MANIFESTO - CADTM - 8 MARÇO «PELO NÃO PAGAMENTO FEMINISTA DA DÍVIDA»

9 de Março de 2022 por CADTM International


Somos militantes e activistas feministas, internacionalistas e anticapitalistas do CADTM, provenientes de várias regiões do Mundo. Por ocasião do 8 de março, jornada internacional de luta pelos direitos das mulheres, queremos destacar as reivindicações e as lutas feministas contra a dívida, esse instrumento de dominação e COLONIZAÇÃO FINANCEIRA dos nossos lares, dos nossos corpos e dos nossos territórios. Por isso lançamos este manifesto aberto a todas e todos quant@s queiram apoiá-lo e difundi-lo.



A dívida oprime as populações, tanto no Sul Global como no Norte (seja através de planos de ajustamento estrutural ou da austeridade imposta pelas instituições financeiras internacionais), e tem consequências particularmente devastadoras para as mulheres* (assim como para os grupos mais vulneráveis da população) enquanto trabalhadoras, pequenas produtoras e camponesas, utentes dos serviços visados e pessoas «adstritas» aos cuidados, etc.
A crise sanitária e económica actual agrava as nossas condições de vida, aprofundando não só a precariedade, as desigualdades, a pobreza e o nível de endividamento das classes populares, tornando ainda mais difícil a possibilidade de imaginar novos horizontes. Com o pretexto da urgência de enfrentar a crise sanitária, o contexto mundial caracteriza-se por níveis de endividamento público sem precedentes, o que servirá de instrumento de chantagem nos anos vindouros para impor mais austeridade e privatizações às populações e provocará consequências ainda mais desastrosas para as mulheres* [1]

Quem assume os «custos» da reprodução social e do trabalho de cuidar dos outros neste contexto? São as mulheres*.

Para privilegiar o reembolso das DÍVIDAS PÚBLICAS ILEGÍTIMAS, em qualquer parte do Mundo, os cortes orçamentais nas despesas públicas:

  • atacam o nosso direito à saúde, à educação, à habitação, etc.;
  • obrigam-nos a recorrer ao endividamento privado, como sejam os microcréditos concedidos às mulheres, a taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. abusivas, para acudir às necessidades fundamentais das nossas famílias (alimentação, medicamentos, renda de casa, etc.);
  • acorrentam-nos a lares onde reina a violência masculina e que representam um obstáculo à nossa emancipação;
  • reforçam a invisibilidade e a desvalorização do trabalho de cuidar e da reprodução social (que recai sobre as mulheres);
  • condenam-nos a aceitar empregos cada vez mais precários e mal pagos;
  • aprofundam o modelo actual de produção extractivista e de desenvolvimento, fundado na reprimarização da economia, a fim de obter divisas estrangeiras, donde resulta a perda de territórios, mais desigualdades e marginalização, assim como a presença crescente de multinacionais protegidas por acordos de livre-câmbio. São principalmente as mulheres que lutam contra essas empresas, pela defesa dos nossos territórios, das nossas culturas e dos nossos modos de vida;
  • etc.

É assim que funciona o sistema da dívida, que a colonização financeira se impõe nos lares. É assim que a dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. e a dívida privada estão ligadas e perpetuam o capitalismo e o patriarcado.
MAS sem o trabalho gratuito ou mal-pago efectuado pelas mulheres*, o sistema desaba! De facto, o sistema capitalista e patriarcal tem uma dívida social às mulheres* longamente acumulada. Quem depende de quem? O sistema precisa de nós para continuar a funcionar. Se as mulheres pararem, o mundo pára… Ao inverter estas lógicas, coloca-se a questão: QUEM DEVE A QUEM?

>>> REIVINDICAÇÕES

  • ANULAR AS DÍVIDAS PÚBLICAS identificadas como ilegítimas dos países do Sul em relação a todos os credores: bilaterais, multilaterais e privados.
  • LUTAR CONTRA O ENDIVIDAMENTO PRIVADO e propor ALTERNATIVAS AO MICROCRÉDITO, como sejam as economias solidárias, que já foram experimentadas em certas regiões do mundo e podem servir de ponto de partida para as nossas reflexões. A curto prazo, é preciso melhorar as condições de endividamento às instituições de microcrédito, nomeadamente impondo uma taxa de juro zero e impondo-lhe limites através de leis nacionais.
  • Lutar contra este sistema financeiro dominado por uma minoria de especuladores que ambicionam aumentar os seus lucros, substituindo-o por um sistema de empréstimos ao serviço do bem comum Bem comum Em economia, os bens comuns caracterizam-se pelo modo de propriedade colectiva, distinguindo-se da propriedade privada e da propriedade pública. Em filosofia, designam o que é partilhado pelos membros duma comunidade, do ponto de vista jurídico, político ou moral. .
  • Instaurar uma AUDITORIA FEMINISTA DA DÍVIDA (que deveria incluir a dimensão feminista, ou seja, levar em conta o contributo não reconhecido das mulheres para a economia e propor soluções como a socialização dos cuidados, ou seja um envolvimento de todos os actores sociais e económicos nessas actividades, das quais todos e todas dependemos), incluir nessa dimensão a auditoria às diversas formas de abuso cometidas pelos organismos da microfinança, na qual as mulheres representam 80 % dos devedores.
  • Instaurar uma EDUCAÇÃO NÃO MACHISTA/SEXISTA e sensibilizar para as discriminações e violências em relação às mulheres*, bem como para os direitos sexuais e reprodutivos e os direitos das mulheres em geral em todas as esferas da vida.
  • ACABAR COM A DIVISÃO DO TRABALHO DE REPRODUÇÃO SOCIAL EM FUNÇÃO DO SEXO.

O nosso desafio actual como feministas é o de radicalizar o processo de luta que já construímos a partir de uma perspectiva de pluralidade dos sujeitos e de resistência ao modelo actual. Devemos tomar a dianteira no desmantelamento deste modo de vida fundado na injustiça e na exploração e avançar para novas formas de conexão, de colaboração e de articulação, nas quais a vida seja colocada no centro.


Notas

[1Quando nos referimos a mulheres, estamos a falar de qualquer pessoa identificada ou que se identifique como mulher.

Outros artigos em português de CADTM International (33)

CADTM

COMITE PARA A ABOLIÇAO DAS DIVIDAS ILEGITIMAS

8 rue Jonfosse
4000 - Liège- Belgique

00324 60 97 96 80
info@cadtm.org

cadtm.org