A agência de notação Fitch baixou a notação da França
8 de Maio por Yvette Krolikowski
Na sexta-feira, 28 de Abril de 2023, a agência de notação financeira Fitch baixou a notação da França de AA para AA- com «perspectiva estável».
Para a agência, «o impasse político e os movimentos sociais (por vezes violentos) representam um risco para a agenda de reformas de Emmanuel Macron e podem criar pressão para uma política fiscal mais expansionista ou para uma reversão das reformas anteriores» [1].
Os movimentos sociais representam um risco para a agenda de reformas e podem criar pressão para uma política fiscal mais expansionista ou ate a reversão das reformas anteriores
A agência reflete a preocupação do sistema em relação a continuação das reformas que a agitação social poderia frear: «Esta decisão levou a protestos e greves em todo o país e é provável que reforce as forças radicais e anti-establishment», continua a Fitch. Trata-se, de fato, de uma forma de reconhecimento da força da mobilização cidadã, que dura há três meses.
A Fitch conclui com «grandes déficits fiscais e progressos modestos» na sua redução, e um «crescimento menos robusto» do que o previsto.
Bruno Le Maire, Ministro da Economia e das Finanças, apressou-se a lamentar, num comunicado, a «avaliação pessimista» da Fitch que «subestima as consequências das reformas», incluindo a das aposentadorias. O ministro das Finanças fez questão de tranquilizar os investidores e os mercados financeiros, afirmando que o país vai continuar a «aprovar reformas estruturais» determinadas a reduzir o déficit público e a «baixar a dívida de maneira continua».
Dois dias antes, o Programa de Estabilidade (PSTAB) 2023-2027 foi apresentado em Conselho de Ministros, prevendo um «arrefecimento da despesa pública», nomeadamente das autarquias locais. Acabou-se o «custe o que custar», repetiu Bruno Le Maire.
A agência Moody’s, que deveria ter actualizado a sua notação a 21 de abril, acabou por não alterar a anterior (Aa2, perspectiva estável). O ministro tem ainda na sua agenda o dia 2 de junho, data em que a S&P Global Ratings (Standard & Poor’s) deverá atualizar a atual notação «AA, perspectiva negativa». Apostamos que os membros do governo vão cruzar os dedos durante este mês e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para convencer a comunidade financeira da sua boa vontade.
Quanto aos movimentos sociais, foram avisados de que as notações das agências servem para espetar os Estados e levá-los a respeitar as directivas ditadas pelos financeiros, tendo como perspectiva novas medidas de austeridade, um leitmotiv mágico bem conhecido das populações.
É a oportunidade de voltar ao papel nefasto das agências de notação. Quem são elas exatamente?
As agências de notação financeira são empresas privadas que analisam a solvabilidade de Avaliam, de forma supostamente independente, o risco de falência ou de não pagamento
uma empresa, de uma coletividade ou de um Estado, avaliando o risco de default desses potenciais tomadores de empréstimo. Avaliam, de forma supostamente independente, o risco de falência ou de não pagamento de uma dívida. Com base nestas avaliações, que assumem a forma de notações, informam os investidores dos riscos que correm ou não ao emprestarem a uma determinada entidade.
A influência e a rentabilidade destas empresas aumentaram com o aumento das demandas dos investidores e dos tomadores que renumeram seus estudos.
As agências argumentam que estão apenas emitindo opiniões sobre o risco num determinado momento. Assim, declinam qualquer responsabilidade pelas consequências das decisões tomadas com base nas suas avaliações.
The Big Three
As três maiores agências de notação de risco do mundo, conhecidas como «The Big Three», representam 95% do volume de negócios do sector (S&P Global Ratings, 40%; Moody’s, 40%; Fitch, 15%). Têm, portanto, uma influência significativa (e, por conseguinte, poder para prejudicar) nas condições de empréstimo dos governos.
Em 1975, a Securities and Exchange Commission (SEC), o organismo federal norte-americano responsável pela regulação e controlo dos mercados financeiros, introduziu o estatuto de NRSRO (Nationally Recognised Statistical Rating Organizations), que autoriza as regulamentações financeiras a utilizar as notações das agências como referência. Este rótulo reforçou a importância das notações e as três principais agências foram inicialmente as únicas a serem aprovadas. Posteriormente, as poucas agências que obtiveram o carimbo da SEC entre 1980 e 1990 foram todas absorvidas, de modo que atualmente as três grandes reinam supremas. A Dagong, a agência chinesa fundada em 1994, está apenas começando a ganhar lugar nos mercados.
Conflitos de interesses evidentes
Inicialmente, os pagadores eram os investidores que pretendiam obter uma opinião sobre os riscos envolvidos antes de conceder um empréstimo, a fim de calcular a taxa de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. . Quanto melhor fosse a notação atribuída por estas agências, mais baixa seria a taxa de juro a pagar e vice-versa. O financiador solicitava assim informações sobre os potenciais mutuários.
A partir dos anos 70, são sobretudo os emissores de obrigações Obrigações Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário. (ou seja, títulos de dívida emitidos por empresas privadas ou por autoridades públicas) que se tornaram os requerentes de notações (as empresas recorrem normalmente a duas agências). Estes tornaram-se dependentes das agências porque, sem uma notação, os investidores não correm o risco de comprar uma obrigação ou, em caso de dúvida, cobram uma taxa de juro elevada.
Então as agências são sobretudo remuneradas pelas próprias entidades que classificam. Isto levanta sérias questões sobre a sua independência e a fiabilidade das suas notações. O risco de conflito de interesses é evidente: as agências têm interesse em que os seus clientes sejam bem cotados, de modo a que estes emitam cada vez mais produtos financeiros Produtos financeiros Produtos adquiridos durante o exercício duma empresa que dizem respeito a elementos financeiros (títulos, contas bancárias, divisas, investimentos de capital). e precisem de ser cotados. A renda é garantida.
A notação soberana, ou seja, a notação das dívidas emitidas pelos Estados, é menos rentável do que a das empresas. Os Estados mais industrializados não pagam, pois consideram inútil pagar às agências e acreditam que os investidores conhecem a sua solidez financeira [2]. Isto não impede que a maioria dos Estados seja avaliada pelas agências, por vezes com consequências graves.
As notas
As notações das várias agências vão de AAA, para os melhores, a D, para os piores (exceto a Moody’s, que para em C). A notação é acompanhada de uma «perspectiva» estável ou negativa.
As primeiras análises do risco soberano, independentes dos bancos, começaram em 1918 pela Moody’s. Desde então, são cada vez mais os governos que emitem títulos nos mercados, solicitando assim uma notação. Em 2011, a Moody’s classificou 112 países e a S&P Global Ratings 120.
As agências funcionam como um poderoso incentivo à implementação de políticas económicas favoráveis aos financistas
Para as notações soberanas, são tidos em conta cinco critérios principais: o PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
per capita, a estabilidade política e institucional, o nível de endividamento, o cumprimento das obrigações financeiras do Estado nos últimos anos e a taxa de inflação. Cada agência pode considerar outros critérios, como a situação geopolítica ou a capacidade do Estado para reduzir as despesas e aplicar medidas de austeridade [3]. Dada a importância central das suas notações na economia atual, estas agências funcionam como um poderoso incentivo à implementação de políticas económicas favoráveis aos credores.
No que diz respeito aos países do Sul, as agências avaliam dois critérios adicionais: as reservas de divisas e as remessas financeiras dos trabalhadores migrantes para os seus países de origem.
A influência
Foi essencialmente a partir da financeirização da economia e da eclosão da crise da dívida mexicana em 1982 que as agências de notação impuseram sua influência de maneira duradoura.
São as autoridades reguladoras e os mercados que lhes conferem esta importância. O estatuto oficial concedido às principais agências pela SEC americana nos anos 70 reforçou esta posição.
Os acordos de Basileia II [4] utilizam as notações das agências para calcular os requisitos de fundos próprios
Fundos próprios
Capitais colocados ou deixados pelos accionistas à disposição duma empresa. Há que distinguir entre fundos próprios em sentido restrito, também chamados capital próprio, e os fundos próprios em sentido lato, que incluem também as dívidas subordinadas de duração ilimitada.
impostos aos bancos. Nos mercados, muitos investidores exigem um nível mínimo de notação para a composição das suas carteiras. Oficialmente, o próprio BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
só concede empréstimos a bancos comerciais em troca de ativos com grau de investimento, ou seja, de baixo risco.
De crise em crise, as agências são cada vez mais criticadas.
Fiabilidade
Na véspera da sua falência, em 2008, o banco Lehman Brothers ainda tinha a notação AAA: desmoronou como um castelo de cartas
Já em 1929, as agências de notação não tinham antecipado a crise. No final de 2001, mantiveram uma boa notação para a corretora de energia Enron até quatro dias antes da sua falência fraudulenta. Na véspera da sua falência, em 2008, o banco norte-americano Lehman Brothers ainda tinha a notação AAA: desmoronoucomo um castelo de cartas.
Em 10 de Novembro de 2011, a S&P Global Ratings anunciou que a notação da dívida soberana Dívida soberana Dívida de um Estado ou garantida por um Estado. da França tinha sido rebaixada, tendo depois publicado um desmentido e reconhecido um erro.
Independência
Os conflitos de interesses constituem um dos principais problemas, nomeadamente no caso dos produtos estruturados. A agência de notação e o criador do produto estruturado
Produto estruturado
instrumento financeiro estruturado
Os produtos financeiros estruturados são geralmente concebidos por um banco. Trata-se frequentemente duma combinação complexa de opções, swaps, etc. O seu preço é determinado através de fórmulas matemáticas que modelam o comportamento do produto em função do tempo e das diferentes evoluções do mercado. São frequentemente vendidos com margens avultadas e opacas.
(geralmente um banco de investimento
Banco de investimento
Sociedade financeira cuja actividade consiste em efectuar três tipos de operações: aconselhamento (nomeadamente em fusão-aquisição), gestão por conta de emrpesas (aumentos de capital, introdução na Bolsa, emissão de empréstimos obrigacionistas) e investimentos nos mercados. Os bancos de investimento não angariam capitais junto do público, financiam-se emprestando aos bancos ou recorrendo aos mercados financeiros.
) têm um diálogo preliminar: a agência está envolvida na concepção do produto e é, por conseguinte, simultaneamente juiz e parte [5]. No início de 2008, a Moody’s atribuiu a notação mais elevada aos produtos estruturados, que estiveram na origem do estouro da crise financeira.
Papel na crise grega de 2010
Na crise da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. grega de 2010, as agências alimentaram a especulação Especulação Operação que consiste em tomar posição no mercado, frequentemente contracorrente, na esperança de obter um lucro. dos mercados financeiros. Ao rebaixar nota de um país em dificuldades, apenas mantêm e agravam a sua situação: «É como empurrar alguém para a beira de uma ravina. A crise agrava-se» [6]. Há quem fale de um círculo vicioso e de profecias autorrealizadoras. No caso da Grécia, as agências tornaram mais difícil o financiamento do Estado, com consequências graves em termos de aprofundamento das políticas de austeridade.
Regulamento
Em resposta à dimensão do problema, a SEC e outros reguladores, incluindo a Comissão Europeia, anunciaram a sua intenção de agir para regular a atividade das agências e limitar a sua capacidade de causar danos. Em 2013, a UE adoptou regras que foram apresentadas como um passo nesta direção [7]. No entanto, é evidente que estas medidas não são suficientes para desarmar as agências.
Alternativas
Desde o início da crise financeira em 2007-2008, foram apresentadas inúmeras propostas de reforma do funcionamento das agências de notação, sem grande sucesso: o regresso ao sistema «investidor-pagador», a revisão dos critérios de notação adoptados, a suspensão da notação de um Estado endividado que esteja a negociar um programa internacional de «ajuda financeira» são alguns exemplos.
Para o CADTM, é a própria existência de agências de notação privadas que deve ser posta em causa. Elas são partes na dominação neoliberal, não hesitam em “dar um jeito” para satisfazer os interesses a curto prazo do grande capital, como o demonstram as notações favoráveis atribuídas em 2008 aos bancos de investimento Merrill Lynch e Lehman Brothers, pouco antes da compra do primeiro à beira do colapso e da liquidação do segundo. Estas agências devem ser processadas pelos seus atos com consequências graves para as pessoas, e os atores públicos devem recusar a ser avaliados por elas (foi o que fez a Câmara Municipal de Madrid em 2016-2017 quando decidiu não renovar os seus contratos com a S&P Global Ratings e a Fitch, considerando estas agências de notação inúteis e a sua interferência ilegítima). No que respeita às empresas, a sua solvabilidade poderia ser avaliada por organismos públicos para evitar conflitos de interesses.
Embora as agências de notação se afirmem independentes e apenas emitam pareceres, é evidente que são um dos instrumentos ao serviço dos mercados financeiros, utilizando a pressão desses avisos para disciplinar os estados que temem fortemente essa punição.
Mas a boa notícia é que, com estas observações da Fitch, os movimentos sociais podem constituir uma ameaça e um risco para a continuação e a aplicação dos programas de austeridade. Não vamos desistir.
Tradução Alain Geffrouais
[1] Ver https://www.fitchratings.com/research/sovereigns/fitch-downgrades-france-to-aa-outlook-stable-28-04-2023
[2] No final de 2011, os países de alto rendimento classificados pela S&P Global Ratings, mas que não pagavam taxas à agência, eram: Austrália, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Singapura, Suíça, Taiwan, Reino Unido e Estados Unidos.
[3] BFM TV (2012). Triple A: os diferentes critérios das agências de notação.
[4] Normas de regulação bancária - Basileia I, II e III (a publicar), estabelecidas pelo Comité de Basileia.
[5] Nicolas Véron. «Les défaillances des agences de notation sur les produits structurés ont porté une atteinte grave à leur crédibilité». Le Monde, 28 de Janeiro de 2010.
[6] Pier Carlo Padoan, Secretário-Geral Adjunto e Economista-Chefe da OCDE, em «Les agences de notation accusées d’aggraver la crise». Le Figaro, 7 de Julho de 2011.
[7] Comissão Europeia (2013). «Entrada em vigor de regras mais rigorosas para as agências de notação de crédito».