Nos intensos protestos pelo país, ganha forma um movimento horizontal e amplo. Já frearam contrarreforma neoliberal e derrubaram ministros. Agora, exigem Renda Básica, serviços gratuitos e comissão para investigar truculência policial
“O governo está nos matando” é o SOS da juventude colombiana diante da repressão desencadeada pelo governo contra a mobilização pacífica iniciada em 28 de abril, data em que sindicatos convocaram uma greve nacional. A população saiu às ruas em massa e, naquela noite, uma onda de violência policial foi desencadeada contra os manifestantes que haviam se instalado em lugares estratégicos da cidade de Cali. Após estabelecerem pontos de bloqueio permanentes, foram atacados com balas com o objetivo de gerar terror e dissuadir o protesto.
Quem disse medo?
A repressão fez apenas aumentar a indignação. Uma multidão sem precedentes foi às ruas no primeiro de maio de Cali. Desde então, o governo do presidente Iván Duque Márquez vem desdobrando uma força militar desproporcional contra menores armados apenas de sonhos e pedras.
Até o dia 8 de maio, os números de violações de direitos humanos correspondiam a um país sob uma ditadura militar. A polícia, a ESMAD (esquadrões da Polícia Nacional), o exército e civis armados (paramilitares) atacaram os pontos de bloqueio com balas e declararam objetivo militar à Missão Médica Voluntária, que atende feridos nesses pontos, em franca violação das normas internacionais de Direitos Humanos.
Agora é impossível contar os assassinados, os desaparecidos, os espancados e torturados, as mulheres abusadas sexualmente pela polícia. As forças militares e policiais estão impedindo os defensores dos direitos humanos de realizar seu trabalho. Não há garantias de vida hoje na Colômbia.
Segundo o boletim nº 9 da Campanha Defenda a Liberdade, entre 28 de abril e 7 de maio, havia 451 pessoas feridas, 15 foram vítimas de violência de gênero, 1291 foram detidas – a maioria delas por meio de procedimentos arbitrários e submetidas a tortura – 42 foram mortas. O número de desaparecidos pode chegar a 471.
Apesar desta situação, os jovens continuam nas ruas, mostrando expressando que lhes tiraram tanto que até o medo se perdeu. Seus protestos foram pacíficos, criativos, lúdicos, artísticos. Há evidências suficientes que mostram a prática policial de atos de vandalismo e violência com o objetivo de deslegitimar o protesto, diminuir sua popularidade e justificar o uso da força pública. Quem se mobiliza hoje sabe que o governo mente.
Por que o protesto?
Este protesto tem antecedentes na greve de novembro de 2019, convocada por centrais de trabalhadores, organizações sociais, camponesas, indígenas, afrodescendentes e estudantis, e que também teve como protagonistas as pessoas jovens. A população se mobilizou contra o que chamou de “pacote Duque”, que, entre outras medidas, pretendia baixar o salário mínimo em 75% para jovens menores de 25 anos e diferenciá-lo de acordo com a produtividade de cada região.
A mobilização de 21 de novembro de 2019 foi um despertar da maioria para a precariedade da vida em todos os níveis, como resultado do modelo neoliberal. Essa greve se tornou um tema de debate nacional apoiado por rainhas de beleza, cantoras e várias figuras do entretenimento. E as reações do governo são semelhantes tanto em 2019 quanto em 2021: militarização de algumas áreas do país, repressão policial, fechamento de fronteiras e invasões de domicílio.
As pessoas jovens: protagonistas
A greve de 28 de abril, ainda em curso, teve como protagonistas jovens sobretudo das zonas mais periféricas, marginalizadas e empobrecidas da cidade. Não se trata de juventude universitária, mas daquela que não teve a oportunidade de fazer carreira e também não tem a possibilidade de um trabalho digno (nos termos da OIT).
Trata-se de uma geração nascida no contexto desses 40 anos de economia neoliberal na Colômbia. Uma juventude cheia de frustrações: quando queriam estudar não tinham possibilidades, quando saíam em busca de trabalho, não encontravam. São o Não Futuro. São aquelas pessoas que têm que ganhar a vida com trabalho informal, sem benefícios ou seguridade social. Muitos limpam vidros nos semáforos, vivendo diariamente a humilhação. Em suas casas falta tudo.
É também a geração que viveu diretamente as consequências econômicas e emocionais da pandemia: o desemprego dos pais, o próprio desemprego, as situações de estresse devido ao confinamento e à pobreza. Mas é também a geração da comunicação instantânea por meio das redes sociais. Apesar dessas situações dolorosas, é também uma geração que não desiste, que hoje sai às ruas para ser protagonista da mudança social necessária para se ter uma vida digna de ser vivida.
Nas passeatas, vimos jovens, grupos de todos os tipos, artistas (aliás, um dos assassinados pela ESMAD é Nicolás Guerrero, 21, artista urbano que velava os caídos, morreu de tiro de bala na cabeça transmitido ao vivo), mulheres, grupos LGBTI+, professores e professoras, estudantes, donas de casa, afro, indígenas, pessoas desempregadas, trabalhadoras informais. Todo o país indignado saiu às ruas, e o que recebeu como resposta do governo foi repressão e morte.
O que está sendo pedido?
A seguir, transcrevo a declaração emitida após uma assembleia realizada no campus da Universidad del Valle em 6 de maio:
“As delegações dos pontos de concentração e bloqueios, movimentos e sociais, políticos, juvenis, estudantis, artísticos, urbanos, rurais, afro, indígenas, sindicais, operários, grevistas departamentais, entre outros, reuniram-se no dia 6 de maio no auditório 5 do a Universidad del Valle, nós declaramos:
Lista de demandas sociais, políticas e unitárias
Neste momento, não sabemos que rumo vai tomar a greve, o maior medo, como expressou um cartaz, é que depois da sua revolta tudo continue como está. Espero que não. Continuaremos caminhando.
Fonte: Revista Cult
é socióloga e professora de Filosofia Política na Universidad Del Valle