26 de Junho por Yorgos Mitralias
Ilustração de Jorge Alaminos
Expressiva coincidência: no mesmo dia, 21 de junho de 2023, quase no mesmo instante, Macron e Putine declararam guerra a todos e todas quantos levam a sério a protecção da natureza, da humanidade e do planeta! Macron e seu governo decidiram dissolver o importante colectivo ecologista Soulevements de la Terre [numa tradução muito redonda: A Terra Treme]. Putine anunciou a proibição da organização não governamental WWF (World Wide Fund for Nature, Fundo Mundial para a Natureza). Resumindo: Putine e Macron, o mesmo combate …
Mas porquê toda esta hostilidade anti-ambiental por parte dos dois presidentes e dos seus regimes? Em ambos os casos, as razões são tão transparentes como as verdadeiras motivações dos seus autores. A resolução das autoridades russas afirma que a WWF foi proibida porque «as iniciativas da WWF visam grandes empresas activas nos sectores da energia, do petróleo e do gás, bem como as envolvidas no desenvolvimento de depósitos de minerais e metais preciosos». E também porque «o WWF realiza actividades destinadas a impedir a aplicação da política do país relativa ao desenvolvimento industrial do Árctico e à exploração dos recursos naturais nos territórios do Árctico». Acrescentam que o WWF também «recolheu informações sobre a situação ambiental nas regiões da Rússia» e «preparou avaliações tendenciosas» destinadas a «impedir o desenvolvimento económico do país»!
Comparando com Macron e seu governo, que preferem falar da pretensa «violência» do Soulèvement de la Terre para justificar a sua dissolução, o mérito do autoritário presidente russo é que ele não está com circunlóquios, diz de caras a sua «verdade»: é evidente que o WWF fez na Rússia tudo quanto o regime russo o acusa de ter feito, tal como o faz em todo o mundo. Por isso não surpreende que o WWF seja proibido por pessoas como Putine, que, ainda há poucos anos, exprimiu a sua afeição por combustíveis fósseis, ao afirmar que eles só podiam beneficiar a Rússia, porque … ia transformar a Sibéria em um jardim (!). Aliás, antes da interdição do WWF, Putine e os seus acólitos já tinham declarado o Greenpeace «indesejável», por representar uma «ameaça aos fundamentos da ordem constitucional e à segurança» da Rússia e tentar «derrubar o poder de forma anticonstitucional»…
É claro que o tristemente célebre ministro do Interior de Macron não tem a mesma liberdade de expressão que caracteriza Putine e o seu procurador-geral, quando fala de «violência» do Soulèvement de la Terre. Mas a imprensa francesa publicou bastantes reportagens que mostram que a interdição do movimento ecologista, conhecido pela sua capacidade de mobilizar milhares de manifestantes, não só serve directamente os interesses da agroindústria, mas também é feito praticamente a pedido do seu principal representante, o grémio dos grandes empresários agrícolas (FNSEA) e outros patrões do agronegócio. Certamente não é por acaso que o principal dirigente da FNSA, ele próprio grande produtor de cereais, conseguiu «persuadir» Macron a proibir os Soulèvement de la Terre fazendo campanha com declarações alarmistas do género «a impunidade dos Soulèvements levará o mundo inteiro à guerra civil».
O que distingue a França de Macron da Rússia de Putine é que na Rússia praticamente ninguém ousou criticar publicamente a proibição do WWF, enquanto na França se levantou uma multidão de pessoas a criticar publicamente a dissolução dos Soulèvement de la Terre; milhares de pessoas manifestaram-se em dezenas de cidades contra o milésimo acto antidemocrático da Macrónia. No entanto, esta diferença entre os dois regimes tende a diminuir tendo em conta que a polícia de Macron tem detido, nos últimos dias, dezenas de militantes dos Soulèvements de la Terre e outros activistas ecologistas, exactamente como faz Putine e as suas forças da repressão, contra os seus próprios ecologistas, desde há longo tempo.
Na verdade, a dissolução dos Soulèvement e a proibição do WWF não são excepções à regra, mas sim duas manifestações emblemáticas da mesma política destrutiva da natureza – uma política orquestrada pelo capitalismo mundial e respectivos moços de frete políticos. Tão-pouco são coincidência as campanhas mediáticas dos dois governantes contra um espantalho inventado à medida, o ecoterrorismo – aliás, as políticas repressivas contra a mirabolante categoria dos «ecoterroristas» estão a alastrar por toda a parte neste mundo capitalista. É um facto que esse mundo do lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). custe a quem custar começa a recear as revoltas populares, cada vez mais massivas e radicais, provocadas pelas políticas anti-ambientais; prefere atalhar, reprimindo brutalmente, antes que seja demasiado tarde para conter o furacão popular que espreita no horizonte.
No momento em que as grandes potências não se coíbem de agravar a crise climática, e que na Europa se assiste ao terrível «ecocídio» resultante da destruição da barragem ucraniana de Kakhovska, é mais que um simples dever militante manifestar na rua o repúdio contra a crescente repressão dos activistas ecologistas. Como fez notar Greta Thunberg numa manifestação em que estava rodeada de militantes do Soulèvements de la Terre no dia seguinte à sua dissolução, «é uma questão de direito de manifestação e de defesa da vida».
Tradução: Rui Viana Pereira
jornalista, Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê para a Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida.
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