O povo continua na miséria e vai pagando sua cota no sacrifício imposto pela lógica do ajuste
9 de Julho de 2018 por Paulo Kliass
Créditos da foto: Alex de Jesus / O Tempo
A crise de abastecimento acentuada pelo movimento dos caminhoneiros, a tentativa de paralisação dos petroleiros abortada pela arbitrariedade da Justiça do Trabalho e a comemorada renúncia de Pedro Parente do comando da Petrobrás terminaram por ofuscar a divulgação das tenebrosas informações oficiais a respeito dos efeitos provocados pela política fiscal do governo Temer.
No dia 30 de maio, às vésperas do feriado de Corpus Christi, o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). tornou pública a versão mais recente de sua tradicional Nota sobre as Estatísticas Fiscais. Dentre as inúmeras informações constantes do documento elaborado todos os meses, salta aos olhos a continuidade da monumental despesa financeira do governo central. Esse tipo de gasto está intimamente associado ao pagamento de valores derivados dos compromissos com juros da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. .
O aprofundamento da política do austericídio, a partir da consumação do golpeachment perpetrado contra Dilma Roussef e contra a ordem constitucional, só serviu para agudizar a crise econômica e suas consequências políticas e sociais. Ao contrário do que havia sido prometido pelos arautos da solução golpista, a chegada do time dos sonhos ao comando da economia não resolveu os problemas enfrentados pelo País. A duplinha dinâmica do financismo manteve a estratégia iniciada ainda por Joaquim Levy, ampliando a recessão e generalizando a desgraça do desemprego.
Austericídio e superávit primário
Meirelles & Goldfajn conseguiram patrocinar a maior redução do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
de nossa História. O discurso oficial articulou-se de forma bem azeitada com a narrativa propagada pelos grandes meios de comunicação. De acordo com tal enredo farsesco, a situação das contas públicas era catastrófica, o risco de inflação elevada era iminente e a única solução possível residia no estrangulamento fiscal a qualquer custo. Com isso, a política monetária de juros estratosféricos deveria se combinar à política fiscal restritiva. Esse diagnóstico criminoso foi coroado com a Emenda Constitucional 95/16, que impôs o congelamento das despesas orçamentárias por vinte longos anos.
No entanto, havia um detalhe especialmente maquiavélico nesse jogo de cena todo. Trata-se da continuidade da lógica e do funcionamento da armadilha do superávit primário. De acordo com tal visão, a sociedade brasileira deveria mesmo sofrer todos os sacrifícios dos cortes em áreas essenciais como saúde, educação, previdência social, pessoal, investimentos e outros. O argumento continha um certo quê de sofrimento merecido. Seria uma espécie de castigo por ter se permitido viver a época daquilo que era equivocadamente qualificado como “populismo irresponsável” na condução da política econômica desde 2003.
Mas o pulo do gato embutido pelo poder do financismo era praticamente ignorado pela grande imprensa, sempre tão zelosa em suas loas à eficiência e à competência da equipe à frente do Ministério da Fazenda. Esse carnaval todo desfilado a favor da seriedade com que a política fiscal estava sendo levada a cabo ignorava que as referências eram sempre feitas à dimensão “primária” dos gastos. Traduzindo-se o economês, percebe-se que as despesas com juros seguia livre, leve e solta. Ou seja, com os interesses da turma da finança ninguém ousava mexer. Afinal, eles mesmos eram os formuladores e os executores da política de destruição nacional.
R$ 30 bi no mês e R$ 381 bi no ano
Durante o último mês de abril, o Estado brasileiro comprovou, em mais uma oportunidade, a serviço de quem opera. Foram R$ 29,7 bilhões relacionados a despesas com juros da dívida pública. Isso significa a bagatela de R$ 1,24 bi por cada dia útil naquele período. Considerando-se a gravidade da crise social e a crueldade com que as autoridades da economia seguem promovendo cortes draconianos nos programas emergenciais e de amplo alcance, esses números revelam-se ainda mais chocantes. Mas a prioridade do Palácio do Planalto ficou mais uma vez cristalina para todos: com juros ninguém mexe! E ponto final!
A observação detalhada do boletim divulgado pelo BC nos permite concluir que, ao longo dos 12 meses compreendidos entre maio de 2017 e abril de 2018, o total gasto com juros foi de R$ 381 bi. Uma loucura! Ainda mais se levarmos em conta que esse tipo de “despesa nobre” não sofre contingenciamento algum e nem está submetida a nenhum tipo de congelamento como todas as demais. O governo federal fica nesse jogo de empurra com a questão das fontes de receita para resolver a (necessária) mudança na política de preços da Petrobrás. E vai sacrificar as contribuições que sustentam a seguridade social ou quer repassar a batata quente para o colo dos governadores, via redução do ICMS. Mas responsabilidade fiscal com gasto parasita ninguém se atreve a mencionar.
Alguns poderão argumentar que essa despesa financeira está em queda. E é importante reconhecer que tal fato é verdade! Senão, vejamos. Ao longo de 2016, por exemplo, o total de gastos com juros da dívida foi de R$ 407 bi. Em 2017 esse número registrou R$ 401 bi. A diminuição foi pífia. No entanto, o problema é que ao longo desse período houve uma paulatina redução da taxa oficial de juros. Com a queda da SELIC, nada mais razoável do que se esperar por uma queda no volume de juros associados ao estoque da dívida pública.
E segue a dominância do financismo
E com isso percebe-se, mais uma vez, como a força dos interesses financeiros é devastadora. A redução da taxa definida pelo COPOM não foi suficiente para reduzir o volume de encargos financeiros que o governo federal assume para si e transfere para o 1% do topo de nossa pirâmide da desigualdade. Afinal a taxa média SELIC em 2016 havia sido de 14,2%, foi reduzida para 10,3% em 2017 e caiu para 8,2% para o período recente. A tabela abaixo nos indica que, caso o montante de despesas com juros tivesse acompanhado a queda na SELIC, as despesas a esse título dos últimos 12 meses deveriam ter sido reduzidas em quase 40%. O montante seria de R$ 232 bi ao invés dos R$ 381 bi efetivamente realizados.
ANO | SELIC MÉDIA | JUROS PAGOS R$ bi | JUROS SEGUINDO SELIC R$ bi |
---|---|---|---|
2016 | 14,2 % | 407 | 407 |
2017 | 10,3 % | 401 | 295 |
2017/18 | 8,1 % | 381 | 232 |
Ocorre que seguimos vivendo sob a dominância do financismo. Podemos analisar os dados do último mês, do último trimestre, do último semestre, do último ano, do último triênio, do último quinquênio. E não tem jeito. As despesas realizadas pelo governo com a dimensão financeira seguem as campeãs absolutas.
O mais impressionante é que os dados são públicos e oficiais. Basta o indivíduo entrar na página do Resultado Mensal do Tesouro Nacional e observar as tabelas. Assim, percebe-se a permanência dessa tendência desde que a série foi iniciada em 1997. A preços de abril de 2018, por exemplo, ao longo desses quase 21 anos o País direcionou o equivalente a R$ 4,8 trilhões dos sucessivos orçamentos da União para o pagamento de juros. Esse valor representa em torno de 25% do total de todas as demais despesas não-financeiras realizadas ao longo dessas duas décadas. Uma completa inversão de valores em relação ao que deveria ser o foco prioritário das políticas públicas de uma nação tão desigual como a nossa.
O povo continua na miséria e vai pagando sua cota no sacrifício imposto pela lógica do ajuste. Enquanto isso, as despesas com juros seguem a todo vapor. Esse é o triste retrato do Brasil.
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Despesas-com-juros-a-todo-vapor/7/40523
Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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