Francesca Albanese: «A economia da ocupação transformou-se em economia do genocídio»

24 de Julho por Francesca Albanese


«Sempre tenho dito: se a Palestina fosse um cenário de crime, lá encontraríamos todas as nossas impressões digitais. Os produtos que compramos, os bancos onde depositamos as nossas poupanças, as universidades onde pagamos a matrícula.»



Assim explica Francesca Albanese, relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, o alcance do seu último relatório, onde acusa cerca de mil empresas de todo o Mundo de cumplicidade nos crimes israelitas.


O que a levou a elaborar este relatório?

Comecei a pensar nisso em 2023, depois de ler acerca de quantas empresas participavam na ocupação, na apropriação indevida de recursos naturais e no sistema bancário de apoio aos colonatos [israelitas]. Mas não foi apenas isso: há uma economia subterrânea que apoia não só os colonatos, mas também o sistema militar israelita. A investigação revelou a implicação do sector privado, uma série de empresas que continuam a lucrar. Ao mesmo tempo que a economia israelita parece estar em crise, a Bolsa de Telavive regista um crescimento de dezenas de milhares de milhões [pt-br: dezenas de bilhões] de dólares. Juntando estas peças, percebi que existe uma economia da ocupação que se converteu em economia do genocídio.

Você escreveu que as potências coloniais sempre dependeram deste tipo de relações para se manterem. Sem a contribuição das empresas e grandes grupos económicos, a máquina de ocupação pararia?

Sim. Sem as empresas que vendem armas, Israel não poderia manter os palestinianos à distância nem continuar a lucrar com o aumento e a venda de armas. O desenvolvimento belicista e tecnológico estancaria sem a cooperação e a legitimidade oferecida pelas universidades e pelos centros de investigação, como é o caso do Conselho Nacional de Investigação da Itália (CNR), que tem diversos contratos com a indústria agroalimentar, por exemplo. Nada disto funcionaria sem os fundos europeus concedidos às empresas israelitas.

O relatório afirma claramente que estas empresas podem ser consideradas responsáveis pelos crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.

Historicamente, as empresas privadas tentaram iludir as obrigações legais, exercendo uma grande influência no processo de estabelecimento destas obrigações e responsabilidades. Recordemos quão influente é o grupo de pressão ligado ao fabrico de armas na criação de leis e regulamentos. Mas, ao mesmo tempo, há princípios que exigem a devida diligência. Neste caso, há processos contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça e no Tribunal Penal Internacional. Embora ainda não tenha sido proferida sentença, os dois tribunais alertaram para a presunção de risco, o que obrigaria a não apoiar o Estado objeto de investigação. Se os estados devem atender a esta obrigação, o mesmo deveria ser aplicado às empresas cujas ações prejudicam diretamente os direitos humanos. Algumas empresas estão diretamente envolvidas na prática de crimes: a empresa de cimento que extrai recursos naturais das minas dos Territórios Palestinos Ocupados, as empresas que vendem armas letais, as que fornecem escavadoras utilizadas nas demolições nos Territórios Ocupados, etc. Não se trata apenas de uma ligação: trata-se de cumplicidade no cometimento de crimes contra o direito à autodeterminação, na realidade da anexação e no apoio à ocupação permanente.

O relatório menciona a Leonardo. Há outras empresas italianas no milhar de companhias investigadas?

Há empresas e universidade italianas, mas continuam sob investigação.

A cumplicidade do sector privado permite que o projeto de colonização continue e, portanto, o regime de apartheid. Isto acontece porque o sistema de opressão é vantajoso: gera lucros. Como pode converter-se em desvantajoso?

O método mais imediato e justo consiste em perseguir esta injustiça. Há que levar a tribunal empresas como a israelita Elbit ou a italiana Leonardo, sobretudo para que seja possível oferecer indemnizações às vítimas. O segundo método reside na responsabilidade imposta pela opinião pública. Empresas como a Airbnb e Booking.com podem ser objeto de boicote. O mesmo se pode dizer da Volvo, cujos veículos são utilizados para demolir casas e sacar cadáveres palestinos dos escombros em Gaza ou para trasladar presos políticos palestinianos. Temos de retomar um sistema de legalidade. O meu apelo consiste num regresso à legalidade, baseado num ponto fundamental: acabemos com a construção mental de que há um «Israel bom» dentro das fronteiras do Estado e um «Israel mau» nos Territórios Ocupados. A colonização é um empreendimento estatal, o apartheid é um crime de estado, o genocídio é um crime de estado. Já não basta desinvestir nos colonatos.


Fonte: sinpermiso.info, extraída de Il Manifesto Global, 13 de julho de 2025

Tradução: Rui Viana Pereira, a partir da tradução para castelhano de Lucas Antón

Francesca Albanese

relatora ante las Naciones Unidas para los Derechos Humanos en los Territorios Ocupados de Palestina, es licenciada en Derecho por la Universidad de Pisa y máster en Derechos Humanos por la SOAS de la Universidad de Londres. Doctoranda en Derecho Internacional de los Refugiados en la Universidad de Ámsterdam, ha sido becaria afiliada del Instituto para el Estudio de la Migración Internacional de la Universidad de Georgetown y asesora principal sobre migración y desplazamiento forzoso del grupo de reflexión Renacimiento Árabe para la Democracia y el Desarrollo (ARDD), donde cofundó la Red Global sobre la Cuestión de Palestina (GNQP), una coalición de profesionales y personalidades académicas de renombre especializados en Israel/Palestina. Su último libro es “Palestinian Refugees in International Law” (Oxford University Press, 2020).

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