Parte 5
25 de Outubro de 2018 por Eric Toussaint
Manifestação contra o Governo de Ortega em Manágua, 28/Abril/2018
O detonador principal dos protestos sociais que tiveram início em Abril/2018 foram as medidas neoliberais impostas pelo governo de Daniel Ortega em matéria de segurança social, nomeadamente as reformas. Estas medidas correspondem às intenções do FMI, com o qual Daniel Ortega manteve excelentes relações depois de ter sido reeleito presidente do país em 2007. Aliás, o FMI felicitou o governo pelos seus feitos, num comunicado publicado em Fevereiro/2018->http://www.imf.org/en/News/Articles/2018/02/06/ms020618-nicaragua-staff-concluding-statement-of-an-imf-staff-visit] : « As performances económicas durante o ano de 2017 foram superiores ao previsto e as previsões para 2018 são favoráveis (…) O staff do FMI recomenda que a reforma prevista do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) assegure a sua viabilidade a longo prazo e corrija as injustiças que existem no sistema. O staff felicita as autoridades pelo seu esforço para reduzir as necessidades de financiamento do INSS. » [1].
A esquerda divide-se na hora de avaliar as políticas do governo de Daniel Ortega de 2007 até hoje, o mesmo sucedendo em relação aos protestos sociais e à repressão exercida pelo regime.
Uma parte da esquerda considera que o governo de Daniel Ortega é progressista e levou a cabo, num contexto internacional difícil, uma política favorável aos sectores populares, ainda que tenha cometido alguns erros. Este sector da esquerda considera que as grandes potências capitalistas, a começar por Washington e seus aliados na região, são grandemente responsáveis pela desestabilização da situação naquele país centro-americano com quase 7 milhões de habitantes e que um sector dominante do movimento é dirigido ou manipulado pela direita reaccionária. Reconhecem que houve repressão mas consideram suspeitos ou falsos todos os relatórios que afirmam que as autoridades do país são as principais responsáveis pelas centenas de mortos que assinalam os acontecimentos dramáticos que afectam a população.
Certos autores afirmam que os mercenários que desestabilizaram o regime de Maduro foram deslocados para a Nicarágua, para perpetrarem uma obra criminosa, segundo um modus operandi desenhado por Washington e seus lacaios. Por conseguinte seria preciso evitar a queda do governo de Ortega. É também esta, grosso modo, a posição de uma parte dos partidos de esquerda latino-americanos que compõem o Foro de São Paulo, que reuniu em Julho/2018 em Havana e que aprovou uma proposta de apoio ao governo de Daniel Ortega. [2]
Segundo Ortega e seus defensores, o movimento de protesto constitui uma tentativa de golpe de Estado e quem nele participa ou é putschista e terrorista ou torna-se cúmplice.
Os argumentos que acabo de resumir não são corroborados pelos factos. Ortega e seus partidários não conseguem demonstrar que estamos perante uma tentativa de golpe de Estado. Os manifestantes, na sua esmagadora maioria, não utilizam métodos terroristas. Ortega não conseguiu desmascarar um único mercenário estrangeiro.
Por outro lado, é normal que numa tentativa de golpe de Estado um sector do Exército participe no complot contra o governo instalado. Ora Ortega não denuncia nenhum sector putschista do Exército. Tanto quanto podemos ver, o Exército mantém-se ao lado do regime instalado. Pelo menos até à data.
Segundo uma série de intelectuais de esquerda, seria necessário evitar denunciar o governo nicaraguense, quando muito poder-se-ia criticar alguns erros graves da sua parte. Os intelectuais de esquerda que fornecem estas desculpas para o governo de Daniel Ortega recusam-se a analisar o conteúdo de classe das políticas aplicadas desde 2007. Fogem a reconhecer até que ponto o FMI, o Banco Mundial, o grande capital e as grandes potências económicas capitalistas estavam satisfeitas com as medidas adoptadas por Ortega. No entanto, quando se trata de outros governos, não hesitam em denunciar a sua cumplicidade com as instituições financeiras internacionais, com as grandes potências capitalistas (a começar pelos EUA) e com o grande capital nacional e internacional.
Neste artigo propomo-nos explicar de que maneira a política de Daniel Ortega e de quem governa com ele é favorável ao grande capital, a instituições como o FMI e outras instituições financeiras internacionais (IFI) envolvidas (Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), etc.). Veremos também como essa política aprofundou o sistema da dívida e o modelo extractivista-exportador, baseados na exploração dos pequenos produtores, sejam eles operários, artesãos ou camponeses, assim como no abandono da soberania sobre as riquezas naturais e sobre uma parte do território. Sem esquecer que o governo de Daniel Ortega é responsável pela pior regressão em matéria de proibição do aborto. Num próximo artigo voltaremos a abordar a cronologia do movimento de protesto que teve início em Abril/2018 e veremos que a repressão organizada de maneira sistemática pelo governo de Ortega atingiu em 6 meses proporções dramáticas.
Explicaremos ainda como as políticas do Governo, que aparentemente deram resultados económicos positivos em termos de crescimento, entraram em crise antes dos acontecimentos que se iniciaram em Abril/2018.
O modelo aplicado por Daniel Ortega antes de recorrer à repressão massiva
O governo de Daniel Ortega, em 11 anos, não realizou qualquer reforma estrutural, apesar de dispor de uma maioria confortável na Assembleia Nacional: não socializou os bancos, não fez uma reforma agrária – quando existe uma enorme concentração de terras em proveito dos grandes proprietários –, não aplicou uma reforma urbana favorável às camadas populares, não encetou uma reforma fiscal favorável a uma maior justiça social, alargou o regime das zonas francas (onde trabalham mais de 100.000 assalariados em condições de elevada exploração), continuou a recorrer ao endividamento público externo e interno favorável aos credores – que assim obtêm juros e um poder de chantagem para obrigarem à adopção de políticas que lhes são favoráveis –, continuou a reprimir as mulheres que recorrem ao aborto, adoptou um discurso religioso fundamentalista e obscurantista … A Nicarágua continua a ser um país caracterizado por salários muito baixos. O departamento oficial de promoção do país junto dos investidores, ProNicaragua, congratula-se no seu site por o salário mínimo ser «o mais competitivo à escala regional, o que faz da Nicarágua um país ideal para estabelecer operações de mão-de-obra intensiva » [3].
A precarização do trabalho aumentou fortemente; a economia informal, que representava 60 % do emprego em 2009, subiu para 80 % em 2017.
Apesar da existência de condições económicas particularmente favoráveis, não se registou progresso ao nível da redução das desigualdades sociais e o número de milionários aumentou. Isto significa claramente que o crescimento das riquezas produzidas durante 11 anos não foi repartido a favor dos sectores populares, pois o grande capital nacional e internacional, com a ajuda do Governo, apropriou-se da maior parte dessas riquezas. Ainda por cima a comitiva de Daniel Ortega, nomeadamente os membros da sua família, enriqueceram-se.
2007-2016: Uma conjuntura internacional favorável que beneficiou o governo de Daniel Ortega
Desde o seu regresso à Presidência do país em 2007 e até finais de 2006, Daniel Ortega beneficiou de uma conjuntura económica favorável, da qual uma das suas expressões é uma taxa de crescimento anual do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
na ordem dos 4 %.
Isto permitiu-lhe fazer coincidir dois tipos de políticas: aprofundar o bom entendimento com o grande capital internacional, por um lado; por outro, desenvolver e depois manter certos programas «sociais» «assistencialistas» que asseguravam ao Governo de Daniel Ortega um certo apoio popular.
A conjuntura política era favorável às políticas de Daniel Ortega porque: 1. os preços das matérias-primas exportados pela Nicarágua se mantiveram a um nível elevado; 2. os investimentos estrangeiros eram de monta, em resultado dos benefícios oferecidos pelo Governo; 3. as remessas dos nicaraguenses residentes no estrangeiro às suas famílias que residiam no país eram muito elevadas; 4. as taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. para financiar a dívida eram historicamente baixas a nível internacional. Dois outros factores acresciam: 1. um apoio financeiro e comercial muito considerável do Governo venezuelano (cerca de 500 milhões de dólares por ano) – o sector capitalista exportador aproveitou-se disso, nomeadamente no domínio das exportações de carne para a Venezuela; 2. a existência de boas relações com o FMI, na medida em que o governo de Daniel Ortega se comprometeu a prosseguir a realização de reformas estruturais neoliberais e a manter uma disciplina orçamental muito firme (leia-se uma compressão das despesas públicas) [4].
Tudo isto era formulado na novilíngua do FMI e do Banco Mundial: as reformas estruturais neoliberais foram realizadas em nome da luta por uma redução da pobreza. Na linguagem do governo de Daniel Ortega, isto chamava-se «a Nicarágua cristã, socialista e solidária».
Os programas sociais desenvolvidos durante a presidência de Daniel Ortega têm os seguintes nomes: Hambre Cero (fome zero), Plan Techo (instalação de telhados de zinco resistentes às chuvas tropicias), Usura Cero (usura zero, microcrédito), Merienda Escolar (alimentação das crianças nas escolas), Bono Productivo (créditos concedidos maioritariamente às mulheres pobres, nos meios rurais), Bono Solidario (programa de suplementos salariais), Casas para el Pueblo (casas para o povo) [5].
Note-se que estes programas são muitíssimo compatíveis com as políticas apoiadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Em grande medida, fazem parte. Enquanto o governo de um país aprofundar a abertura económica aos investidores estrangeiros (leia-se despedimentos e precarização dos contratos de trabalho), assinar tratados de livre comércio, aumentar as privatizações das empresas e serviços públicos … pode e deve desenvolver, segundo o FMI e o Banco Mundial, medidas de apoio e assistência aos mais pobres [6]. O FMI e o Banco Mundial felicitam-no por isso. Estas duas instituições insistem ainda em «envolver os pobres na resolução dos problemas que os afectam» («actively involving the poor in solving the problems affecting them»), o que é logo repetido pelos governos. Conhecemos perfeitamente este tipo de discurso, aplicado tanto no Norte como no Sul do planeta. Os governos devem ajudar os pobres a encontrar soluções para os «seus» problemas. É preciso ajudar os desempregados a encontrarem um emprego, tornando-os «pró-activos». As únicas soluções estruturais propostas consistem em aumentar a flexibilidade do trabalhador e a formação de base dos desempregados. As causas estruturais da pobreza e do desemprego nunca são combatidas, pois isso entraria em iria contrariar frontalmente os motivos da intervenção de instituições como o Banco Mundial e o FMI. É preciso ajudar os pobres a resolver o assunto, oferecendo-lhes uma ajuda orientada e por vezes condicionante que é facilmente utilizada num quadro clientelista (o pobre recebe uma ajuda se apoiar o partido ou o governo no poder).
A legitimação da dívida pública e a execução de políticas orçamentais conformes às exigências do FMI
Quando em 2007 Daniel Ortega acedeu à Presidência com 38 % dos votos [7], o programa então em curso entre o governo de direita e o FMI tinha chegado a termo. Além disso, em 2006-2007, a Nicarágua beneficiou de um forte alívio da dívida por parte dos credores multilaterais, no quadro da iniciativa para os países muito endividados (PPTE). Concretamente, o FMI anulou 206 milhões de dívida em 2006. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) também procederam a anulações das dívidas nicaraguenses em 2007, durante o primeiro mandato de Daniel Ortega.
É neste contexto específico que Daniel Ortega quis convencer o FMI a realizar um novo programa, embora a instituição de Washington não visse nisso uma necessidade, pois considerava a dívida da Nicarágua sustentável. O Governo de Daniel Ortega insistiu para realizar um novo programa, afirmando que isso ofereceria maior segurança aos investidores estrangeiros que ele queria atrair.
Por fim o FMI aceitou, mas exigindo em contrapartida que o Governo nicaraguano aprofundasse as reformas neoliberais que estavam em curso há 17 anos (1990-2007) e aplicasse uma austeridade orçamental, a fim de libertar um excedente orçamental primário. Concretamente, o FMI emprestou à Nicarágua cerca de 120 milhões de dólares entre 2007 e 2011, ou seja 78 milhões de direitos de saque especiais (DTS) (para compreender o que são os DTS, ver : https://www.imf.org/fr/About/Factsheets/Sheets/2016/08/01/14/51/Special-Drawing-Right-SDR para seguir a paridade entre o DTS e o dólar, ver http://www.imf.org/external/np/fin/data/rms_sdrv.aspx grosso modo, o valor do DTS oscila à volta de 1,5 US$). Em termos de reembolso, a Nicarágua entregou ao FMI cerca de 145 milhões de dólares entre 2011 e 2018 (ver o das entradas do FMI e dos reembolsos efectuados pela Nicarágua: http://www.imf.org/external/np/fin/tad/extrans1.aspx?memberKey1=720&endDate=2099%2D12%2D31&finposition_flag=YES).
Acrescentemos que em 2009 o FMI emprestou ao Governo da Nicarágua um montante muito considerável, para enfrentar a recessão económica internacional provocada pela grande crise bancária nascida nos EUA em 2007-2008. Isto mostra até que ponto o Governo da Nicarágua foi apoiado pelo FMI até Abril de 2018, inclusive.
Note-se que a Nicarágua ainda tem de reembolsar no futuro uma parte do capital e dos juros. O montante da dívida da Nicarágua em relação ao FMI, no primeiro trimestre de 2018, elevava-se a 207 milhões de dólares.
Conclusões :
1. Embora o governo de Daniel Ortega pudesse passar sem novos empréstimos do FMI, já que o programa precedente tinha terminado e o FMI tinha anulado 206 milhões da dívida, ainda assim quis realizar novo acordo. Isto mostra claramente que Daniel Ortega estava disposto a prosseguir as políticas neoliberais recomendadas por aquele organismo ao serviço do grande capital e das grandes potências, a começar pelos EUA e pela União Europeia. A partir de 2007, com o novo programa, as vantagens políticas arrecadadas pelo FMI à custa do povo nicaraguense são enormes por uma razão fundamental: pode ditar políticas favoráveis ao grande capital privado e aos interesses dos países que conduzem a instituição. Por seu lado, um governo que assina um acordo com o FMI recebe financiamentos e pode imputar ao FMI a responsabilidade das medidas impopulares [8].
2. Daniel Ortega e o seu governo recusaram a via que nessa mesma época foi tomada pelo Governo de Rafael Correa, também ele eleito em finais de 2006, e cujo mandato começou ao mesmo tempo que o de Daniel Ortega. Rafael Correa e o seu governo puseram de pé uma comissão de auditoria integral da dívida reclamada pelos credores ao Equador. Essa comissão era composta principalmente por delegados e delegadas dos movimentos sociais. Com base no trabalho que a comissão apresentou em 2008, o Governo equatoriano suspendeu o pagamento de uma parte da dívida identificada como ilegal e ilegítima e graças a isso obteve uma vitória sobre os seus credores, reduzindo uma quantidade importante da dívida [9]. Desde finais de 2006, poucos dias antes do início do mandato de Daniel Ortega, Adolfo Acevedo Vogl indicou claramente que a aceitação das exigências do FMI iria ter consequências funestas, pois o Governo seria obrigado a produzir de forma permanente um excedente primário do orçamento, a fim de reembolsar a dívida. Isto tornaria muito difíceis as necessárias revalorizações salariais e o aumento das despesas sociais tornar-se-ia quase impossível no quadro da contenção orçamental. O FMI exigia também cortes orçamentais no ensino universitário. E o mesmo para os orçamentos dos municípios, que perderam grande parte da sua autonomia [10].
O sistema da segurança social foi atirado para as ruas da amargura. Desde o princípio, o FMI não parou de exigir a aplicação de uma contra-reforma da segurança social, nomeadamente das pensões de reforma. Foi a aplicação desta política advogada pelo FMI que constituiu um dos ingredientes principais da rebelião social que rebentou na Nicarágua a partir de 18 de Abril de 2018. Não se trata de um acidente, de uma má decisão isolada do governo de Daniel Ortega, trata-se do aprofundamento da política que foi posta em prática a partir de 2007 por esse mesmo governo.
O governo de Daniel Ortega aumentou o número de tratados de livre comércio
O tratado de livre comércio com os Estados Unidos foi aprovado em 2005. Embora o grupo parlamentar da FSLN, então na oposição, tenha votado a favor da sua ratificação em Outubro de 2005, vários sandinistas dissidentes, entre os quais Monica Boltodano, acusaram a FSLN dirigida por Ortega de ter posto na ordem do dia da Assembleia Nacional a ratificação do tratado. De facto, René Nuñez Telléz, deputado da FSLN, era nessa época presidente da Assembleia Nacional e tinha influência directa na ordem de trabalhos. Monica Baltodano acusa também Daniel Ortega de ter posteriormente votado a favor de leis que permitem a sua aplicação. Escreveu ela em Novembro de 2006,http://www.rebelion.org/noticia.php?id=40447: «Pior ainda, as leis que tornaram possível a entrada em vigor do CAFTA só puderam ser aprovadas graças aos votos dos 36 deputados da FSLN, pois os deputados liberais do PLC de Alemán (em conflito com o presidente Bolaños) opuseram-se». Por seu lado, Bernard Duterme escreveu: «[Na véspera das eleições de 2006] Daniel Ortega multiplicou mais uma vez os gestos de boa vontade em relação ao grande patronado nicaraguense, ao Fundo Monetário Internacional e aos EUA, assegurando-os quanto ao carácter «razoável» das suas políticas futuras e garantindo-lhes – a contrario do discurso público das organizações e sindicatos sandinistas – o respeito pelos compromissos assumidos pelos seus predecessores, nomeadamente em matéria de liberalização dos mercados» (Bernard Duterme, «Toujours sandiniste, le Nicaragua?» – CETRI, Centre Tricontinental, 2017, https://www.cetri.be/Toujours-sandiniste-le-Nicaragua-4475). Uma vez no poder, a partir de 2007, o governo de Daniel Ortega não fez qualquer esforço para anular o acordo de livre comércio com a superpotência norte-americana. Isto constituiu mais uma reviravolta na orientação da FSLN, já que anteriormente ele tinha acusado o governo do presidente Enrique Bolaños de submeter a Nicarágua aos interesses económicos de Washington. Outros tratados de livre comércio foram aprovados com o apoio da FSLN: um tratado com Taiwan (vigor desde 2008), um referente à América Central com o México (2011) e outro entre a América Central e a União Europeia (2012).
Daniel Ortega ampliou a abertura da Nicarágua aos interesses das empresas estrangeiras
No domínio do agronegócio, das indústrias mineiras, da pesca, o governo de Daniel Ortega reforçou a exploração dos recursos naturais do país pelo grande capital transnacional, no seguimento do que haviam feito os seus antecessores (ver artigo do CADTM: http://www.cadtm.org/Nicaragua-L-evolution-du-regime-du-president-Daniel-Ortega-depuis-2007). Em Agosto de 2018 fez nova concessão à empresa B2Gold, com sede no Canadá. Esta empresa, que já desenvolvia actividades na Nicarágua, obteve uma nova concessão numa área de 18.000 hectares que afectará as condições de vida de uma dezena de comunidades [11].
Sob a presidência de Daniel Ortega, a privatização do sector energético, e portanto dos recursos naturais nicaraguenses, foi crescente, para proveito das multinacionais e nomeadamente daquelas em que Ortega investiu.
O canal interoceânico
Este projecto com mais de dois séculos, apresentado com especial ênfase a partir de finais do século XIX, foi reactivado pelo governo de Daniel Ortega. A 14 de Junho de 2013 a Assembleia Nacional da Nicarágua aprovou por 61 votos, contra 28, uma lei que estipula uma concessão por um período renovável de 50 anos ao consórcio chinês HKDN Nicaragua Canal Development.
O Grande Canal Interoceânico da Nicarágua era sem dúvida a obra de infraestrutura mais gigantesca prevista nos últimos anos na América Central.
Apesar de este megaprojecto ter sido abandonado pelos chineses, já há outros projectos relacionados com ele (nomeadamente monoculturas e implantação turística e uma enorme especulação
Trading
especulação
Operação de compra e venda de produtos financeiros (acções, futuros, produtos derivados, opções, warrants, etc.) realizada na mira de obter um lucro a curto prazo.
fundiária) que ameaçam os produtores e as comunidades que vivem nas margens do canal traçado … O mal está feito. A especulação fundiária desenvolveu-se fortemente, acompanhada de numerosos atentados contra os direitos e as condições de vida das populações envolvidas, que são na sua maioria «nativas» e que vivem da terra e da água.
Este megaprojecto conjugava-se com outros projectos mais antigos, como o Plan Puebla Panama, actualmente rebaptizado Plan Mesoamérica, destinados a preparar a região para melhor se adaptar aos acordos de parceria económica com os EUA e a União Europeia [12]. É de destacar que não menos de 15 empresas – registadas em Pequim, Hong Kong, Holanda, ilhas Caimão e Nicarágua – se associaram ao projecto de construção do canal. Finalmente o projecto foi abandonado em 2017. Segundo a explicação oficial, o investidor privado chinês que tinha obtido a concessão durante um século e que prometia investir 50.000 milhões de dólares foi à falência. Outra explicação complementar ou alternativa é plausível: as autoridades chinesas utilizaram a expectativa de construção do canal interoceânico via Nicarágua como meio de chantagem sobre as autoridades do Panamá, a fim de obterem concessões [13]. Conseguiram alcançar os seus fins: o Panamá aceitou as condições dos Chineses, que puderam então retirar o seu apoio (não oficial) à empresa privada de Hong Kong HKDN Nicaragua Canal Development.
Apesar de este megaprojecto ter sido abandonado pelos chineses, já há outros projectos relacionados com ele (nomeadamente monoculturas e implantação turística e uma enorme especulação fundiária) que ameaçam os produtores e as comunidades que vivem nas margens do canal traçado … O mal está feito. A especulação fundiária desenvolveu-se fortemente, acompanhada de numerosos atentados contra os direitos e as condições de vida das populações envolvidas, que são na sua maioria «nativas» e que vivem da terra e da água.
As reacções ao abandono do projecto
A 11 de Agosto de 2013, Mónica López Baltodano (filha da ex-comandante guerrilheira Monica Baltodano e de Julio Lopez Campos, ex-dirigente sandinista), advogada, anunciou que iria recorrer em tribunal, com base em inconstitucionalidade, contra a concessão do canal interoceânico da Nicarágua. Este recurso foi apresentado em ligação directa com os movimentos de protesto contra o megaprojecto. Ela declarou:
«Caros cidadãos da Nicarágua,
Chamo-me Mónica López Baltodano, tenho 29 anos, sou advogada e notária, mestre em estudos políticos e perita em mudanças climáticas. Estudei em pormenor cada um dos instrumentos jurídicos conhecidos sobre a concessão do canal interoceânico pela Nicarágua e, baseada nesse estudo, no dia 12 de Agosto (às 11 horas), irei apresentar, na qualidade de cidadã, um recurso de inconstitucionalidade contra o Presidente da República, Daniel Ortega Saavedra, assim como contra a Assembleia Nacional, por causa da aprovação da lei 840 e do acordo-quadro relativo à concessão do canal. Este recurso refere-se não só à lei 840 (e aos seus 25 artigos), mas também examina em pormenor as cláusulas constantes das 120 páginas de disposições da convenção-quadro para a concessão, assim como os documentos anexos. É um recurso completo no que diz respeito à sua análise jurídica. Tem ao todo 103 páginas onde exponho pormenorizadamente a violação de mais de 40 artigos da Constituição e, em especial, analiso as ilegalidades ligadas à administração dos recursos naturais, que constituem o património nacional, e à gestão do ambiente.»
Mónica Baltodano resume assim algumas das razões do recurso:
«1. A concessão do canal deve ser analisada à luz das cláusulas do acordo-quadro. No recurso, arguimos que essas cláusulas não são conformes à lei da República, embora a lei 840 mencione 56 vezes essas disposições legais. Este acordo foi a seguir subscrito por agentes públicos desprovidos de poder legislativo, de forma a permanecerem desconhecidos dos cidadãos e de todos os agentes públicos da Nicarágua.
2. O acordo-quadro exige que seja feita uma reforma constitucional no prazo de 18 meses, para legalizar as suas disposições, a fim de adaptar a nossa Magna Carta aos interesses comerciais do grande capital.
3. Está previsto que todos os documentos em inglês ou desconhecidos do público (tais como o acto de cooperação, o pacto de accionistas ou os estatutos do HKDN) façam parte da concessão do canal. Contesto-os claramente por serem inconstitucionais.
4. Segundo a Constituição, a legislação e a jurisprudência, esta lei deve ser declarada inconstitucional, pois foi aprovada sem a necessária consulta aos sindicatos, associações, colectivos e organizações populares. Apenas 10 pessoas da associação profissional (AMCHAM e COSEP) foram consultadas. De forma discriminatória, nenhuma mulher foi consultada.» [14]
Em 2014, o economista Adolfo Acevedo Vogl declarou à imprensa: «É caso para perguntar porquê, no acordo de concessão celebrado com a HKND, existe ao mesmo tempo um mecanismo acelerado de expropriações, sem direito a recurso, um método de avaliação das terras para fins de indemnização – em função do valor cadastral – e uma indefinição sobre o que irá passar-se com a grande superfície de terras nicaraguenses transmitida ao concessionário» [15].
De facto, no caso chinês «as compensações acordadas não só eram minúsculas, totalmente insuficientes para permitirem às pessoas expulsas manter um nível de vida comparável ao que tinham antes, quando dispunham da segurança de poderem utilizar as suas parcelas para sobreviverem. Os indícios disponíveis mostram que em muitos casos apenas uma pequena fracção dos fundos destinados à indemnização foi entregue às pessoas expulsas.»
«Os milhões de hectares assim obtidos foram de seguida vendidos a promotores imobiliários, a preços várias vezes superiores, nalguns casos centenas de vezes superiores aos que foram pagos a título de compensação», calcula o economista.
Riscos ambientais
No jornal nicaraguense El Confidencial, Salvador Monténégro escreveu a 8/07/2016: «A sociedade Environmental Resouces Management (ERM), por contrato com o concessionário chinês HKDN, preparou um estudo de impacte ambiental e social (http://hknd-group.com/) do canal da Nicarágua, publicado em Novembro passado.»
«Nos documentos disponíveis, percebe-se o projecto concebido pela HKDN para a construção desta obra faraónica, que além do mais inclui a escavação de uma fossa no leito do grande lago Cocibolca, que dragaria a foz do rio Tule até ao rio Las Lajas (cerca de 105 km, quase a mesma distância que separa León de Tipitapa), com uma profundidade de cerca de 30 metros e uma largura variável de 300 a 500 metros. O concessionário declara com orgulho que “o projecto inclui o maior movimento de terras da História, pois será preciso escavar cerca de 5000 MMm3 de materiais” (p. 104, vol. 1). Neste quadro, assegura que escavará cerca de 750 milhões de metros cúbicos (cerca de 18 milhões de camiões mineiros de 40 toneladas cheios de rochas, areia e lama) do fundo do Cocibolca, a fim de permitir o trânsito dos maiores navios do Mundo, ainda maiores do que os que podem actualmente atravessar o canal do Panamá. Independentemente das dificuldades técnicas e dos impactes ambientais e sociais que esta iniciativa viabilizada pela lei 840 teria sobre os segmentos de terra de Rivas e das Caraíbas, e que motiva as vozes justificadas de rejeição por parte dos habitantes envolvidos, as consequências para o recurso natural mais importante da Nicarágua, o grande lago Cocibolca, justificam um exame objectivo das previsões estabelecidas pela HKDN sobre o aspecto que continua a ser o mais fraco e vulnerável da engenharia do projecto. Nestas linhas faço referência unicamente à proposta da HKDN respeitante ao destino absurdo do material a ser dragado do fundo do Cocibolca, chamando a atenção do público para os graves riscos ambientais, sociais e económicos que este projecto de má engenharia teria sobre o interesse nacional, causando danos irreversíveis.
[16]
As mobilizações contra o projecto do canal
Um movimento camponês anticanal, organizado no seio do Conselho Nacional para a Defesa das Terras, dos Lagos e da Soberania, nasceu da reacção dos camponeses das zonas por onde passaria teoricamente o canal. Tinha-lhes sido dito que as suas terras seriam expropriadas e que lhes seria atribuída uma indemnização equivalente ao seu valor cadastral. A reacção agravou-se quando os chineses chegaram a essas regiões, prontos para tomarem medidas, o que provocou reacções de cólera da parte dos camponeses. Estes começaram a organizar-se e a estudar atentamente o que estava estipulado na concessão, apoiados por organizações como a de Monica Baltodano (Popol Na), entre outras, em matéria de legislação e conselhos. A filha de Monica Baltodano, advogada, aceitou aconselhar juridicamente o Conselho Nacional para a Defesa das Terras, dos Lagos e da Soberania. A dirigente principal deste movimento foi desde o início a sra. Francisca Ramirez (Dona Chica),
que organizou mais de 100 marchas para exigir a anulação da lei que instituiu a concessão (lei 440). O grau de organização e de tomada de consciência no seio deste movimento, que tinha uma base maioritariamente camponesa e indígena, foi aumentando e extravasou da defesa das terras, que são a coisa mais sagrada para os camponeses, para a defesa do lago, que tem uma importância fundamental para eles, assim como para a soberania do país.
Antes dos acontecimentos de 2018, dezenas de milhares de camponeses participaram naquelas marchas e sempre que tentavam chegar a Manágua eram reprimidos, não só pela polícia, mas também pelo exército. Foram vítimas de assédio dentro dos seus próprios territórios, tiveram de enfrentar perseguições e repressões, mas tudo isso resultou no reforço da coesão do movimento. Foi, até Abril de 2018, o maior movimento social, o mais organizado e coerente e o que sofreu maiores repressões.
O movimento adquiriu ainda mais prestígio ao estabelecer a não-reeleição da pessoa que exercia a coordenação do Conselho. Embora a dirigente Dona Chica se tenha mantido, por causa do papel que desempenhava, outro dirigente importante, Medardo Mairena, foi eleito representante principal do movimento.
A convergência entre o movimento popular contra a construção do canal e as mobilizações de Abril de 2018
Quando as manifestações eclodiram nas cidades, no seguimento da indignação suscitada pelos primeiros estudantes mortos em Abril/2018, o movimento camponês/indígena contra o canal solidarizou-se com eles e enviou delegados para participarem nas primeiras marchas nacionais.
Quando o Governo pediu para retomar o diálogo com a empresa privada, em troca da mediação da Conferência Episcopal, a reivindicação nacional passou a ser que os empresários não representavam as pessoas que estavam a protestar e que, de qualquer maneira, deviam estar presentes representantes de todos os sectores.
A Conferência Episcopal seleccionou representantes de diferentes sectores, incluindo os estudantes. Mas havia uma pressão à escala nacional para que Dona Chica também fosse integrada, em nome do movimento camponês. Mas como Medardo era o coordenador do Conselho, foi ele o designado para participar no diálogo.
Quando o regime intensificou a repressão, entre Maio e Junho de 2018, as populações de Masaya e doutras cidades começaram a levantar barricadas. Tratava-se em geral de construções improvisadas com placas de metal e perfis de metal daqueles que se usam nas barreiras das estradas. O movimento camponês – dirigido por Medardo, que participava nas negociações, assim como Dona Chica, que se tinha juntado à Articulação dos Movimentos Sociais –, decidiu apelar à construção de barricadas nas principais vias de acesso aos territórios sob a sua influência. Outras cidades e vilas seguiram o exemplo. O movimento camponês tornou-se assim um baluarte desta luta. Medardo e Dona Chica tornaram-se os seus símbolos.
Conclusão
Desde inícios de 2007, a política de governo de Daniel Ortega favoreceu os interesses do grande capital nacional e internacional. Teve o apoio do FMI, do Banco Mundial e doutras instituições financeiras internacionais dominadas pelos interesses das grandes potências imperialistas. As políticas de assistência social em nada modificaram a natureza do sistema capitalista, limitaram-se a acompanhar a realidade, aprofundando o programa neoliberal, ao mesmo tempo que desenvolveram relações de clientelismo entre os «pobres» e o partido no poder.
Após 11 anos de aparente sucesso e estabilidade, este modelo entrou em crise e a grei começou a protestar contra as novas medidas anti-sociais relativas aos direitos dos reformados. O protesto iniciado pelos estudantes em meados de Abril/2018, em eco com os protestos dos reformados, alargou-se a outros sectores, nomeadamente ao movimento de oposição à construção do canal interoceânico. A repressão extremamente violenta lançada pelo Governo de Daniel Ortega provocou a reacção de vastas camadas da sociedade e o patronato acabou por se distanciar do regime.
Quem na esquerda defende a manutenção de Daniel Ortega no poder recusa-se a fazer uma análise da classe política e das políticas sistematicamente adoptadas pelo seu governo. Essa esquerda recusa igualmente denunciar as múltiplas violações dos direitos humanos perpetradas pelo regime brutal de Daniel Ortega. É fundamental denunciar a repressão que se abate sobre os movimentos sociais. É claro, além disso, que devemos opor-nos a toda e qualquer ingerência dos EUA e doutras potências estrangeiras nos assuntos internos da Nicarágua.
Consultar as outras partes:
1- Nicarágua: donde vem o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo
2- A evolução do regime do presidente Daniel Ortega a partir de 2007
3- Nicarágua : Reflexões sobre a experiência sandinista dos anos 1980-1990, para compreender o regime de Daniel Ortega e de Rosario Murillo
4- Breve história das relações entre o Banco Mundial, o FMI e o Governo da Nicarágua
Tradução: Rui Viana Pereira
[1] Nicaragua: Staff Concluding Statement of an IMF Staff Visit, 6 février 2018, http://www.imf.org/en/News/Articles/2018/02/06/ms020618-nicaragua-staff-concluding-statement-of-an-imf-staff-visit (« Economic performance in 2017 was above expectations and the 2018 outlook is favorable. (…) Staff recommends that the INSS reform plan secures its long-term viability and corrects the inequities within the system. Staff welcomes the authorities’ efforts to alleviate INSS’ financing needs (…) »)
[2] Maurice Lemoine, «La voix dissonante du Forum de São Paulo» - Mémoire des luttes, publié le 27 juillet 2018, http://www.medelu.org/La-voix-dissonante-du-Forum-de-Sao http://www.medelu.org/La-voix-dissonante-du-Forum-de-Sao Voir sur le site officiel du Forum de Sao Paulo le texte en espagnol de la déclaration finale : http://forodesaopaulo.org/declaracion-final-del-xxiv-encuentro-del-foro-de-sao-paulo-15-al-17-de-julio-de-2018/
No parágrafo sobre a Nicarágua: « Rechazamos de forma enérgica la política intervencionista de los Estados Unidos en los asuntos internos de la Nicaragua sandinista, país en el que se está implementando la fórmula que viene siendo aplicada por el imperialismo norteamericano a los países que no responden a sus intereses hegemónicos, causando violencia, destrucción y muerte mediante la manipulación y la acción desestabilizadora de los grupos terroristas de la derecha golpista, que boicotean la búsqueda del diálogo, el cual constituye el mejor camino para superar la actual crisis y alcanzar la paz, lo que es indispensable para la continuación del proceso de transformaciones sociales impulsado por el FSLN desde el gobierno presidido por el Comandante Daniel Ortega y que ha reducido de manera notable la pobreza y la desigualdad social en ese hermano país.»} Ver uma crítica da posição do Foro (em castelhano): https://correspondenciadeprensa.com/2018/08/20/nicaragua-la-canallada-del-foro-de-san-pablo/
Em francês, ver Ernesto Herrera, «L’infamie nicaraguayenne du Forum de Sao Paulo», Inprecor n° 655/656 de Setembro-Outubro/2018, pp. 6-8.
[3] Ver Bernard Duterme, «Le président Daniel Ortega dans une impasse.
Dérive répressive au Nicaragua», Le Monde diplomatique, Outubro/2018.
[4] IMF Press Release: Statement by Anoop Singh, Director of the IMF’s Western Hemisphere Department, in Nicaragua, 20 décembre 2006, http://www.imf.org/en/News/Articles/2015/09/14/01/49/pr06292
[5] Retomo aqui a lista elaborada por Maurice Lemoine, que acentua o carácter positivo desses programas no artigo: Maurice Lemoine, «Le Nicaragua sous dictature… du double standard et du copier-coller», 9/11/2016, no sítio da Mémoire des luttes.http://www.medelu.org/Le-Nicaragua-sous-dictature-du
[6] Ver o tipo de medidas de redução da pobreza apresentadas na carta de intenções do Governo de Daniel Ortega enviado ao FMI em Agosto de 2007: «The government has developed a new approach to social policy. This approach encompasses: (i) providing capital to the poor to help them realize their potential as producers, and so moving beyond the previous approach that was more assistance oriented; (ii) implementing policies on free access to and direct subsidies for the main services provided by the government to the most vulnerable sectors; (iii) promoting financial mechanisms and instruments that favor small producers in rural areas; (iv) aligning external cooperation toward priority sectors, and reducing the fragmentation of external support; (v) formulating programs and projects that ensure that the MDGs are met; and (vi) actively involving the poor in solving the problems affecting them», in Nicaragua: Letter of Intent, Memorandum of Financial and Economic Policies, Technical Memorandum of Understanding, 27/08/2007.
[7] Recordemos que Daniel Ortega tinha feito um pacto com o dirigente da direita neoliberal, Arnaldo Aleman, que levou em 2000 à modificação de um artigo da Constituição de 1995. A alteração consistia em permitir ao candidato presidencial que estivesse à cabeça dos sufrágios e obtivesse mais de 35 % dos votos na primeira volta ser eleito sem passar pela segunda volta, desde que tivesse mais de 5 % que o candidato em segundo lugar. Em 2006 Daniel Ortega foi eleito presidente com 35 % dos votos, pois tinha uma vantagem de 9 % sobre o candidato seguinte, que obteve 29 % dos votos. Recordemos que em troca do apoio dado por Aleman à alteração constitucional de 2000, este beneficiou, graças a Ortega alguns anos mais tarde, de uma «amnistia» referente a uma condenação a 20 anos de prisão por corrupção
[8] A OCDE publicou um manual para governos que queiram aplicar medidas antipopulares. Nesse manual o autor recomenda aos governos que justifiquem os seus actos perante a população afirmando que o FMI os obrigou a adoptá-las. A OCDE acrescenta que o governo pode aizer que o FMI exigia medidas mais duras e que só graças a muitas negociações foi possível adoçá-las. Em suma, trata-se de recomendações para ajudar a fazer engolir a pílula amarga da austeridade. Ver Éric Toussaint, «Comment appliquer des politiques antipopulaires d’austérité», 17/04/2017.http://www.cadtm.org/Comment-appliquer-des-politiques
[9] Équateur : Historique de l’audit de la dette réalisée en 2007-2008. Pourquoi est-ce une victoire ? (vidéo de 14 minutes) http://www.cadtm.org/Equateur-Historique-de-l-audit-de
Eric Toussaint , Benjamin Lemoine, «En Ecuador, de las esperanzas frustradas al éxito. Los ejemplos de Sudáfrica, Brasil, Paraguay y Ecuador.» http://www.cadtm.org/En-Ecuador-de-las-esperanzas].
Daniel Ortega optou por outra via. Recusou pôr em causa a legitimidade da dívida contraída pelos governos anteriores, recusou associar os movimentos sociais a uma auditoria da dívida. Optou por uma atitude de cumplicidade com os credores.
Desde o início que se fizeram ouvir vozes críticas contra esta política, vindas do lado dos sectores sociais que pediam o abandono das políticas neoliberais e o aumento dos salários em vários sectores deixados ao abandono (por exemplo os sectores da saúde e da educação, além de muitos outros). O CADTM publicou entre 2006 e 2012 no seu sítio em espanhol vários artigos do economista nicaraguense Adolfo Acevedo Vogl, ex-conselheiro do ministro sandinista Henry Ruiz durante a década de 1980, muito ligado aos movimentos sociais[[Adolfo Acevedo Vogl, Cuales son les principales exigencias del FMI ?, 21 décembre 2006, http://www.cadtm.org/CUALES-SON-LAS-PRINCIPALES
Adolfo Acevedo Vogl, 7 février 2008, LA APROBACION DEL PRESUPUESTO : UN POSICIONAMIENTO Y UNA PROPUESTA. SE APUNTA USTED A RESPALDARLA ??? http://www.cadtm.org/LA-APROBACION-DEL-PRESUPUESTO-UN
Adolfo Acevedo Vogl, Nicaragua : La Carta de Intencion al FMI y la « sobre- recaudacion » fiscal. Una propuesta ciudadana. 20 septembre 2008, http://www.cadtm.org/Nicaragua-La-Carta-de-Intencion-al
Adolfo Acevedo Vogl, Nicaragua : el «congelamiento» del salario real de los maestros, 19 novembre 2009, http://www.cadtm.org/Nicaragua-el-congelamiento-del
Adolfo Acevedo Vogl, ¿Usted sabe cuál será el impacto en la población de lo acordado por el gobierno nicaragüense con el FMI?, 10 décembre 2010, http://www.cadtm.org/Usted-sabe-cual-sera-el-impacto-en
Adolfo Acevedo Vogl, Nicaragua : ¿Porque es necesario transformar el sistema tributario?, 1 novembre 2012, http://www.cadtm.org/Porque-es-necesario-transformar-el
[10] Tudo isto se encontra exposto ao pormenor num dos artigos mencionados mais acima e publicado a 21/12/2006: Adolfo Acevedo Vogl, http://www.cadtm.org/CUALES-SON-LAS-PRINCIPALES
[11] http://www.radiocamoapa.com/noticias/nacionales/en-camoapa-seis-comunidades-en-el-ojo-de-la-mineria-por-aval-de-gobierno-municipal-anterior/
[12] Hélène Roux, Adolfo Acevedo, «L’Amérique centrale à l’épreuve perpétuelle de sa géographie», Revue Outre-Terre
2015/2 (N° 43), https://www.cairn.info/resume.php?download=1&ID_ARTICLE=OUTE1_043_0393
[13] Oscar René Vargas, Les nouvelles « routes de la soie » chinoises, le Panama et l’Amérique latine, http://www.cadtm.org/Les-nouvelles-routes-de-la-soie-chinoises-le-Panama-et-l-Amerique-latine En esp; China: La “Ruta de la Seda”, Panama y America latina, http://www.cadtm.org/China-La-Ruta-de-la-Seda-Panama-y-America-latina
[14] Mónica López Baltodano, Canal Interoceánico: 25 verdades, 40 violaciones a la Constitución, Revista Envío, Enero 2014, http://www.envio.org.ni/articulo/4793
[15] Adolfo Acevedo Vogl, «Modelo» chino en confiscación canalera - Nicaragua Hoy, 22 octubre 2014, https://www.nicaraguahoy.info/modelo-chino-en-confiscacion-canalera/
[16] Salvador Montenegro, « El canal imposible a través del Cocibolca » - Confidencial https://confidencial.com.ni/canal-imposible-traves-del-cocibolca/ In English : The Impossible Canal via the Lake of Nicaragua - Confidencial https://confidencial.com.ni/the-impossible-canal-via-the-lake-of-nicaragua/
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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