O último inverno do gás na Europa

31 de Março por Collectif


Para acabar com a crise do custo de vida e evitar o caos climático, precisamos de garantir a rápida eliminação do gás fóssil na Europa. O próximo inverno tem de ser o último inverno do gás na Europa.



Enquanto centenas de activistas bloquearam a Conferência Europeia do Gás em Viena para impedir mais caos climático e pobreza, apelamos a todos os movimentos e organizações para que reajam contra o poder da indústria dos combustíveis fósseis. Para acabar com a crise do custo de vida e evitar o caos climático, precisamos de garantir a rápida eliminação do gás fóssil na Europa e de construir um novo sistema energético para as pessoas e para o planeta. O próximo inverno tem de ser o último inverno do gás na Europa.

O início da subida nos preços da energia começou no Outono de 2021, quando os lockdowns de Covid começaram a aliviar e quando começou a espiral de inflação que ainda estamos a viver. A crise do custo de vida actual foi provocada pela indústria dos combustíveis fósseis que, como resultado, obteve lucros recordes. No ano passado, a Saudi Aramco anunciou 161,1 mil milhões de dólares de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). , a ExxonMobil 59 mil milhões de dólares, a Shell 40 mil milhões de dólares e a TotalEnergies 36 mil milhões de dólares, para mencionar apenas alguns.

Estes lucros obscenos levaram a uma inflação maciça numa economia global deliberadamente dependente dos combustíveis fósseis, em particular do gás fóssil. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), só o gás fóssil é responsável por mais de 50% do aumento dos custos médios da produção de electricidade. Sobre esta realidade, outras empresas aumentaram oportunisticamente os seus preços sob o pretexto da inflação e instalou-se a crise do custo de vida: aumentos maciços de preços na alimentação, transportes, bens essenciais, habitação, em suma, de tudo.

O ano passado vivemos o verão mais quente da Europa nos últimos 500 anos, a maior seca da história da China e inundações que devastaram um terço do território do Paquistão, matando milhares e afectando 33 milhões de pessoas. Este é o nível de destruição climática, ambiental e social em que já estamos a viver hoje.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro de 2022, garantiu rédea livre para o açambarcamento e especulação Trading
especulação
Operação de compra e venda de produtos financeiros (acções, futuros, produtos derivados, opções, warrants, etc.) realizada na mira de obter um lucro a curto prazo.
. As forças por trás das crises já em movimento foram libertadas. O encerramento parcial do fluxo de gás da Rússia para a União Europeia foi utilizado pela indústria dos combustíveis fósseis para fazer recuar os fracos avanços já acordados nas metas de redução de emissões. Projectos de infra-estruturas de gás que já estavam cancelados foram reativados, começou a construção de novos portos de GNL, foram aprovados gasodutos para gás fóssil camuflados de «hidrogénio», todos eles prolongando a rentabilidade do sector por décadas.

A diversificação energética na Europa significou a mudança do fornecimento de gás da Rússia para os Estados Unidos, para a Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Nigéria, e o avanço de projectos catastróficos como o oleoduto da África Oriental (EACOP) ou o gás da Bacia do Rovuma, em Moçambique, alimentando a expansão do fracking, numa nova ronda de fortalecimento dos monopólios, do neocolonialismo e de devastação das comunidades.

A crise energética e o subsequente [aumento do] custo de vida tem sido utilizada para reavivar a indústria dos combustíveis fósseis, paga pelos povos deste mundo, estrangulados pelo capital fóssil e pelos seus monopólios. A crise tem sido ainda agravada pelo facto de os bancos centrais terem optado por aumentar as taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. , o que significa mais pessoas despejadas das suas casas, mais execuções hipotecárias, falências e desemprego. Todo o investimento actualmente feito em combustíveis fósseis garante uma dependência contínua, uma crise contínua do custo de vida e uma crise climática cada vez mais catastrófica.

Estamos apenas no início dos nossos problemas, pois estas crises ainda estão a multiplicar-se e a intensificar-se, com um possível contágio ao sector financeiro. As decisões tomadas pelos governos e bancos centrais, de expandir as infra-estruturas de gás e de aumentar as taxas de juro, não são um mal menor perante uma situação problemática, são a raiz do mal.

As empresas de combustíveis fósseis estão a fazer estes lucros porque os governos se recusaram a utilizar o seu poder político, entregando-o em vez disso às administrações e aos acionistas de empresas de gás fóssil. A crise do custo de vida, tal como a crise climática, é irresolúvel se a dependência dos combustíveis fósseis não acabar. Não estamos na mesma situação de há dez anos atrás, não temos tempo para estar de novo a lutar contra novos projectos massivos de petróleo e gás em todo o mundo: temos de acabar com esta indústria nesta década.

Enquanto centenas de pessoas utilizaram os seus corpos para bloquear a Conferência Europeia do Gás em Viena nos últimos dias, por detrás de suas portas fechadas, os executivos do petróleo e do gás trabalharam lado a lado com funcionários governamentais de topo para proteger os investimentos dos accionistas e manter o caminho suicida rumo ao caos climático. Temos de fazer frente ao lucro e ao poder em todo o lado, em particular ao capital fóssil.

Para parar a crise do custo de vida e evitar o caos climático, precisamos da rápida eliminação do gás fóssil, seguida do petróleo e do carvão. Precisamos que o último inverno do gás na Europa aconteça em 2023-2024. Quando chegarmos ao final desta década, precisamos de olhar para o gás fóssil como uma memória distante.

Haverá dificuldades técnicas, já que o sistema actual foi construído para alimentar o monopólio dos combustíveis fósseis, mas esta é, antes de mais, uma questão política. Não ficaremos parados enquanto os governos de todo o espectro político escolhem repetidamente o caminho do colapso e das contínuas crises sociais e económicas, para salvar a indústria dos combustíveis fósseis. Apelamos a todos os movimentos e organizações a mobilizarem-se e a usar toda a sua energia e imaginação contra as forças do caos, rumo ao último inverno do gás.

  • Alejandra Jiménez (México)
  • Alex Foti (Itália)
  • Alfons Pérez (Catalunha)
  • Alice Gato (Portugal)
  • Alice Hu (EUA)
  • Amalen Sathananthar (Malásia)
  • Anabela Lemos (Moçambique)
  • Andreas Malm (Suécia)
  • Andreas Ytterstad (Noruega)
  • Ange Princwill Nfor (Camarões)
  • Ani Marincean (Romênia)
  • Anselm Schindler (Áustria)
  • Ayisha Siddiqa (Paquistão)
  • Breno Bringel (Brasil)
  • Camille Barbagallo (Reino Unido)
  • Charlotte Valøe (Dinamarca)
  • Chloe Mikolajczak (Bélgica)
  • Christian Zeller (Áustria)
  • Cigdem Ozbas (Turquia)
  • Daniel Ribeiro (Moçambique)
  • Daniela Subtil (Portugal/Alemanha)
  • David Fajardo Torres (Equador)
  • Dean Bhekumuzi Bhebhe (Zimbábue)
  • Dorothy Guerrero (Filipinas/Reino Unido)
  • Eduardo Giesen (Chile)
  • Elijah Dero (Uganda)
  • Eric Toussaint (Bélgica)
  • Esteban Servat (Argentina)
  • Francesca Loughran (Irlanda)
  • Gail Bradbrook (Reino Unido)
  • George Monbiot (Reino Unido)
  • Helena Martins (Brasil)
  • Ilham Rawoot (África do Sul)
  • Inés Sánchez (Espanha)
  • Jawad Moustakbal (Marrocos)
  • Jeff Ordower (EUA)
  • João Camargo (Portugal)
  • João Telles Melo (Brasil)
  • Josep Corpas (Catalunha)
  • Justin Mutabesha (RD Congo)
  • Karl Andreasson (Suécia)
  • Kevin Buckland (EUA/Espanha)
  • Kjell Kühne (Alemanha/México)
  • Kohei Saito (Japão)
  • Kristina Hamplova (República Tcheca)
  • Leon Burghardt (Alemanha)
  • Leonor Canadas (Portugal)
  • Lorraine Chiponda (Zimbábue)
  • Lidy Nacpil (Filipinas)
  • Lucy Cadena (Hungria)
  • Makoma Lekalakala (África do Sul)
  • Manuel Grebenjak (Áustria)
  • Mariana Rodrigues (Portugal)
  • Mark Bergfeld (Alemanha/Bélgica)
  • Maria Campuzano Guerra (Catalunha)
  • Martin Lallana (Espanha)
  • Max Hollweg (Áustria)
  • Mitzi Tan (Filipinas)
  • Moritz Kramer (Áustria)
  • Náme Villa del Ángel (México)
  • Neville Van Rooy (África do Sul)
  • Nawojka Ciborska (Polônia)
  • Nicholas Omonuk (Uganda)
  • Nnimmo Bassey (Nigéria)
  • Noah Herfort (Reino Unido / EUA)
  • Oscar Mooney (Irlanda)
  • Pascal Mirindi (RD Congo)
  • Pascoe Sabido (Reino Unido)
  • Pieter Sellies (Países Baixos)
  • Poul Bjørn Berg (Dinamarca)
  • Robbie Gillett (Reino Unido)
  • Rodrigo Meruvia (Bolívia)
  • Roland Ruhke (Alemanha)
  • Simone Tulumello (Itália)
  • Sophie Bjerregaard (Dinamarca)
  • Svitlana Romanko (Ucrânia)
  • Ulrich Steenkamp (África do Sul)
  • Vanessa Dourado (Brasil / Argentina)
  • Verena Gradinger (Áustria)
  • Xiomara Acevedo (Colômbia)

Fonte : Público

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