18 de Junho por Eric Toussaint , Maxime Perriot
É uma grande crise do sistema capitalista globalizado, a maior crise desde as de 1914-1945.
Éric Toussaint: Sim, todos os indicadores estão no vermelhos. Podemos mencionar os seguintes sinais: Desaceleração econômica muito acentuada (estagnação na zona do euro no último trimestre de 2022 - primeiro trimestre de 2023) sem qualquer redução nas emissões de gases de efeito estufa e outros danos ambientais; efeitos dramáticos da crise ecológica, especialmente em sua dimensão climática; aumento muito acentuado da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. e privada; inflação alta e perda de poder de compra para as classes trabalhadoras; precariedade crescente dos empregos; explosão da desigualdade, com um aumento colossal da riqueza e da renda do 1% mais rico; queda no índice de desenvolvimento humano IDH em muitos países, especialmente em relação a expectativa de vida, inclusive no Norte; intensificação das guerras comerciais; grave crise global de alimentação; guerras na Europa, na Península Arábica, no leste da RDC etc. o aumento de formas autoritárias de governo (repressão cada vez mais violenta dos protestos, marginalização do legislativo etc.); ataques aos direitos humanos fundamentais, como o direito ao aborto; políticas migratórias cada vez mais restritivas e mortais; sucesso eleitoral da extrema direita etc.
O único setor econômico com um aumento muito forte na produção é o setor militar. Essa é uma crise de grandes proporções do sistema capitalista globalizado, a maior desde as de 1914-1945.
Éric Toussaint: Não há um fim à vista. As coisas vão piorar: Bolhas especulativas podem estourar a qualquer momento, causando uma piora repentina da situação econômica; pode haver confrontos armdos ainda mais graves do que os atuais; os desastres climáticos e ambientais provavelmente se agravarão ainda mais; as crises de saúde estão longe de terminar; os governos e os bancos centrais não estão tomando nenhuma medida relevante para ajudar a humanidade a sair da crise; a concentração das ferramentas estratégicas de produção e finanças nas mãos de um número cada vez menor de grandes acionistas privados continua nas indústrias de energia e extração, no comércio de alimentos e outras matérias-primas, no setor farmacêutico, no setor bancário etc.
As políticas dos governos e dos bancos centrais de injeções maciças de liquidez e aumento rápido da dívida provocaram e/ou sustentaram o surgimento de novas bolhas financeiras.
Éric Toussaint: Apesar do enorme acúmulo de riqueza pelo 1% mais rico, apesar dos ganhos colossais obtidos por várias grandes empresas, especialmente nos setores de energia, alimentos, grandes empresas farmacêuticas, transporte marítimo e armamentos... no geral, a taxa de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). não aumenta o suficiente para que o grande capital relance uma grande onda de investimento produtivo.
Nunca devemos perder de vista o fato de que o capital busca maximizar a taxa de lucro. Quando não consegue fazer isso, ele se concentra principalmente na especulação Especulação Operação que consiste em tomar posição no mercado, frequentemente contracorrente, na esperança de obter um lucro. . Isso faz parte das contradições inerentes ao sistema capitalista.
Com exceção das empresas muito grandes que estão obtendo lucros extraordinários aproveitando-se de crises como pandemias, escassez de energia e guerras, a maioria das empresas enfrenta uma taxa de lucro em queda e uma queda na produtividade, apesar do agravamento das condições de exploração e da precarização da força de trabalho.
Há também um problema com o fornecimento de mercadorias: as cadeias de suprimentos foram interrompidas pelas medidas de confinamento durante a pandemia do coronavírus em 2020-2021 (até 2022, inclusive, para a China). O setor de semicondutores, cuja produção está concentrada em alguns países, está enfrentando problemas de produção e mal consegue atender à demanda. Esse fenômeno está sendo exacerbado pela guerra comercial e tecnológica entre os Estados Unidos e a China (já que estamos em uma fase em que Washington está se tornando cada vez mais agressivo e tentando limitar a expansão econômica e comercial chinesa).
No setor imobiliário, a oferta está muito alta em relação à demanda. Mais uma vez, houve uma fase de superinvestimento na construção de imóveis em relação à demanda solvente, como nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na China. Isso é particularmente evidente em imóveis comerciais (escritórios, lojas, etc.). Uma bolha especulativa Bolha especulativa A bolha económica, bolha financeira ou bolha especulativa forma-se quando o nível dos preços de troca num mercado (mercado de activos financeiros, mercado de câmbios, mercado imobiliário, mercado de matérias-primas, etc.) se estabelece muito acima do valor financeiro intrínseco (ou fundamental) dos bens ou activos trocados. Neste tipo de situação, os preços afastam-se da valorização económica habitual, com base numa crença manifestada pelos compradores. se desenvolveu entre 2018 e 2022 e uma nova crise imobiliária teve início.
As políticas dos governos e dos bancos centrais de injeção de grandes quantidades de liquidez e de aumento rapido da dívida provocaram e/ou sustentaram o surgimento de novas bolhas financeiras. Esse é claramente o caso da capitalização do mercado de ações, do mercado de títulos de dívida, do setor imobiliário em muitos países, do mercado de commodities Commodities O termo commodities designa, do ponto de vista da produção, os mercados de matérias-primas (produtos agrícolas, minerais, metais e metais preciosos, petróleo, gás, etc.); do ponto de vista financeiro designa os bens susceptíveis de serem transaccionados no mercado financeiro. e das criptomoedas. A mudança de 180 graus na política desde 2022, de Quantitave Easing (QE) para Quantitave Tightening (QT), está causando grande instabilidade financeira e falências bancárias em particular. Em resumo, a decisão dos governos e dos bancos centrais de aumentar as taxas de juros, principalmente para combater a inflação, está levando à estagnação (ou até mesmo a uma possível recessão) e a crises financeiras, sem conseguir reduzir significativamente a inflação. É possível que a crise financeira que já levou ao colapso de várias empresas de criptomoedas em 2022 e ao colapso de 4 grandes bancos nos Estados Unidos e na Europa em março de 2023 se alastra e que haja mais falências bancárias ou acidentes financeiros graves em outros setores, como os mercados de ações, o setor imobiliário, especialmente o setor de imóveis comerciais, o setor de títulos etc.
Éric Toussaint: Uma nova crise da dívida está afetando uma série de países do Sul, seja na Ásia (Sri Lanka, Paquistão, Bangladesh etc.), na África Subsaariana (Gana, Zâmbia etc.), no Norte da África (Tunísia, Egito etc.), no Oriente Médio (Líbano etc.), na América Latina (Argentina), no Caribe (Porto Rico, Cuba etc.) etc. Alguns desses países estão inadimplentes ou, como o Sri Lanka, já estiveram inadimplentes. É provável que haja mais insolvências.
Vejam tambem os videos das entrevistas em françês de Eric Toussaint feitas por Maxime Pierrot sobre as formas da crise: Nouvelle crise bancaire - Épisode 2 - Pourquoi la Silicon Valley Bank a-t-elle fait faillite ? Nouvelle crise bancaire - Épisode 3 - Après trois banques étasuniennes et Credit Suisse, vers de nouvelles faillites bancaires ? Nouvelle crise bancaire - Épisode 5 - Les banques centrales augmentent leurs taux d’intérêt directeurs, pour quels effets ? Nouvelle Crise de la dette dans le Sud Global - Quelles causes ? Quelles alternatives ? Il y a une vie sans le FMI ! |
Em geral, a crise esta desencadeada por uma sucessão de choques externos que afetam seriamente as economias do Sul. Esses choques externos são o resultado de ações e eventos originados no Norte:
1. os efeitos da pandemia do coronavírus, que começou no Norte (China, Europa, América do Norte) antes de se espalhar para o Sul. Os efeitos da pandemia sobre a dívida são claros: um aumento na dívida pública para financiar a luta contra a pandemia e uma redução nos recursos em moeda forte necessários para pagar a dívida externa: uma queda radical no turismo a partir de 2020 até 2022, do qual algumas economias se tornaram altamente dependentes (por exemplo, Sri Lanka e Cuba).
2. Os efeitos da guerra provocada pela invasão russa na Ucrânia: um aumento acentuado no preço dos cereais, enquanto uma série de países do Sul se tornaram importadores líquidos de cereais e fertilizantes químicos porque organizações como o Banco Mundial e o FMI, bem como os governos do Norte (com a cumplicidade dos governos dos países do Sul), os pressionaram a favorecer a produção de outros produtos agrícolas (frutas tropicais, café, chá, algodão, soja transgênica para alimentar o gado etc.). Esse aumento acentuado no preço da importação de cereais levou à falta de recursos financeiros e, portanto, a problemas de pagamento de dívidas ou ao acúmulo insustentável de novas dívidas para continuar importando. A guerra na Ucrânia também levou a um aumento no preço do combustível, e uma série de países do Sul são importadores de combustível. Para países como Egito, Sri Lanka e Tunísia, que importam cereais e combustível, a situação da dívida se tornou insustentável.
3. O terceiro grande choque externo: os efeitos da mudança climática e a crise ecológica. Esse é particularmente o caso do Paquistão, que sofrerá uma inundação catastrófica em 2022.
4. Quarto grande choque externo: O aumento do custo de refinanciamento da dívida causado pela decisão unilateral do Federal Reserve dos EUA, do Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu e do Banco da Inglaterra de aumentar drasticamente as taxas de juros a partir de 2022. Os países do Sul que estavam contraindo empréstimos com juros anuais de 3% a 6% antes de 2021 agora estão enfrentando um aumento acentuado nos juros que alcançaram ente 9% e 15% para os novos empréstimos. Isto, de novo, e insustentável.
Éric Toussaint: As políticas do FMI não mudaram, nem as do Banco Mundial. Elas são tão prejudiciais quanto no passado. E como muitos países do Sul acabaram de receber empréstimos do FMI, eles estão tendo de intensificar a aplicação de políticas neoliberais antipopulares.
Nesse contexto, é muito importante apoiar a chamada da CADTM para uma contra-cúpula em Marrakech, de 12 a 15 de outubro de 2023, por ocasião das reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial.
A chamada: Apelo para uma contra cimeira mundial dos movimentos sociais nas Assembleias Anuais FMI-BM em Marraquexe de 9 a 15 de Outubro |
A crise ecológica é o produto de dois séculos de produção capitalista como sistema dominante
Éric Toussaint: Desde 1945, nunca houve uma crise em tal escala e com tantas facetas como a crise atual. A crise ecológica e sua dimensão climática estão em uma escala nunca vista antes. A crise ecológica é o produto de dois séculos de produção capitalista como sistema dominante. No espaço de dois séculos, esse modo de produção afetou e degradou profundamente a vida no planeta, e agora chegamos a um ponto crítico. Podemos acrescentar a isso a crise sanitária da qual estamos apenas saindo e que pode voltar. Essa crise sanitária já causou mais de 7 milhões de mortes. Sua escala está ligada também ao próprio sistema capitalista. Acrescentemos que, em comparação com 1945, o arsenal nuclear proliferou e o nível de tensões internacionais poderia levar a um holocausto. De outros pontos de vista, a crise capitalista é de fato a mais grave desde 1945, principalmente em termos de colapso econômico. A tendência ao reforço de formas de governo mais autoritárias e violentas está afetando todos os continentes em graus variados. A ascensão global das forças de extrema direita é a mais forte desde 1945. As repetidas violações dos direitos humanos estão aumentando, principalmente em relação à migração e ao direito de asilo. Diante desses fatos, não devemos desistir, devemos redobrar nossos esforços para uma verdadeira revolução auto emancipatória acontecer.
Tradução: Alain Geffrouais
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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