Declaração de Colombo: Contra o acordo com o FMI, a dívida e a austeridade

10 de Fevereiro por CADTM


Os participantes na 11.ª reunião do CADTM no Sul da Ásia, provenientes do Bangladeche, da Índia, do Paquistão, do Sri Lanka, bem como de Marrocos, Filipinas, Brasil, Bélgica e Espanha, reuniram-se em Colombo, no Sri Lanka, de 31 de janeiro a 1 de fevereiro de 2025. Reafirmamos o nosso empenho em lutarmos contra a dívida ilegítima.



1) Estamos solidários com as gentes do Sri Lanka, que lutam contra as medidas de austeridade que acompanham o 17.º programa do FMI acordado com o Governo do Sri Lanka. As classes populares, que são as menos responsáveis pela falta de pagamento da dívida soberana em 2022, é que pagam os custos da catástrofe humanitária em curso. Apelamos novamente ao governo eleito, que já criticou as políticas neoliberais que estão na origem desta crise, a ter em conta o facto de o mandato que lhe foi concedido pelo povo ser um mandato de mudança.

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2) Exortamos o Governo do Sri Lanka a suspender unilateralmente todos os pagamentos da dívida externa, não por não ter recursos para a pagar, mas sim porque deveria proclamar que essa suspensão é política, económica e socialmente necessária para fazer face às consequências económicas, sociais e humanitárias da crise, que exige que o país proteja prioritariamente os seus cidadãos. O Governo deve utilizar os argumentos do direito internacional para recusar pagar os juros de atraso. Esta suspensão dos pagamentos da dívida deve ser acompanhada de uma auditoria às dívidas reclamadas ao Sri Lanka. As políticas aplicadas pela classe dirigente sri-lankesa também devem ser objecto de escrutínio minucioso. Deve ser levada a cabo uma auditoria cidadã da dívida, para identificar as dívidas ilegítimas e os responsáveis do executivo e da burocracia pela acumulação de dívidas ilegítimas e insustentáveis. Deve ser aplicada uma política de repúdio da dívida, baseada na auditoria da dívida, incluindo a suspensão de pagamentos.

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3) Opomo-nos à continuação do acordo em curso com o FMI como meio de sair da crise. Estamos conscientes de que as políticas financiadas pelo FMI agravaram a dependência e a insegurança alimentar e energética do Sri Lanka, exacerbaram as crises ecológicas e climáticas, contribuíram para aumentar consideravelmente as desigualdades e reforçaram o estreitamento do espaço democrático e dos direitos da população.

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4) Exigimos que os ricos sejam tributados a uma taxa mais elevada que tenha em conta o aumento das desigualdades de rendimento e de riqueza, que as empresas que praticam a falsa facturação e não repatriam as receitas de exportação sejam responsabilizadas, que sejam abolidos os impostos indirectos regressivos, como o IVA sobre os bens e serviços essenciais, que as despesas orçamentais sejam reafectadas à protecção social, à saúde pública, à educação pública e ao acesso público à alimentação, ao investimento na economia produtiva e à criação de empregos dignos.

5) Exortamos os governos da região, bem como outros governos em todo o mundo, a aprenderem as lições da crise da dívida do Sri Lanka e a assegurarem uma auditoria cidadã da dívida, seguida de um repúdio unilateral das dívidas ilegítimas. Todos os governos do Sul da Ásia devem tomar medidas colectivas enquanto Estados devedores para reforçar o seu poder de negociação face aos credores (multilaterais, bilaterais, privados/comerciais). Além disso, devem procurar promover relações económicas mutuamente benéficas.

6) Comprometemo-nos também a continuar a nossa luta contra o sistema capitalista que está na origem destas crises da dívida e que agrava e perpetua as disparidades na região e no mundo. O sistema capitalista promove e reforça todas as formas de opressão social, como o patriarcado, o racismo, o classismo, o ultranacionalismo, o fanatismo religioso e outras. Este sistema utiliza a dívida não só como instrumento de escravização económica, mas também como instrumento de controlo político. De facto, o sistema coercivo da dívida e o capitalismo estão indissociavelmente ligados.

7) Ao mesmo tempo, o endividamento privado aumentou, enquanto os Estados, sobrecarregados com a dívida pública e prosseguindo a sua agenda neoliberal, abandonaram a prestação de serviços sociais e a sua responsabilidade de assegurar a satisfação das necessidades básicas das pessoas. Reiteramos o nosso apelo à anulação de todos os tipos de dívida ilegítima, tanto pública como privada, como as dívidas do microcrédito, as dívidas dos camponeses, a dívida dos estudantes, a dívida hipotecária das famílias, etc.

8) O microcrédito, que foi e continua a ser apresentado como uma forma de retirar as pessoas da pobreza, teve efeitos terríveis nas populações desfavorecidas do Sul. Com as suas taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. e condições abusivas e predatórias, tem aprisionado estas pessoas vulneráveis em dívidas, obrigando-as a contrair vários empréstimos para pagar os anteriores e a fazer enormes sacrifícios durante anos e décadas. Reconhecemos que as mulheres são, de longe, as maiores vítimas do microcrédito e somos solidários com as suas lutas contra os empréstimos predatórios no Sri Lanka, Bangladesh, Paquistão, Nepal, Índia e em todo o mundo.

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9) Exigimos que os governos adoptem políticas de migração decentes e sustentáveis. A migração é um direito humano. Exigimos políticas justas e humanas que garantam canais legais seguros, protejam os direitos laborais e promovam a inclusão social. Os governos devem combater as causas profundas, como a desigualdade e a exclusão social.

10) Continuamos a opor-nos a todos os empréstimos predatórios, investimentos e acordos comerciais que prendem o cidadão comum num círculo vicioso de austeridade, desemprego e pobreza, sejam eles provenientes de instituições financeiras internacionais, de potências do Norte ou de potências capitalistas como a China e a Índia, cujas políticas estão a ter consequências negativas significativas no Sul da Ásia.

11) Exigimos o fim de todas as formas de empréstimos ilegítimos por parte de governos, instituições financeiras internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e outros que põem em perigo vidas, destroem meios de subsistência e degradam o ambiente. Reafirmamos a nossa oposição ao apoio às energias poluentes, incluindo os combustíveis fósseis.

12) Apelamos a que se ponha termo a todos os tipos de privatização e de parcerias público-privadas.

13) Rejeitamos mecanismos financeiros como as trocas de dívida por natureza, as obrigações Obrigações Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário. verdes, o comércio de carbono e as compensações de carbono, que permitem que as empresas se livrem das suas responsabilidades, explorem lacunas e perpetuem injustiças económicas e ambientais sob a capa da sustentabilidade. A justiça da dívida significa reparações pela crise climática.

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14) Não acreditamos que a dívida pública seja intrinsecamente má. Os governos podem contrair empréstimos para financiar a transição ecológica, para substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis respeitadoras do ambiente, para financiar a reforma agrária, para reduzir drasticamente os transportes rodoviários e aéreos e substituí-los por transportes públicos, para financiar a criação de empregos dignos para todos, para garantir serviços públicos dignos para todos e para assegurar o respeito pelos direitos humanos fundamentais de todos. Os empréstimos públicos podem, portanto, ser considerados legítimos se financiarem iniciativas legítimas e se os credores agirem legitimamente.

15) Defendemos a transparência e a responsabilização de todos os projectos financiados por doadores estrangeiros e pelas IFI no Sul da Ásia. Devemos submeter todos esses compromissos a um controlo democrático. Os acordos devem ser ratificados pelos parlamentos nacionais antes de serem implementados.

16) Defendemos opções alternativas, como subsídios, empréstimos sem juros e sem discriminação, iniciativas comunitárias geridas socialmente e em conjunto, etc. Defendemos a continuação do desenvolvimento de serviços públicos gratuitos e de qualidade e o aumento do financiamento das despesas sociais.

17) Unamo-nos nas nossas lutas contra o sistema de dívida ilegítimo e os acordos de comércio livre que humilham e exploram os povos, saqueiam e destroem o ambiente e empurram populações inteiras para a pobreza e a miséria.

18) Estendemos a nossa solidariedade a todos os que estão presos na teia infernal da dívida ilegítima. Estamos decididos a continuar a nossa luta enquanto os seres humanos viverem sob o peso do sistema da dívida e das instituições financeiras e de microcrédito.


Tradução: Rui Viana Pereira

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