24 de Junho de 2018 por Eric Toussaint , Marie Brette
René Magritte - cc
Eric Toussaint, que lhe parece o acordo assinado pelos ministros da zona euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. ? A Grécia saiu da crise?
E. T.: Não é uma saída da crise. E de resto, ao nível da zona euro, não se pode dizer que a situação seja particularmente brilhante, nem sequer do ponto de vista dos dirigentes europeus. Este anúncio de redução da dívida é ilusório, uma vez que o stock da dívida não foi reduzido; trata-se simplesmente de adiar 10 anos o início do pagamento de alguns reembolsos, nomeadamente os que são devidos aos parceiros europeus da Grécia. Os montantes a reembolsar ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Central
Banco central
Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE).
Europeu e aos credores privados são muito pesados e não são adiados. Continuam a vencer continuamente. O FMI já ganhou pelo menos 5 mil milhões com os títulos gregos desde 2010 e o BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
, pelo menos 8 mil milhões. De facto, no fundo o acordo consiste em prolongar o calendário de reembolso; oferece uma recompensa de consolidação ao governo de Alexis Tsipras, que durante três anos aplicou dezenas de reformas exigidas pelos credores. Após três anos de políticas austeras tão duras, era necessário permitir a Tsipras dizer à população grega que as medidas de austeridade tinham acabado por dar bons resultados. Mas as políticas anti-sociais impostas pelos credores (FMI, BCE, Mecanismo Europeu de Estabilidade
MES
Mecanismo Europeu de Estabilidade
O Mecanismo Europeu de Estabilidade é um dispositivo europeu de gestão das crises financeiras da zona euro que substitui desde 2012 o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira, que tinham sido criados em resposta à crise da dívida pública na zona euro. O seu âmbito apenas diz respeito aos Estados-membro da zona euro. Esta instituição financeira tem a tarefa, em caso de ameaça à estabilidade da zona euro, de conceder «ajuda» financeira (empréstimos) a um ou mais países em dificuldade, a troco de condicionamentos estritos.
) vão ser reforçadas. Os dirigentes europeus, com o acordo de 22 de junho, quiseram dar sinal aos fundos de investimento privados de que podem voltar a comprar títulos gregos após o mês de agosto, pois são dadas garantias públicas.
A Grécia é uma vítima expiatória das políticas adoptadas na União Europeia
Em que estado económico se encontra a Grécia?
E.T.: Está num estado lamentável. A queda do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
em relação a 2009-2010 ronda os 30 %. Do ponto de vista dos indicadores macroeconómicos, a Grécia está em mau estado. 350 000 jovens altamente qualificados partiram para a Alemanha, França e outros países do Norte da Europa. A Grécia encontra-se em evolução demográfica negativa, se descontarmos os refugiados que o país acolhe e que permitiram em 2017 manter o equilíbrio. A partir de agora vamos assistir a um decrescimento da população grega. A taxa de desemprego dos jovens já ronda os 40 %. Segundo os números do Eurostat, 47 % das famílias gregas faltou ao pagamento de um dos seus créditos
Créditos
Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor).
e a taxa de incumprimento dos créditos bancários é também superior a 46,5 %. Quer olhemos para o emprego, para o sistema financeiro ou para a produção, a situação é extremamente má e resulta das políticas impostas à Grécia. O país é uma vítima expiatória da políticas adoptadas na União Europeia. A qual quis mostrar aos outros povos da zona euro que lhes sairia caro pôr no governo uma força portadora de mudanças radicais à esquerda e em ruptura com a austeridade!
Que deveria ter sido feito?
E.T.: Em 2010 teria sido necessário resolver a crise bancária, em vez de manter à tona os bancos privados que incorreram em riscos enormes. Em vez de injectar dezenas de milhares de milhões de euros na recapitalização Recapitalização Reconstituição ou aumento de capital duma sociedade para reforçar os fundos próprios, postos em cheque por perdas. No quadro do resgate dos bancos nos Estados europeus, o mais frequente, os Estados recapitalizaram os bancos sem impor condições e sem exercer o poder de decisão que lhes confere a participação no capital bancário. desses bancos, eles deveriam ter sido saneados e transferidos para o sector público. Há na Grécia quatro bancos que controlam 85 % do mercado bancário grego. Teria sido necessário impor aos bancos alemães e franceses, que emprestaram massivamente ao sector privado grego, que assumissem os riscos dos seus créditos, em vez de criar uma troïka que emprestou dinheiro público à Grécia, para que esta reembolsasse os bancos. Politicamente, quando o povo grego escolheu em 2015 apoiar uma coligação que propunha mudanças importantes em matéria de justiça social, teria sido necessário permitir que o povo grego praticasse a democracia. Ora a vontade democrática foi sistematicamente combatida pelas autoridades europeias, que ficaram satisfeitas com a capitulação de Tsipras no Verão de 2015, aquando da assinatura do terceiro Memorando, que aprofundou a crise grega.
Dever-se-ia ter anulado a dívida grega?
A Grécia está na 3.ª ou 4.ª posição na lista de países que mais gastam em armamento (…) No início de 2018, Alexis Tsipras encontrou-se com Donald Trump e anunciou a compra de armas aos EUA no valor de 1,6 mil milhões de euros
E.T.: Sem dúvida. Esse é um procedimento normal. Quando a Polónia abandonou o Pacto de Varsóvia, no início dos anos 1990, os credores ocidentais concederam-lhe uma redução de 50 % da dívida. Na mesma época, quando o Egipto participou na primeira Guerra do Golfo, também lhe anularam 50 % da dívida. No Iraque, após a invasão americana em março de 2003, 80 % da dívida foi anulada. Portanto as reduções de dívida avultadas são coisa corrente há décadas. E eram muito necessárias no caso da Grécia. Deviam ter sido aplicadas, com realização de uma auditoria participada pelos cidadãos e cidadãs, de forma a determinar as responsabilidades, tanto do lado grego como do lado dos credores. Recordemos que em percentagem do PIB, a Grécia está na terceira ou quarta posição na lista de países que mais gastam em armamento em todo o mundo! E quem são os principais fornecedores da Grécia? A Alemanha, a França e os EUA! Aquando do primeiro Memorando de 2010, uma das rubricas orçamentais que não foi reduzida foi a das encomendas de material militar. E isto continua. No início de 2018, Alexis Tsipras encontrou-se com Donald Trump e anunciou a compra de armas aos EUA no valor de 1,6 mil milhões de euros.
Tradução: Rui Viana Pereira
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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