seja, da parte do balanço composta pelos recursos de que dispõe uma empresa (os capitais próprios realizados pelos accionistas, as provisões para risco e encargos, bem como as dívidas). na nefasta reestruturação da dívida grega em 2012, que afectou terrivelmente os fundos de pensão públicos gregos e o sistema de segurança social do país, preservando os interesses dos banqueiros privados e dos fundos abutre. De facto, Varoufakis não se poupou a esforços para encontrar apoios e conselhos do lado não de amigos improváveis, mas de verdadeiros inimigos dos povos e dos bens públicos; estes «amigos» chamam-se, nomeadamente: Larry Summers, antigo secretário de Estado do Tesouro de Bill Clinton, co-responsável pela revogação da lei que separava os bancos de depósito dos bancos de financiamento (conhecida como Lei Glass Steagall, aprovada no mandato de Roosevelt em 1933 e revogada em 1999); Jeffrey Sachs, o cérebro da terapia de choque neoliberal aplicada em 1985 na Bolívia e anos mais tarde na Polónia e na Rússia; Mathieu Pigasse, patrão da sede parisiense do banco Lazard; já para não falar do lorde conservador britânico Norman Lamont.
Conclusões: Após a capitulação contida no acordo assinado em 20 de Fevereiro de 2015 com o Eurogrupo, Varoufakis procurou em vão meios financeiros junto da China, tanto para reembolsar as dívidas ao FMI, como para privatizar ainda mais infraestruturas estratégicas, como é o caso do Pireu, principal porto da Grécia, e dos caminhos de ferro. Também quis procurar apoio no FMI, para convencer o BCE a folgar o garrote da restrição de liquidez. Nada disso funcionou. Esperava também obter o apoio da Administração de Obama, que o aconselhou a redobrar as concessões aos dirigentes europeus. Varoufakis funcionou constantemente dentro do quadro mal-são da diplomacia secreta. Contrariamente à imagem que tenta dar das suas acções, ele fez concessões a tempo inteiro e da forma mais lastimável. A asfixia da Grécia continuou.
Agradecimentos: O Autor agradece a Eva Betavatzi, Marie-Laure Coulmin, Alexis Cukier, Stathis Kouvelakis, Nathan Legrand, Damien Millet, Brigitte Ponet e Patrick Saurin pela leitura crítica que fizeram e pelas suas sugestões. No entanto o conteúdo deste texto é da inteira responsabilidade do seu autor.
Tradução: Rui Viana Pereira
[1] Sagias voltou a ser conselheiro de grandes interesses estrangeiros para favorecer novas privatizações. Serviu os interesses do emir do Qatar em 2016, que queria comprar a ilha grega de Oxyas, em Zakinthos, integrada na zona Natura. Foi também conselheiro da Cosco em 2016-2017, num litígio com os trabalhadores do porto Pireu, quando se tratou de encontrar uma fórmula de reforma antecipada (ou de despedimento encapotado) para mais de uma centena de trabalhadores próximos da idade da reforma. Fonte: http://www.cadtm.org/Varoufakis-rodeou-se-de
[2] A empresa privada italiana Ferovialia comprou os caminhos de ferro públicos gregos OSE por 45 milhões de euros em Junho de 2016, quando era ministro da tutela Stathakis, uma das figuras próximas de Tsipras (https://tvxs.gr/news/ellada/giati-i-trainose-polithike-monon-enanti-45-ekatommyrion-eyro), tendo em mira um subsídio de 250 milhões de euros do Estado grego durante os cinco anos seguintes (50 milhões por ano). Ver também: http://net.xekinima.org/trainose-to-xroniko-mias-idiotikopoi/
[3] Ver p. 342 e nota 5, cap. 12, p. 518.
[4] Ver as propostas de Obama segundo Varoufakis, cap. 14, pp. 368-369.
[5] O estado de necessidade é reconhecido pelo direito internacional como uma situação que permite suspender o pagamento da dívida.
[6] Recordemos que no programa do Syriza para as eleições de Junho de 2012 se lia, nas cinco prioridades definidas: «a constituição de uma comissão internacional de auditoria da dívida, combinada com a suspensão do pagamento da dívida até ao fim dos trabalhos da comissão».
[7] «Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Cconselho, de 21 de maio de 2013», art. 7º, n.º 9, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32013R0472&qid=1550412953310&from=PT
[8] Em 2017 o CADTM publicou e comentou estes documentos secretos, que foram conhecidos graças às revelações do Wall Street Journal em 2012: http://www.cadtm.org/Secret-IMF-Documents-on-Greece
[9] No que diz respeito a D. Mardas, convém saber que a 17 de Janeiro de 2015, oito dias antes da vitória do Syriza, Mardas publicou um artigo particularmente agressivo contra a deputada do Syriza Rachel Makri, com o título «Rachel Makri vs Kim Jong Un e Amin Dada». O artigo terminava com uma pergunta eloquente (sublinhada por ele próprio): «São estes que vão governar-nos?». De dias mais tarde este mesmo Mardas tornou-se, graças a Varoufakis, ministro suplente das Finanças. Varoufakis explica no seu livro que após um mês como ministro, deu-se conta que tinha feito uma má escolha. Assinale-se que Mardas, que apoiou a capitulação de Julho de 2015, foi eleito deputado do Syriza nas eleições de Setembro de 2015.
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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