25 de Março de 2014 por Robin Delobel
O CADTM África organiza este fim de semana a sua primeira universidade em Hammamet na Tunísia. Após ter sido o país anfitrião do Fórum Social Mundial há um ano, a Tunísia acolhe desta vez a universidade do CADTM África. Cidadãos vindos dos quarto cantos de África - Burkina Faso, Togo, Benim, Camarões, República Democrática do Congo, Mali, Níger, Senegal, Marrocos e Tunísia – vão discutir a dívida e outros temas, tais como os recursos naturais, a auditoria e as dívidas coloniais.
Foi com alguma emoção que Fathi Chamkhi usou da palavra na sessão de abertura da primeira edição da Universidade do CADTM África. Chamkhi agradeceu aos presentes, representantes duma África que mexe, que luta pelo presente do continente, mas também pelo seu futuro.
Mimoun Rahmani, coordenador do CADTM África fez saber que a rede trabalha principalmente a questão da dívida, mas não só, está também envolvida na luta contra todas as formas de opressão. “A dívida é uma ferramenta para transferir riqueza do Sul para o Norte; uma parcela significativa dessa dívida é ilegítima e odiosa; já foi paga várias vezes e constitui um peso enorme no orçamento dos Estados. A nossa principal estratégia é fazer auditorias à dívida”.
Este ano, uma grande campanha internacional contra a dívida será organizada por ocasião dos setenta anos das instituições de Bretton Woods, FMI e Banco mundial.
Renaud Vivien, do CADTM internacional, destacou que o FMI não está presente apenas nos países do sul, também atua na Europa, quer na Grécia e na Irlanda, quer agora, na Ucrânia.
De seguida, os presentes separaram-se e integraram os dois ateliês da manhã.
As pilhagens de recursos naturais e os conflitos em África
As pilhagens em África, em termos de contexto histórico, estão longe de ser um factor recente. Existem desde a fase pós-colonial, com o comércio triangular, sob a forma de pilhagem direta de riquezas. Nabil, do CADTM/RAID, insistiu na ideia de que pedir a anulação da dívida é o mínimo que se pode fazer, não é caridade.
Issa, da Rede Nacional Dívida e Desenvolvimento do Níger, observou que a questão das reparações face à pilhagem de recursos continua a ser um tema com atualidade, “são questões que nunca deixaram de ser tratadas, antes, durante ou após a colonização. Vivemos numa guerra perpétua contra África; as várias potências partilharam África e as suas riquezas. Os seus recursos foram retirados à força, através da lei ou por intermédio de jogos negociais. O Consenso de Washington representa uma forma legal de permitir a continuação das pilhagens”.
O Níger é o terceiro maior produtor mundial de urânio. A exploração começou em 1971, principalmente através de filiais da Areva, Somair e Cominak. Apesar de serem produzidas 94 mil toneladas de urânio por ano, as receitas do Estado relativas à exploração de urânio são apenas de 22% do orçamento total do Níger.
Issa informou que sete rebeliões armadas separam o norte do Níger do resto do país. Os funcionários do Estado não são protegidos, apenas são protegidos os funcionários da Areva. Os números avançados acima sobre a produção de urânio são divulgados pela Areva e não são fiáveis. Todos os chefes rebeldes que lideraram a rebelião vivem em França. “A rebelião foi criada apenas para permitir as pilhagens. As ordens vêm de França. Os chefes rebeldes cometem todo o tipo de crime, mas nunca atacaram os interesses franceses”. Em janeiro de 2014, o Governo do Níger decidiu realizar auditorias às duas empresas, com o objetivo de determinar o que a Areva produz e o que Areva ganha.
De seguida, Broulaye falou-nos do caso específico do Mali. E perguntou: “por que razão os projetos financiados pela UE não são confiados a empresas do Mali? Podemo-nos interrogar como é possível que o governo do Mali possua apenas 20% da exploração de ouro no Mali. São muitos os habitantes locais deslocados na sequência da exploração de recursos minerais”.
Broulaye, secretário do CADTM África, evocou depois o fenómeno da privatização das florestas, que começou no Mali recentemente. A lei impôs parcerias público-privadas, “a lógica por trás disso é mobilizar os recursos do Estado para alimentar o privado! É preciso envolver os cidadãos na elaboração de textos, mas que não sejam uma farsa. Quando somos convidados, muitas vezes os documentos estão já preparados; os documentos votados devem estar de acordo com as necessidades de desenvolvimento dos doadores”. Deparamo-nos aqui com a mesma farsa que rodeou o debate nacional iniciado em França sobre as nanotecnologias. [1]
Dívidas coloniais e históricas de África
Massasamba, Togo, deu início ao ateliê, destacando o crescimento da dívida do Togo, em parte devido à explosão dos preços dos fosfatos, recursos essenciais no orçamento do país. “Vimos, também, como outros países africanos, amigos pessoais do regime, usufruíram do aumento da dívida pública”. Outros exemplos de dívidas ilegítimas: “algumas realizações não foram levadas a cabo, apesar de haver contratos assinados e financiados”.
Salah, de Marrocos, dedicou a sua intervenção à dívida colonial marroquina. Em 1860, Espanha pediu uma compensação a Marrocos em troca da sua saída de Tetouan que ocupou durante anos. Apesar de ter pedido um empréstimo a Inglaterra, Marrocos não conseguiu pagar tudo a Espanha. Por essa razão, cobradores espanhóis ocuparam as fronteiras marroquinas.
Em 1880, a conferência de Madrid foi organizada com o objetivo de decidir a partilha de Marrocos; muitos países estiveram presentes. A situação económica era catastrófica, devido em parte ao pagamento de compensações na sequência das muitas guerras perdidas e também devido ao estilo de vida do sultão. Pode-se citar como exemplo o carro que adquiriu apesar de não haver estradas em Marrocos. Havia apenas uma estrada para o sultão, em torno do seu palácio. Salah comparou a situação com o TGV atualmente em construção em Marrocos entre Tânger e Casablanca. [2]
Fathi, do RAID/CADTM Tunes, insistiu que “a dívida é uma questão eminentemente política e não apenas financeira”. Isto mostra que, em 1956, aquando da independência, a Tunísia voltou a comprar as suas próprias terras agrícolas a colonizadores franceses. Para isso, teve de pedir dinheiro emprestado a França. Será que estamos a sonhar!?
Youssef fez notar que, em questão, estão dívidas económicas, mas podemos também referir dívidas culturais. Falamos do Homem unidimensional. Existe uma conformidade ideológica por todo o mundo. Para ele, a relação entre dívida e cultura é muito estreita. Claude concorda exemplificando com os vestígios culturais, pertencentes a países africanos, que estão expostos em grandes museus europeus.
As auditorias à dívida, porquê, como?
A dívida de África pode ser qualificada como dívida odiosa, imoral, fraudulenta, pouco representativa. Não foi contratada para o bem do povo, mas sim para financiar projetos inúteis que não servem as necessidades básicas dos países em causa. Os governos comprometem-se em nome do povo, mas os efeitos da dívida recaem sobre os cidadãos.
As auditorias visam investigar a questão da dívida e compreender os mecanismos que governam a economia mundial: quem emprestou e em nome de quem? A auditoria ajuda a compreender o processo de endividamento e a distinguir a parte legítima e a parte odiosa. Podemos identificar a parte que serviu o bem do povo para depois determinar qual a parcela a anular.
Na Tunísia, 85% dos empréstimos desde 2011 servem para pagar a dívida de Ben Ali. Eis aqui um bom exemplo de empréstimos ilegítimos. Renaud Vivien recorda que o Parlamento Europeu qualificou em 2012 a dívida do mundo árabe como dívida odiosa e ilegítima. No entanto, nada mudou desde então. O CADTM continua a pressionar os eleitos para que a UE mantenha os seus compromissos.
A auditoria governamental levada a cabo pelo Equador, em 2007-2008, com a participação dos movimentos sociais, permitiu identificar as dívidas ilegítimas do país, contraídas entre 1976 e 2006. Na base dessa auditoria, o Equador recusou pagar uma parte da sua dívida, obtendo uma poupança de sete mil milhões de dólares, montante que foi utilizado para aumentar radicalmente as despesas públicas, em particular na saúde, educação e infraestruturas. Este exemplo mostra que é possível efetivamente recusar o pagamento da dívida. Foi em grande parte graças à mobilização dos movimentos sociais que esta auditoria viu a luz do dia.
Na Europa, os cidadãos pagam a fatura dos resgates bancários decididos pelos governos. Na Bélgica e em França, a dívida é a primeira despesa do Estado: os liberais apontam o dedo aos desempregados para justificarem os défices orçamentais em vez de atacarem a dívida.
Em 2009, uma auditoria foi lançada no Mali. Tratou-se, sobretudo, de compreender a questão da dívida para mais bem organizar o país e saber como fazer um apelo contra o processo de endividamento. Sob a pressão do Banco Mundial e do FMI, o governo foi forçado a aceitar o plano de ajustamento estrutural. O argumento principal do CAD Mali (Coletivo das Alternativas Africanas Dívida e Desenvolvimento) reside na capacidade de os cidadãos e de a sociedade civil conseguirem inverter a relação de forças.
Foi também realizada uma auditoria num país credor. A Noruega anulou créditos que considerou ilegítimos face a vários países do sul, graças aos esforços das mobilizações sociais.
Apesar do peso enorme da dívida em muitos países, existem sinais de esperança.
Tradução: Maria da Liberdade
9 de Maio de 2014, por Eric Toussaint , Robin Delobel