Mobilização social é indispensável para auditoria da dívida pública, diz economista colombiano

1 de Dezembro de 2011 por Daniel Munevar , João Novaes




A crise financeira mundial iniciada em 2008 pode ter levado desemprego e recessão para milhões de pessoas, especialmente nos países desenvolvidos. Entretanto, são essas ocasiões que instigam e provocam jovens a se engajarem e se tornarem ativistas. Está é a geração dos indignados, que já provocou mudanças em regimes ditatoriais no mundo árabe e interfere no quadro político de nações européias como a Espanha.

Fora do aspecto político, um jovem economista colombiano de 26 anos passou a se dedicar profundamente aos estudos e alternativas para combater a crise da dívida após o estouro da bolha do subprime. E acabou por tornar-se coordenador-geral do CADTM (Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo) na América Latina. Daniel Munevar já escreveu diversos livros e viaja o mundo ao lado do belga Éric Toussaint, célebre ativista que preside a organização.

Fundado em 1990, o grupo atua pela elaboração de alternativas (vistas como radicais para muitos) às saídas econômicas de austeridade rezadas atualmente pela Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu) aos países endividados na zona do euro. Entre essas propostas, está a realização de auditorias nos países endividados, para que se descubra o quanto dessa dívida deve realmente ser paga. O maior exemplo ocorreu com o Equador, em 2007, e Munevar incentiva todos a fazerem o mesmo.


Munevar em Brasília, durante seminário sobre a crise mundial da dívida (Herick Murad/divulgação)

Para o colombiano, vive-se um momento em que a economia global não é guiada pelo pensamento científico, mas por ideologias, que não consideram a transparência no manejo dos recursos públicos um direito estabelecido. Por isso, é preciso revelar e mobilizar a população sobre os efeitos devastadores dos mecanismos de endividamento.

Munevar esteve em Brasília no final de outubro, onde participou da terceira edição do Seminário internacional Latino-Americano: Alternativas de Enfrentamento à Crise, e concedeu uma entrevista ao Opera Mundi sobre o panorama mundial em torno da crise da dívida.

Em que pé estão as iniciativas, em diferentes países, para realização de auditorias para que se conheça a real situação das dívidas públicas?

Os efeitos devastadores da crise financeira global sobre a qualidade de vida das populações reavivaram a discussão sobre a necessidade de realizar as auditorias e esclarecer as origens e consequências do endividamento público. Isso se deve ao fato de que o pagamento da dívida ter se convertido no principal argumento defendido por governos para justificar cortes de gastos públicos em serviços sociais ou privatizar ativos públicos.

No caso da Europa deste ano observa-se a organização de diversos comitês de auditoria. Em maio, foi finalizado na Grécia um chamado para o estabelecimento de uma dessas iniciativas com o apoio de mais de 200 economistas e personalidades internacionais. Lá, o movimento conta com forte apoio popular e é liderado pela deputada Sofia Sakorafa.

Em setembro, na Irlanda, a comissão local publicou o primeiro relatório. Ele destacou a falta de transparência no manejo das finanças públicas após o impacto da crise em 2008 e a necessidade de identificar os credores e mecanismos que levaram ao rápido crescimento da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. nos últimos anos.

Na Espanha, a iniciativa foi lançada em outubro. A convocatória foi realizada por 20 organizações e movimentos sociais. Vemos sendo preparadas iniciativas similares em Portugal, França e Bélgica, que estão muito avançadas e possivelmente começarão nos próximos meses.

Esse tipo de iniciativa não existe somente na Europa. Na Tunísia, após a queda de Zine el Abidine Ben Ali, os movimentos sociais, com o apoio de parlamentares europeus, pediram a suspensão imediata de pagamentos. Consideram que dívida adquirida em pleno regime ditatorial é ilegítima.

Seguindo a experiência da auditoria no Equador, entre 2007 e 2008, o objetivo destas iniciativas era estabelecer detalhadamente a legalidade e a legitimidade dos processos de endividamento das entidades públicas. Esta análise permitirá determinar quais contratos violaram as leis e, assim, liberar os Estados da obrigação de cumprir com o pagamento de uma dívida de caráter ilegal e, em muitos casos, ilegítima.

A auditoria é um primeiro passo. E o que fazer depois? Quais as chances dessas iniciativas realmente terem sucesso?

A etapa seguinte à auditoria deverá ser o estabelecimento de mecanismos de controle cidadão das finanças públicas. A ideia é impedir que ela volte a ser utilizada em detrimento aos interesses da população.

O êxito de una iniciativa deste tipo depende basicamente de dois fatores: o primeiro é o grau de informação do público sobre o impacto negativo que os mecanismos de endividamento público têm quando são levados de forma pouco transparente e sem controle.


Protetos contra as medidas de austeridade viraram constante na Grécia; população soube se mobilizar (Efe)

O segundo é a mobilização por parte da população, fazendo pressão política que obrigará os governos a abrir os livros de contabilidade para o controle cidadão das finanças. É necessário apoio contínuo dos movimentos sociais e organizações populares nas diferentes etapas do processo de auditoria da dívida.

As medidas de controle de despesas e austeridade fiscal não têm um lado positivo? Elas não servem para evitar a má utilização das contas públicas? A Grécia, por sua vez, não tem responsabilidade por essa situação – despesas militares em excesso e a Olimpíada, por exemplo?

O controle das finanças públicas é muito importante, mas não deve ser entendido fora de seu contexto. Quando são impostos por organismos financeiros internacionais como o FMI, e condicionam o pagamento da dívida como prioridade absoluta em relação a outros gastos, sem levar em conta as condições sociais e econômicas que o país atravessa, sem prever um debate democrático sobre quais devem ser as prioridades dos gastos públicos, este tipo de controle não atende aos interesses da população.

O único mecanismo real que existe para evitar a degradação dos recursos públicos é a participação ativa de uma população educada, que debate as prioridades e que controla a execução do gasto. A auditoria da dívida é um elemento-chave, tanto na criação desta consciência como na obtenção de mecanismos que são utilizados para fiscalizar o Estado. Quando não existe controle cidadão, fica fácil para megaprojetos associados com o desenvolvimento de infraestrutura ou a organização de eventos como a Olimpíada terminem convertendo-se em oportunidades perfeitas para o rápido crescimento do endividamento público.

O caso da Grécia e dos Jogos Olímpicos de Atenas é emblemático. Um evento que inicialmente tinha custos programados de 5,5 bilhões de euros terminou mais de cinco vezes maia caro, uns 27 bilhões. Parte importante destes recursos não foi registrada de forma oficial no orçamento, e só terminarão sendo descobertos através de um exame mais cuidadoso das contas do governo. Esta situação permite explicar porque até hoje não existe um cálculo oficial dos verdadeiros custos. Entretanto, mais de 80% dos benefícios deste mega-evento terminaram nas mãos de corporações multinacionais.

Até que ponto a experiência do calote parcial da dívida no Equador pode ser repetido na Grécia e na Europa? A Grécia não correria o risco de sofrer represálias de seus vizinhos?

A experiência da auditoria da dívida do Equador é um excelente exemplo a ser seguido, não só na Europa como na América Latina. Nesse caso, a comissão trabalhou entre 2007 e 2008 na revisão dos contratos da dívida pública contraídos pelo país nas últimas duas décadas. A oportuna detecção de irregularidades e ilegalidades pela Comissão permitiu ao governo uma redução em torno de 70% de sua dívida pública. O que resultou numa economia superior a sete bilhões de dólares.

Quando se fala deste exemplo, uma pergunta recorrente é sobre há viabilidade de aplicar estas iniciativas, temendo retaliação do mercado financeiro Mercado financeiro Mercado de capitais a longo prazo. Inclui um mercado primário (o das emissões) e um mercado secundário (o da revenda). A par dos mercados regulamentados encontramos mercados fora da bolsa, onde não existe a obrigação de satisfazer regras e condições mínimas. . Nesse sentido, a experiência não só do Equador, mas também da Argentina em 2001, com o default, são instrutivas. Os dois mostraram que é possível tomar medidas soberanas frente à dívida e aos mercados. Nos dois casos, a redução significativa dos volumes de endividamento impulsionou o crescimento econômico.

No caso da Grécia, o erro parte de supor que o país perderá com a organização da auditoria. Desde o momento que começou a implementação de planos de ajuste impostos para a troika, os níveis de endividamento público passaram de cerca de 120% do PIB PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
no fim de 2009, para 160% agora. As taxas marginais dos impostos já são as mais altas da zona Euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. e, ao mesmo tempo o gasto público foi cortado em quase 20%. Entre 2009 e 2010 a economia caiu cerca de 8% do PIB e o desemprego já alcança 18%.

De acordo com estimativas do grupo japonês de investimento Nomura, a Grécia precisaria continuar com um programa de ajuste até 2030 com superávit primário anual de 7% para conseguir reduzir seus níveis de endividamento até os limites estabelecidos pelo Tratado de Maastricht. Neste ponto, a Grécia pouco tem a perder com a tomada de uma posição soberana de moratória e auditoria.

Quem perderia com essa mudança são os bancos alemães e franceses. Nesse cenário, teriam prejuízos significativos e se veriam ameaçados de solvência. Esta situação pode ser resumida de forma muito concreta: se uma pessoa deve a um banco 100 dólares, ela tem um problema. Se uma pessoa deve 100 bilhões de dólares, quem tem problemas é o banco. O que vemos agora na Grécia e no resto da periferia europeia é uma clara intenção de chantagem por parte da Comissão Europeia e do FMI para proteger os principais bancos europeus com o custo de sacrificar o bem-estar e a qualidade de vida nesses países.

Em uma recente entrevista ao «Le Monde», Éric Toussaint disse que os modos tradicionais de ajuste (como os planos de austeridade do FMI, por exemplo), que não foram eficazes no passado, foram novamente retomados porque a resistência contra eles não se mostrou suficiente. Como convencer o público a se engajar?

Após o brutal impacto da crise financeira de 2008 sobre o emprego e a qualidade de vida de milhões de pessoas ao redor do mundo, uma das surpresas principais foi a incapacidade dos movimentos sociais de organizarem uma resposta coordenada ante este novo contexto internacional. Porém, na medida em que as perspectivas de uma recuperação econômica nos EUA e na Europa desapareceram, e a perspectiva de uma nova recessão global muito mais severa que a de 2008 se materializa de forma cada vez mas concreta, começamos a ver focos de resistência que se consolidam a nível global.

Os indignados europeus, na Espanha, Grécia, França, Bélgica e outros países; o movimento de Occupy Wall Street nos Estados Unidos; a luta do movimento estudantil chileno; as gigantescas manifestações de jovens em Israel. Todos são sintomas claros que as sociedades estão reagindo e recorrendo ao caminho da construção de alternativas que respondam às suas necessidades.

A presidente Dilma Rousseff disse que não acredita ser possível controlar ou regulamentar todo tipo de operação financeira, em especial os derivativos. Você concorda com essa visão?

A regulação das finanças é uma área em que políticas nacionalistas, apesar do que se quer fazer acreditar, têm um importante papel nesta área. O estabelecimento de controles de capitais, para evitar ataques especulativos, é um exemplo claro de medidas a serem tomadas. Entretanto, dado o contexto regional e global atual é claro que, para incrementar a eficiência da regulação dos mercados financeiros, é necessário tomar medidas supranacionais.

São muito importantes as discussões que tiveram início no Conselho Econômico de Unasul para a implementação de comum acordo de medidas como o uso comum de reservas internacionais, controles de capitais regionais ou impostos para transações financeiras internacionais.

Acordos deste tipo na Unasul posicionariam a região em uma posição de vanguarda da tomada de medidas para controlar a especulação Especulação Operação que consiste em tomar posição no mercado, frequentemente contracorrente, na esperança de obter um lucro. financeira. E, dado o recrudescimento da crise a nível global, a região tem que estar preparada para proteger-se em três frentes: queda dos preços de matérias-primas, diminuição da influência de capitais especulativos e desvalorização das moedas.

A tomada de medidas como o estabelecimento de mercados regionais de comércio de matérias-primas, visando estabilizar preços e reduzir a volatilidade, impostos para transações financeiras e controle soberano e regional de reservas internacionais constituem ferramentas-chave para reduzir o impacto da crise.

Opera Mundi


Daniel Munevar

est un économiste post-keynésien originaire de Bogotá, en Colombie. De mars à juillet 2015, il a travaillé comme assistant de l’ancien ministre des finances grec, Yanis Varoufakis ; il le conseillait en matière de politique budgétaire et de soutenabilité de la dette.
Auparavant, il était conseiller au Ministère des Finances de Colombie. Il a également travaillé à la CNUCED.
C’est une des figures marquantes dans l’étude de la dette publique au niveau international. Il est chercheur à Eurodad.

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