17 de Junho de 2009 por Maria Lucia Fattorelli , Rodrigo Vieira de Ávila
Amigos da Auditoria Cidadã,
O Equador acaba de divulgar, no último dia 11 de junho, o resultado final da decisão soberana de cancelar grande parte de sua dívida pública representada pelos Bônus Global 2030 e 2012, que correspondiam a cerca de 85% da dívida externa comercial equatoriana, ou seja, a parte da dívida externa com bancos privados internacionais, curiosamente, os mesmos bancos responsáveis pela atual crise financeira mundial.
Nada menos que 91% dos detentores desses bônus acataram prontamente a proposta equatoriana de reconhecer no máximo 30 a 35% de seu valor nominal, tendo em vista as flagrantes ilegalidades e ilegitimidades dessa parte da dívida externa com bancos privados, apontadas no relatório apresentado pela Subcomissão de Dívida Comercial da CAIC - Comissão para a Auditoria Integral da Dívida Pública Equatoriana criada por Decreto Executivo nº 472/2007 – de cujos trabalhos tivemos a honra de participar.
A decisão de redução unilateral de mais de 65% do estoque desta dívida externa comercial - cerca de US$ 2 bilhões – representa um precedente histórico e um grande exemplo para todo o mundo, pois mostra que é possível aos governos enfrentarem a questão da dívida com soberania, especialmente em um momento de crise, quando tais problemas se acentuam. Ademais, é preciso ressaltar que a auditoria realizada no Equador demonstrou inúmeras semelhanças entre o processo de endividamento comercial daquele país e os demais países latino-americanos, o que deveria estimular a todos os países a também realizarem auditorias para investigar seus respectivos processos.
Sem sombra de dúvidas, a decisão equatoriana representa uma grande ameaça ao capital financeiro mundial, por isso não recebeu o devido destaque na grande mídia, especialmente porque foi embasada em relatório técnico de auditoria que demonstrou que o Equador havia sido vítima de um verdadeiro calote por parte dos bancos privados internacionais, pois ao longo dos anos, sequer recebeu o produto dos empréstimos que eram historicamente cobrados por tais bancos.
Alguns meios de comunicação econômicos internacionais noticiaram o resultado da oferta equatoriana de forma distorcida, procurando desqualificar as últimas decisões do governo sobre a dívida comercial, entretanto, tais notícias refletem apenas opiniões de seus autores [1], enquanto que a decisão equatoriana encontra-se devidamente embasada em documentos e provas que sustentam o relatório da auditoria realizada pela CAIC.
A atitude equatoriana fortalece a luta contra o endividamento irresponsável em todo o mundo, e questiona as políticas dos demais países que insistem em continuar pagando uma dívida jamais auditada, como o Brasil, cuja Constituição Federal prevê a realização dessa auditoria e até hoje não foi cumprida.
A decisão adotada pelo Presidente Rafael Correa provou que a auditoria serviu como instrumento hábil para a retomada da soberania frente à dívida, respaldado por documentos e argumentos necessários para inverter a correlação de forças diante dos emprestadores. Em breve saberemos os benefícios gerados ao país, diante da economia equivalente a mais de US$ 7 bilhões até 2030 - referentes a principal e juros que não serão mais pagos - que certamente serão empregados em gastos sociais.
No século passado o Brasil tomou atitude semelhante, quando Getúlio Vargas, em 1931, determinou a realização de uma auditoria da dívida externa brasileira, que provou que somente 40% da dívida estava documentada por contratos, dentre outros aspectos graves, como ausência de contabilização e de controle das remessas ao exterior, o que permitiu, na época, grande redução tanto do estoque como do fluxo de pagamentos, abrindo espaço para a criação de direitos sociais.
É necessário retomar esse processo histórico, à luz do honroso exemplo equatoriano, e cumprir a Constituição Federal vigente em nosso País. Caso o Brasil, hoje, tomasse medida semelhante à equatoriana, reduzindo unilateralmente em 65% sua dívida “interna” que já alcança o patamar de R$ 1,6 TRILHÃO, esta cairia para R$ 560 bilhões, o que geraria ainda um alívio de cerca de R$ 200 bilhões nos pagamentos anuais de juros e amortizações, que poderiam se reverter em atendimento aos direitos humanos de milhões de brasileiros que se encontram sem emprego, sem acesso aos serviços essenciais de saúde, educação, assistência, sem moradia, sem terra, enfim, sem dignidade de vida, enquanto bilhões estão sendo destinados ao pagamento de vultosos juros de uma dívida que sequer se conhece a contrapartida.
Atenciosamente,
Coordenação Auditoria Cidadã da Dívida
Maria Lucia Fattorelli – Membro da Subcomissão de Dívida Comercial da CAIC Equatoriana, nomeada pelo Decreto Executivo no. 472/2007
Rodrigo Ávila – Economista, colaborador convidado da CAIC
Correa defende Equador livre da «dívida externa ilegítima»
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[1] The Economist , notícia esta reproduzida por grandes jornais brasileiros ), The Wall Street Journal, e Financial Times
Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB. Atuou na Comissão de Auditoria Oficial da dívida Equatoriana (2007/2008) e na Comissão de Auditoria da Dívida da Grécia realizada pelo Parlamento Helênico (2015). Assessorou a CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados Federais no Brasil (2009/2010), e a CPI da PBH Ativos S/A realizada pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, na investigação do esquema de Securitização de Créditos Públicos (2017).
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