(versão actualizada provisória proposta em Liège, setembro de 2019)
18 de Março de 2020 por CADTM
Assembleia dos movimentos sociais, por ocasião do Fórum Social Mundial de 2013, em Tunes, a 29-março
Apresentamos a nova versão provisória da Carta Política do CADTM, conforme proposta do Conselho Internacional do CADTM reunido em Liège, a 11 e 12 de setembro-2019. Esta versão visa substituir a Carta Política aprovada em Belém, Brasil, em janeiro de 2009. Após essa data, o CADTM foi abraçando temas que não eram tratados de maneira sistemática anteriormente, como sejam o microcrédito, as dívidas privadas ilegítimas e as dívidas soberanas do Norte. Estes temas passam agora a ser contemplados na Carta. Além disso, na nova versão, o CADTM reforça o seu empenho feminista e ecologista. A presente versão da Carta é susceptível de novas emendas aquando do Conselho Internacional do CADTM, que decorreráo em novembro de 2020, em Dakar (Senegal). Deverá depois ser submetida a aprovação na próxima Assembleia Mundial da rede, em 2021.
O CADTM Internacional é uma rede constituída por cerca de 30 organizações ativas em mais de 30 países, espalhadas por quatro continentes
Em 1989, o «apelo da Bastilha» foi lançado em Paris: o texto convida todas as forças populares do mundo a unirem-se em torno da anulação imediata e incondicional da dívida dos países «em desenvolvimento». Essa dívida esmagadora e as reformas macroeconômicas neoliberais impostas no Sul, a partir da crise da dívida de 1982, provocaram uma explosão de desigualdades, de pobreza em massa, de injustiças gritantes e de destruição ambiental. É em resposta a esse apelo, e para lutar contra a degradação geral das condições de vida da maioria dos povos, que o CADTM é criado em 1990. Hoje, o CADTM Internacional é uma rede constituída por cerca de 30 organizações ativas em mais de 30 países, espalhadas por quatro continentes. O seu principal objetivo, centrado na problemática da dívida, consiste na realização de ações e no desenvolvimento de alternativas radicais, que visam a emergência de um mundo baseado na soberania popular, na solidariedade, na cooperação e na autodeterminação dos povos, no respeito pela natureza, na igualdade, na justiça social e na paz.
1 – No Sul
A dívida pública (externa e interna) provoca uma transferência massiva de riqueza dos povos do Sul para os credores, para as classes dominantes a nível local, que cobram uma comissão pelo processo. Tanto no Norte como no Sul do Planeta, a dívida consiste num mecanismo de transferência da riqueza gerada pela/os trabalhadoras/es e pequenas/os produtoras/es para os capitalistas. O endividamento é usado pelos credores como um instrumento de dominação política e econômica que estabelece uma nova forma de colonização. Apesar dos seus muitos recursos naturais e humanos, os povos do Sul estão arruinados. Na maioria dos países do Sul, o pagamento da dívida pública representa todos os anos uma soma superior às despesas com educação, saúde, desenvolvimento rural e criação de emprego. As iniciativas no sentido de aliviar a dívida, levadas a cabo nos últimos anos, têm-se revelado autênticas armadilhas, com consequências nefastas para os países que delas têm «beneficiado».
2 – A abolição das dívidas ilegítimas reclamadas aos países do Sul
O objectivo principal do CADTM é a abolição imediata e incondicional da dívida pública do Sul e o abandono das políticas de ajustamento estrutural
O objectivo principal do CADTM é a abolição imediata e incondicional da dívida pública do Sul e o abandono das políticas de ajustamento estrutural. Para atingir esse objectivo, o CADTM Internacional propõe-se apoiar as seguintes ações:
3 – No Norte
Nas economias dos países mais industrializados, o endividamento público aumentou muito, em consequência dos múltiplos resgates dos grandes bancos privados na Europa, nos EUA e no Japão. Além disso, no quadro das políticas neoliberais, foram concedidos enormes benefícios fiscais a uma ínfima minoria composta pelos mais ricos e às grandes empresas, o que obrigou os estados a recorrerem ainda mais ao endividamento público, a fim de compensarem a redução dos impostos pagos pelos ricos. A ofensiva neoliberal, que levou os estados a renunciarem ao financiamento através dos seus bancos centrais, obrigou os poderes públicos a recorrerem ao financiamento prestado pelos bancos privados e pelos mercados financeiros, o que aumentou o custo de financiamento da dívida pública.
A acumulação de dívida pública e seu reembolso atua, no Norte como no Sul, como um poderoso mecanismo de transferência das riquezas produzidas pelo Trabalho, para o Capital
A acumulação de dívida pública e seu reembolso atua, no Norte como no Sul, como um poderoso mecanismo de transferência das riquezas produzidas pelo Trabalho, para o Capital.
A dívida pública serve de pretexto para a aplicação de políticas do tipo neoliberal, que reduzem as despesas sociais e o investimento público. Isto conduz simultaneamente à degradação das condições de vida da esmagadora maioria da população e a um grande aumento das desigualdades.
O CADTM defende a anulação das dívidas públicas ilegítimas e considera que os Estados devem realizar atos unilaterais de reestruturação ou de repúdio da sua dívida, em benefício da justiça social. A participação dos cidadãos e das cidadãs em processos de auditoria é um dos meios de ação propostos pelo CADTM.
Desde o início da década de 1970 no Sul e 1980 no Norte que as classes dominantes desgastam as conquistas sociais e os salários diretos e indiretos dos trabalhadores. Recorrendo a estratégias de escaramuça agressivas e contínuas, extraem da população uma parte crescente do valor produzido. Estes ataques contra as conquistas sociais progressistas e civilizadoras, ganhas através das lutas dos trabalhadores/as até à década de 1970, são injustos, imorais e criticáveis. Estamos empenhados em combater e anular estes recuos impostos pelo Capital na sua ofensiva contra o Trabalho. O CADTM apoiará e participará em todos os movimentos sociais, organizações e associações que atuem com vista a travar o desmantelamento das conquistas sociais promovido pelas classes dominantes, de modo a reconquistar o que se perdeu e alargar usufruto dos direitos humanos e sociais fundamentais em todos os domínios.
4 – O sistema das dívidas privadas ilegítimas
Este sistema de endividamento é anterior ao sistema capitalista e reforçou-se de formas sofisticadas com o desenvolvimento do capitalismo. É o que está a acontecer na fase neoliberal atual, que força cada vez mais famílias, em particular as mulheres chefes de família, a endividarem-se para poderem aceder a serviços que, apesar de a sua vocação social – como sucede no caso da educação, da saúde, da habitação, da energia, etc. –, já não são inteiramente assegurados pelo setor público.
O sistema das dívidas privadas ilegítimas passa geralmente pela imposição de condições de empréstimo que o tornam o reembolso impossível. Isto leva ao despojamento ou à obrigação de consagrar longos anos, quando não dezenas de anos, ao pagamento da dívida
O endividamento privado é utilizado há milênios como expediente para expropriar as terras das/dos camponesas/es, os meios de produção das/dos artesãs/ãos. A escravização por meio da dívida flagelou o mundo antigo durante séculos.
O sistema das dívidas privadas ilegítimas passa geralmente pela imposição de condições de empréstimo que o tornam o reembolso impossível. Isto leva ao despojamento (da habitação, da terra, dos utensílios de trabalho) ou à obrigação de consagrar longos anos, quando não dezenas de anos, ao pagamento da dívida.
O incremento de contratos precários e da subcontratação constituem de algumas das medidas tomadas pelas grandes empresas para desenvolver a competitividade a qualquer preço. Existe um enorme exército de trabalhadoras/es precárias/os, exploradas/os e sem direitos, utilizadas/os durante o tempo que convém ao patronato, à margem de qualquer relação de trabalho estável, sem contrato decente, sem salário decente, sem férias pagas, sem subsídio de doença, sem direito à greve.
Para todas/todos estas/es trabalhadoras/es o recurso à dívida privada torna-se uma necessidade, mesmo nas economias ocidentais mais ricas.
A luta contra as dívidas privadas atravessou séculos de história e continua hoje, nomeadamente:
5 – Tanto no Norte como no Sul do Planeta, trata-se de combater um sistema capitalista predador da Natureza.
É preciso combater o sistema capitalista, que, ao longo dos dois séculos passados desde o início da revolução industrial, acumulou na atmosfera o que provoca o aquecimento climático.
É um sistema que olha para a Natureza apenas como uma matéria a explorar, a mercantilizar e a privatizar para dela extrair o máximo lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). .
O sistema capitalista é responsável por uma crise ecológica mundial sem precedentes, ameaçando a viabilidade da própria vida no nosso planeta
Um sistema que confina um grande número de países e de povos que neles habitam a produzir para exportar matérias-primas, a preços de saldo.
Um sistema que continua a emitir quantidades massivas de gases com efeito de estufa, apesar das muitas promessas feitas nas conferências internacionais.
Um sistema que força países e povos a cultivar produtos agrícolas que eles próprios não consomem e a consumir mercadorias que eles próprios não produzem.
Um sistema que instala centrais nucleares, contra as quais lutamos.
Um sistema responsável por uma crise ecológica mundial sem precedentes, ameaçando a viabilidade da própria vida no nosso planeta.
Um sistema que mantém e reforça a exploração e a opressão da mulheres.
Um sistema que caminha de mão dada com o sistema da dívida.
6 – O endividamento público legítimo deveria financiar um vasto programa de ruptura ecologista-feminista-socialista
A dívida pública devia constituir o instrumento de financiamento dum vasto programa de transição ecologista-feminista-socialista, em vez de servir para impor políticas antissociais, patriarcais, extrativistas, produtivistas, instigadoras da competição entre povos.
A dívida pública devia constituir o instrumento de financiamento dum vasto programa de transição ecologista-feminista-socialista
Os poderes públicos podem recorrer a empréstimos para:
O endividamento público é legítimo quando serve projetos que são eles próprios legítimos e quando quem contribui para o pagar também o faz de maneira legítima.
Um governo popular não pode hesitar em obrigar as grandes empresas (nacionais ou estrangeiras) e as famílias mais ricas a contribuir para os empréstimos sem disso extraírem vantagem, ou seja, a taxa zero e sem compensação da inflação.
Simultaneamente, uma grande parte das famílias das classes populares que possuem poupanças poderão ser convencidas a confiá-las voluntariamente aos poderes públicos, a fim de financiarem os já referidos projetos legítimos. Este financiamento voluntário pelas camadas populares seria remunerado a uma taxa positiva real.
Este mecanismo seria altamente legítimo, porque iria financiar projetos úteis à sociedade e porque permitiria reduzir a riqueza dos mais ricos e ao mesmo tempo aumentar os rendimentos das camadas populares e proteger a poupança.
7 – A anulação das dívidas públicas não constitui um fim em si mesmo
A dívida faz parte de um sistema que deve ser combatido na sua totalidade. Em simultâneo com a anulação da dívida, é indispensável levar a cabo outras alternativas radicais
Para o CADTM, a anulação da dívida ilegítima não constitui um fim em si mesma. É uma condição necessária, mas não suficiente, para garantir a satisfação dos direitos humanos. Por isso, se a humanidade deseja alcançar a justiça social dentro do respeito pelo ambiente, é necessário ir mais além da anulação da dívida pública. A dívida faz parte de um sistema que deve ser combatido na sua totalidade. Em simultâneo com a anulação da dívida, é indispensável levar a cabo outras alternativas radicais, entre as quais:
8 – Le CADTM pour l’auto émancipation des opprimés et des opprimées
Para alcançar estas mudanças e realizar a emancipação social, o CADTM Internacional considera que devem ser os próprios povos a assumir o desafio da mudança.
O CADTM Internacional considera que devem ser os próprios povos a assumir o desafio da mudança. Não devem ser libertados, devem libertar-se eles próprios
Não devem ser libertados, devem libertar-se eles próprios. A experiência tem demonstrado que não se deve esperar que as minorias privilegiadas assumam a responsabilidade pelo bem-estar das populações. Como afirma o Apelo da Bastilha de 1989, «só a solidariedade dos povos pode quebrar o imperialismo econômico. Essa solidariedade não pode significar um apoio aos regimes que agravam a miséria do seu país, sufocam a voz e os direitos dos povos». O reforço dos movimentos sociais é uma das prioridades do CADTM, que participa, numa perspectiva internacionalista, na construção de um vasto movimento popular, consciente, crítico e mobilizado. Convencido da necessidade de fazer convergir as lutas emancipadoras, o CADTM Internacional apoia todas as organizações e coligações que labutem pela igualdade, liberdade, dignidade, justiça social, preservação da natureza e da paz. O CADTM colabora com todas as estruturas e movimentos que lutem contra as violências, o assédio e todas as discriminações contra as mulheres, as pessoas LGBTQI+ e todas as minorias oprimidas.
Tradução de Rui Viana Pereira
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