Série: Os Estados ao serviço dos bancos sob o pretexto «Too big to fail» (parte 4)
20 de Dezembro de 2014 por Eric Toussaint
A Fed (ver caixa sobre a Fed) concede, desde 2008, crédito ilimitado aos bancos, a uma taxa oficial de 0,25 %. Na realidade, como revelou em julho de 2011 um relatório do GAO, equivalente ao Tribunal de Contas nos Estados Unidos, a Fed emprestou 16 biliões de dólares a uma taxa de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. inferior à taxa oficial de 0,25 % [1]. O relatório mostra que a Fed não respeitou as suas próprias regras prudenciais e não advertiu o Congresso. De acordo com o trabalho de uma comissão de investigação do Congresso dos Estados Unidos, a cumplicidade entre a Fed e os grandes bancos privados era óbvia: «O presidente do conselho de administração do JP Morgan Chase era membro da Reserva Federal de Nova Iorque na altura em que o “seu” banco recebia assistência financeira da Fed no valor de 390 mil milhões de dólares. Além disso, o JP Morgan Chase serviu também como intermediário para empréstimos de urgência concedidos pela Fed» [2]. De acordo com um estudo independente realizado pelo Instituto Levy, com o qual colaboram economistas como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e James K. Galbraith, os empréstimos da Fed atingiram montantes superiores aos revelados pelo GAO, não sendo de 16 biliões de dólares, mas de 29 biliões [3].
Os grandes bancos europeus tiveram acesso a empréstimos da Fed até ao início de 2011 (o Dexia recebeu um empréstimo de 159 mil milhões de dólares [4], o Barclays 868 mil milhões, o Royal Bank of Scotland 541 mil milhões, o Deutsche Bank 354 mil milhões, o UBS 287 mil milhões, o Crédit Suisse 260 mil milhões, o BNP-Paribas 175 mil milhões, o Dresdner Bank 135 mil milhões, a Société Générale 124 mil milhões). A interrupção desse financiamento (nomeadamente sob pressão do Congresso dos Estados Unidos) foi uma das razões que levou os money market funds norte-americanos a fecharem a torneira dos empréstimos que concediam aos bancos europeus, desde maio-junho de 2011, por considerarem que, sem o apoio da Fed, emprestar aos bancos europeus representava um grande risco.
O Banco da Reserva Federal dos Estados Unidos O Banco da Reserva Federal (Fed em inglês) é o banco central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). dos Estados Unidos. A Fed é responsável pela política monetária do país e, por essa razão, desempenha um papel central no funcionamento dos mercados financeiros mundiais. É uma entidade independente no seio do governo dos Estados Unidos, contando com uma participação ativa do setor privado. Segundo a lei, os seus principais objectivos são assegurar a estabilidade dos preços, o pleno emprego e garantir a estabilidade do sistema financeiro, através da adoção de medidas destinadas a prevenir e a reduzir o impacte dos pânicos e das crises financeiras. De acordo com esse objetivo, a Fed dispõe de três importantes instrumentos: a gestão das taxas de juro, que afetam os níveis de consumo, de investimento e de inflação; a provisão de liquidez nos mercados financeiros, que permite estabilizá-los em tempos de crise; a supervisão e a regulação das entidades financeiras. A Fed foi criada pelo Federal Reserve Act de 1913, na sequência do crescimento da instabilidade do sistema financeiro norte-americano em finais do século XIX e inícios do século XX. Até então, o país não dispunha de um sistema centralizado de controlo e regulação do sistema financeiro. Cada Estado era responsável por regular e controlar os bancos que operavam na sua jurisdição. A Fed foi criada para garantir a estabilidade do sistema financeiro dos Estados Unidos através de um mecanismo de emprestador de última instância. Essa faculdade permite que a Fed ajude os bancos que estão em dificuldades. Do ponto de vista institucional, o sistema da Fed é composto por doze bancos regionais e por um Conselho de Governadores, a nível nacional. Os bancos regionais funcionam como sociedades por ações. Para serem membros do sistema, os bancos devem possuir ações a nível do sistema regional, cuja supervisão é assegurada pela Fed. Essas ações não podem ser vendidas nem comercializadas e proporcionam aos seus proprietários um rendimento anual de 6 %. Permitem aos bancos a participação na eleição dos membros do Conselho de Administração responsável pelas sucursais da Fed a nível regional. Esse Conselho é composto por nove membros: três escolhidos pelos bancos, representando diretamente os seus interesses; três representando os interesses comerciais e industriais da região e sendo também escolhidos pelos bancos; três escolhidos pelo Conselho de Governadores, que opera a nível nacional. Por seu lado, o Conselho de Governadores tem por missão a supervisão dos doze bancos regionais e a garantia da aplicação adequada da política monetária. É composto por sete membros, nomeados pelo Presidente dos Estados Unidos e confirmados pelo Senado, para mandatos de catorze anos. Uma das funções principais do Conselho é a realização do Federal Open Market Committee (FOMC), que fixa as taxas de juro e determina a orientação geral da política monetária do país. A título de comparação, duas diferenças fundamentais distinguem a Fed do seu homólogo europeu, o Banco Central Europeu Banco central europeu BCE O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro. (BCE). Enquanto a missão da Fed é garantir a estabilidade dos preços e o pleno emprego, o principal objectivo do BCE é manter uma inflação baixa e estável no seio da zona euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. . A segunda diferença reside na capacidade de regular e controlar as entidades financeiras. Enquanto a Fed tem capacidade regular e supervisionar todas as entidades do sistema da Fed, o BCE depende dos bancos centrais nacionais, que desempenham as funções de regulação e de controlo. Ultimamente, a Comissão Europeia aprovou o aumento dos poderes do BCE para que, a partir do outono de 2014, este possa supervisionar e regular diretamente os grandes bancos do sistema europeu. Um assunto a seguir. |
Tradução: Maria da Liberdade
Revisão: Rui Viana Pereira
Eric Toussaint, docente na Universidade de Liège, preside ao CADTM Bélgica e é membro do conselho científico da ATTAC França. É autor dos livros Bancocratie, Aden, 2014, http://cadtm.org/Bancocratie; Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marselha, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010.
[1] GAO, «Federal Reserve System, Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency Assistance», julho 2011, http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf.
Este relatório, de uma instituição que é equivalente ao Tribunal de Contas (GAO = United States Government Accountability Office), foi elaborado graças a uma alteração da Lei Dodd-Frank, introduzida pelos senadores Ron Paul, Alan Grayson e Bernie Sanders em 2010. Bernie Sanders, senador independente, tornou-o público
http://www.sanders.senate.gov/imo/media/doc/GAO%20Fed%20Investigation.pdf
[2] «The CEO of JP Morgan Chase served on the New York Fed’s board of directors at the same time that his bank received more than $390 billion in financial assistance from the Fed. Moreover, JP Morgan Chase served as one of the clearing banks for the Fed’s emergency lending programs.»
http://www.sanders.senate.gov/newsroom/news/?id=9e2a4ea8-6e73-4be2-a753-62060dcbb3c3
[3] Ver James Felkerson, «$29,000,000,000,000: A Detailed Look at the Fed’s Bailout by Funding Facility and Recipient», www.levyinstitute.org/pubs/wp_698.pdf
[4] Ver nomeadamente o relatório do GAO mencionado mais acima na página 196, que alude aos empréstimos concedidos ao Dexia no montante de 53 mil milhões de dólares, o que representa apenas uma parte dos empréstimos concedidos ao Dexia pela Fed. http://www.gao.gov/assets/330/321506.pdf
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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