Brasil

Privatização da água, dívida pública e pandemia

14 de Setembro de 2020 por José Menezes Gomes


Neste momento, investigaremos como se dá processo de privatização da água na sua fase mais recente, sua relação com o endividamento dos estados e, por sua vez, da Lei Complementar 156, de 2016, que renegociou estas dívidas estaduais por mais 20 anos e seus antecedentes vindos da Lei 9496/97, que renegociou a dívida por 30 anos. Ao mesmo tempo, faremos um resgate do processo de privatização da água em vários países, como iniciativa pioneira nos países desenvolvidos, desde os anos 1990, procurando descrever o fracasso daquele processo, explicitado na reestatização na maioria dos países. Dentro disso, procuramos ver quais são as empresas que participam do processo atual no Brasil e sua relação com as empreiteiras envolvidas no escândalo da “Lava Jato”, além do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento dessas privatizações. Por último, veremos o que pode representar o processo de privatização das águas para o combate à pandemia do Covid-19, já que o acesso à água e o tratamento de esgoto são partes importantes do combate a esta e às demais doenças.




No dia 24 de junho de 2020 foi aprovado, no Senado Federal, com 65 votos a favor e 13 contra, um novo marco regulatório que prepara a privatização da água e saneamento no Brasil.
Neste momento, o governo e a grande mídia alegavam que esta mudança de regulação poderia representar R$ 700 bilhões de investimentos privados em saneamento e a efetivação da meta de universalização da água e saneamento. Não se trata apenas de mais uma etapa de privatização, mas da privatização de um bem fundamental à vida humana, que deveria ser considerado como um direito humano fundamental.

Enquanto isso, vimos a crise do neoliberalismo se aprofundar, especialmente a partir da crise capitalista de 2008, quando os estados destinaram trilhões de dólares para salvar as grandes empresas e bancos. No entanto, aprofundava-se a privatização de todos os serviços públicos no Brasil, processo que se deu de forma tardia em relação aos países pioneiros. Tudo isso ocorre no Brasil quando se aprova, também, a possibilidade da compra pelo governo, de títulos podres dos bancos. Curiosamente são as empreiteiras ou bancos privados que estão por trás da privatização da água e da energia, tendo como base o dinheiro estatal vindo do BNDES.

  Um resgate do processo de privatização no brasil e do papel do FMI

O processo de privatização da água, que agora se inicia, depois do marco regulatório novo, aprovado no Senado Federal, resulta de várias ações propostas pelo Banco Mundial, em momentos anteriores. No documento Regulação e saneamento no Brasil: prioridades imediatas, de abril de 1999 [1], o Banco Mundial sugeria ao Governo Federal tirar poder dos municípios com menos de 100 mil habitantes na titularidade dos serviços de água no país. Tal fato aconteceu após assinatura do protocolo com o FMI, em 8 de março de 1999 , quando o Brasil se comprometeu a preparar o marco legal para a privatização e a concessão de serviços de água e esgoto de acordo com o item 27 do protocolo assinado (MASCHIO, 2001).

Para entendermos esta proposição do Banco Mundial, temos que compreender o dilema da política de estabilização brasileira, que passava por um momento delicado, à época. Após o Brasil introduzir o Plano Real, em julho de 1994, passou pela crise mexicana (1995), crise asiática (1997) e crise russa (1998), e, por sua vez, pelo risco da fuga de capitais. Com o aprofundamento da crise capitalista, fora do epicentro capitalista, tivemos o fim da âncora cambial, em 1999, com a desvalorização do Real, a introdução do câmbio flutuante e a adoção do regime de metas da inflação e de superavit primário.

A liberação dos empréstimos do FMI, em 1999 e 2000, para o Brasil estava condicionada à aceitação dessas proposições. Sendo assim, tanto naquele momento como na fase atual temos a conexão com o tema da dívida pública e a participação do Banco Mundial e do FMI na determinação desta inciativa privatista, tendo o suporte do BNDES com capital estatal subsidiado. Ou seja, as privatizações ocorridas no Brasil foram financiadas pelo capital estatal, na sua grande maioria.

A privatização da água, proposta em 1999, portanto, era parte do processo de privatização, que se iniciou no governo Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1990-1992). Todavia, no governo Fernando Henrique (1995-2002), quando tem início o Plano Real, esse processo teve uma grande aceleração. Tudo isso resultava da agenda proposta pelo Consenso de Washington, em 1989, que orientava os ajustes nas políticas econômicas dos países subdesenvolvidos, fazendo parte das dez regras propostas por este Consenso.

Esta aceleração foi definida pelo impasse do próprio Plano Real, que a partir da crise mexicana (1995), da crise asiática (1997) e da crise russa (1998) se concretiza na tentativa de manter a âncora cambial. A saída encontrada foi a elevação da taxa básica para se evitar a fuga de capitais, que por sua vez fez explodir a dívida pública. Naquele momento tínhamos, como justificativa para as privatizações, a redução da dívida pública, a atração de investimento externo para elevar as reservas cambiais e o fim do monopólio estatal para assegurar a concorrência nos antigos setores estatais.

Para definir o processo de privatizações das estatais, em 1997, foi criada a Lei 9.491, que alterava os procedimentos do Plano Nacional de Desestatização (PND). É bom lembrar que no primeiro governo de FHC o discurso era de que o Estado deveria sair do setor produtivo e focar sua ação nos serviços essenciais, próprios do Estado. Este fato estava ligado à tentativa de conter os efeitos da crise asiática, de 1997, que fez explodir a dívida pública.

Dentro desse processo, a subavaliação e a aceitação como forma de pagamento das empresas estatais federais de títulos da dívida pública sem liquidez (títulos podres) foram usadas em abundância. Em outras palavras, títulos negociados no mercado com grande desconto, mas que foram aceitos pelo valor face, em que um título, que no mercado que valia apenas 10%, era aceito por 100%. Tal fato representou uma grande perda para os cofres públicos.

Em 1997 tivemos também um aprofundamento da crise fiscal e financeira dos estados, que levou a grandes mobilizações dos servidores estaduais. No caso de Alagoas, levou à queda do Governador Divaldo Suruagy, após uma grande mobilização de servidores públicos, civis e militares, que estavam 9 meses sem receber salário. Com a ocorrência de fatos semelhantes em vários estados e na tentativa de se encontrar uma saída, surgiu a Lei 9496/97, que federalizou as dívidas estaduais por 30 anos.

A aprovação desta Lei não só permitiu que a União cobrasse dos estados taxa de juros que variavam de 6% a 7,5% ao ano, mais o IGP-DI, mas também exigisse que as estatais estaduais fossem também privatizadas ou liquidadas. Com isso tivemos a expansão do processo de privatização — que estava na esfera federal — para esfera estadual, tendo como destaque as empresas de energia e dos bancos estaduais.

A privatização dos bancos estaduais — ou liquidação deles — acabou determinando mais da metade da atual dívida dos Estados, já que a chamada “parte saudável” foi repassada para o setor privado, e o que se chamou de “parte podre” foi assumida pelos estados, impulsionando suas dívidas. Tal fato passou a exigir novos ajustes fiscais nos estados, o que exigia corte nas despesas sociais para garantir o pagamento do serviço da dívida, aprofundando o ataque aos servidores públicos.

  A nova etapa de renegociação da dívida dos estados e de privatização

Passados quase vinte anos e dentro de uma nova etapa da crise fiscal e financeira dos estados, surgiu uma nova proposta de renegociação dessas dívidas por mais vinte anos, via a Lei Complementar 156, de 2016. Tal iniciativa permitiu a suspensão, por dois anos, do pagamento do serviço da dívida e a liberação de um novo ciclo de endividamento interno e externo dos estados. Nesta nova renegociação se retoma as exigências iniciais do FMI e do Banco Mundial de privatizar as estatais que sobraram, com destaque para a privatização da água, com dinheiro subsidiado do BNDES. Estes fatos vão ter consequência sobre todo o serviço público nos estados, com reflexo direto sobre a saúde e o financiamento do SUS.

Para entendermos melhor o processo atual, temos que observar o lançamento, pelo Governo Federal, em setembro de 2016, do Programa de Parceria do Investimento (PPI), que normatiza o processo de concessões e privatizações para os próximos anos. Nesta direção, o BNDES ficou encarregado de formar e participar do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias (FAEP). Ou seja, o processo de privatização nas várias modalidades terá como suporte o dinheiro estatal subsidiado. Aqui vale uma pergunta fundamental: porque o braço financeiro do Estado tem dinheiro subsidiado para bancar empresas privadas para atuação num setor que não tem tradição e não tem recurso para financiar estados e municípios, no sentido de ampliação dos sistemas estatais?

Segundo nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a Resolução nº 4, editada pelo Conselho do PPI também em setembro de 2016, “opina pela qualificação de empreendimentos públicos estaduais de saneamento por meio de contratos de parceria com o setor privado” (CEE-FIOCRUZ, 2017). Até 80% dos investimentos feitos pela iniciativa privada nessas parcerias poderão ser financiados pelo BNDES. Na verdade, temos a repetição da mesma falácia ocorrida durante o processo de privatização da era FHC, quando grande parte do dinheiro usado na privatização dos vários setores se originou neste banco. Durante aquele processo tivemos não só a privatização, mas também a desnacionalização, que implicava no aumento da remessa de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). sem compromisso de reinvestimento.

Nesta resolução foram apresentadas as datas estimadas para o edital e o leilão de três empresas estaduais de saneamento: Cedae (RJ), Cosanpa (PA) e Caerd (RO), com edital previsto para o segundo semestre de 2017 e leilão marcado para o primeiro semestre de 2018. Em 7 de março de 2017 foram anunciados mais 55 projetos do PPI, entre eles a desestatização de outras 14 empresas estaduais de saneamento. A desestatização da Depasa (Acre), Caesa (Amapá), Casan (Santa Catarina), Casal (Alagoas), Cagece (Ceará), Caema (Maranhão), Cagepa (Paraíba), Compesa (Pernambuco), Caern (Rio Grande do Norte) e Deso (Sergipe) tem previsão de leilão para o primeiro semestre de 2018; Embasa (Bahia), Agespisa (Piauí), ATS (Tocantis) e Cosama (Amazonas), para o segundo semestre de 2018.

A nova lei que estabelece o novo marco regulatório sugere duas metas nacionais ambiciosas: tornar universal o fornecimento de água potável das residências brasileiras e fazer tratamento de 90% dos esgotos até o ano de 2033. Na essência, o que se propõem é a privatização, nas várias modalidades. É bom lembrar que segundo o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, mais de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso aos serviços de água e mais de 100 milhões não têm acesso aos serviços de esgoto.

  O quadro dramático do saneamento no Brasil

Quando analisamos a taxa de acesso à rede de esgoto por unidade da federação, no ano de 2006, podemos ver que poucos estados a tinham, como é o caso de São Paulo (84,24%), Distrito Federal (79,85%), Minas gerais (73,43%), Rio de janeiro (60,24%), Espirito Santo (55,33%) e Paraná (46,34%). Todavia, a maioria dos estados apresentava números insuficientes ou mesmo dramáticos, que variavam de 36,27% a 1,42%. Este quadro revela a dramaticidade que certamente não será resolvida com a privatização da água (SALLES, 2008).

Se verificarmos os municípios por regiões, na coleta e tratamento de esgoto em 2000, fica evidente o quadro caótico vindo do corte dos investimentos. A Região Norte tem 92,9% dos municípios sem coleta de esgoto. No Nordeste temos 57% dos municípios sem coleta. O Centro-Oeste tem 82,1% e o Sul com 61,1%. Mesmo na Região Sudeste temos 7,1% sem coleta (LEONETI; PRADO; OLIVEIRA, 2011).

  O processo mundial de privatização da água

O processo de privatização da água é um fenômeno mundial exatamente porque deriva das iniciativas vindas do Banco Mundial, que criou o ambiente ideológico para que os mais variados países adotassem a mesma política. Segundo Franck Poupeau, em reportagem para o Le Monde Diplomatique Brasil (2002), a mercantilização da água pelo mundo teve à frente duas grandes multinacionais francesas, a Vivendi-Générale des Eaux e a Suez-Lyonnaise des Eaux, que se apropriaram de cerca de 40% do atual mercado. Estas duas empresas prestavam seus serviços a mais de 110 milhões de pessoas cada uma, respectivamente em 100 e 130 países (POUPEAU, 2002). Tudo isso ocorreu como resultado do desmonte do Estado de Bem Estar social, onde de fato ocorreu, já que tivemos a desregulamentação, e por sua vez a mercantilização de serviços públicos pensada pelo Banco Mundial, com a conivência dos estados nacionais. Todavia, a França foi o país com a mais longa história de privatização da água.

Segundo este mesmo jornal, neste processo as duas gigantes franceses foram ocupando o mercado mundial, antes dominados pelos respectivos estados e empresas estatais. A empresa Suez-Lyonnaise des Eaux passou a atuar na China, Malásia, Itália, Tailândia, República Tcheca, Eslováquia, Austrália e Estados Unidos. Por outro lado, a Générale des Eaux (hoje, Vivendi), com a qual a Suez-Lyonnaise se associava, às vezes, ficou com Buenos Aires, em 1993. Nos últimos dez anos, a Vivendi instalou-se na Alemanha (Leipzig, Berlim), na República Tcheca (Pilsen), na Coréia (complexo de Daesan), nas Filipinas (Manila), no Cazaquistão (Alma Ata), mas também nos Estados Unidos, com suas filiais Air and Water Technologies e US Filter (POUPEAU, 2002).

Em outras palavras, o processo de privatização da água tem seu ponto de partida em empresas francesas, com características monopolistas, que passaram a disputar o mercado mundial constituído por empresas estatais. Este processo de expansão, no entanto, acabou provocando grandes mobilizações populares, especialmente contra a grande elevação de tarifas, que levou à retirada, em alguns países sul-americanos, dessas empresas. Em 1997, em Tucumán (Argentina), a população iniciou um movimento de “desobediência civil” contra uma filial da Vivendi, negando-se tanto a pagar as contas de água, que tinham subido 100% de valor, quanto pela péssima qualidade da água. Naquele momento, o governo da província descobriu que a água estava contaminada.

A cidade de La paz (Bolívia) também passou pela privatização da água, que desde então passou a ser administrada pelo consórcio francês Águas del Illimani (Lyonnaise des Eaux) e teve aumento de preço de 400% no bairro de Alto Lima. Todavia, na Bolívia a resistência à privatização da água mais marcante foi na cidade de Cochabamba. O movimento ficou conhecido com a Guerra da Água a partir de massiva mobilização popular, que resultou na expulsão da empresa transnacional que geria o sistema de água potável e esgoto de Cochabamba, em 2000. Este processo massivo de quase seis meses de mobilização permanente, nas ruas, significou uma grande derrota do modelo neoliberal e serviu de preparação para outras lutas, unindo o campo e a cidade (COCHABAMBA, 2010). Além disso, esta luta teve influência direta na nova Constituição do Estado, que colocou os recursos hídricos como um direito humano fundamental.

Segundo Nota Técnica do DIEESE sobre a privatização da água, no Brasil a privatização da água compreende 258 contratos de prestação de serviços, distribuídos em 133 concessões plenas, 28 parciais, 15 Parcerias Público-privadas (PPPs), 3 locações de ativos e 1 subdelegação de serviços. Além disso, existem outros 78 contratos de assistência técnica. De acordo com este estudo, esse processo se concentra em seis empresas que ficam em torno de 95% dos negócios privados: OAS, GS Inima, Odebrecht Ambiental, Águas do Brasil, Aegea e Cab Ambiental. Este levantamento constatou um aumento do capital estrangeiro nesta atividade. Neste processo, o grupo japonês Itochu adquiriu 49% da participação da Queiroz Galvão na concessionária Águas do Brasil; o fundo de investimento canadense Brookfield comprou os ativos da Odebrecht Ambiental, a maior empresa privada do setor no país; e o fundo de investimento GIC, de Cingapura, elevou a participação no grupo Aegea (CEE-FIOCRUZ, 2017).

No Brasil, a privatização da água tem, na cidade de Manaus, um caso revelador, já que começou em 2000 e completa agora vinte anos. Trata-se de um serviço privado controlado pelo Grupo Aegea Saneamento e Participações, através da concessionária Águas de Manaus, mediante uma PPP, que oferecia garantia de rentabilidade, apostando na tão propalada eficiência do setor privado para o propósito de universalizar os serviços. Vale lembrar que a Aegea é controlada pela Equipav [2] , grupo que detém participação em vários setores, como açúcar e álcool, mineração, engenharia e concessões de infraestrutura. O diferencial, no entanto, está na participação do fundo soberano de Cingapura GIC e do Internacional Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial (PEREIRA, 2018). Com o aumento da incerteza das empresas privadas de saneamento, ligadas às empreiteiras, envolvidas na Operação Lava Jato, a Aegea teve um crescimento exponencial. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – base 2018), Manaus tem um serviço de esgoto a que apenas 12,43% da população tem acesso, vinte anos após sua privatização.

No Estado de Mato Grosso, sempre à frente na introdução de políticas neoliberais, tivemos outra forma de privatização da água. Neste estado, em 1996 o governo Dante de Oliveira extinguiu a antiga SANEMAT) Companhia de Saneamento e água de Mato Grosso), que era responsável pelo fornecimento de água e tratamento de esgoto para todos as cidades do estado, devolvendo aos municípios as concessões desses serviços. Com isso cada município ficou com a tarefa de criar sua própria empresa ou privatizar. Tal fato fez com que neste estado tivéssemos um elevado índice de serviços privatizados.

Depois de 2012 a SANECAP (Companhia de Saneamento da Capital), criada em 2001, foi privatizada, quando a CAB (Companhia de Águas do Brasil) Ambiental ganhou, por 30 anos, a concessão deste Serviço. Compreender o que é a CAB Ambiental nos facilita compreender os rumos das privatizações em outros estados e municípios. Esta empresa, com sede em São Paulo, criada em 2006, pertencia ao Grupo Queiroz Galvão, que gerenciava outras companhias de saneamento. A outra empresa que participou da concorrência foi a Foz do Brasil, que pertencia às Organizações Odebrecht (CAB..., 2012). Em outras palavras, temos as principais empreiteiras envolvidas no escândalo da Lava Jato disputando antigas empresas estatais com dinheiro do Banco Estatal BNDES mediante uma proposta megalomaníaca de universalização dos serviços.

Passados oito anos da privatização da SANECAP, começa a surgir denúncias de corrupção ocorrida nesse processo. Segundo acordo de delação premiada, homologado no Supremo Tribunal Federal (STF), o empresário Mario de Queiroz Galvão afirmou que pagou pelo menos R$ 1 milhão em propina para o governador Mauro Mendes (DEM), em outubro de 2012 e fevereiro de 2013, em três parcelas (BORGES; RODRIGO, 2020). Esta denúncia se refere ao período em que ele era candidato a prefeito de Cuiabá pelo PSB. Vale lembrar que este se elegeu governador com um forte discurso anticorrupção. No mesmo ano que a CAB Ambiental obteve a concessão da SANECAP, por 30 anos, o BNDES aprovou a subscrição pela BNDESPAR de ações ordinárias (que dão direito a voto) no valor de R$ 120 milhões (BNDES..., 2012).

  A uso de dinheiro estatal subsidiado para o financiamento de empresas ligadas a bancos privados no setor de água e energia

Veremos agora como o setor financeiro, que sempre esteve obtendo a maior rentabilidade da economia, passou a comprar emprestas estatais de água e energia usando dinheiro estatal subsidiado. O Brasil, de acordo com a proposta do BNDES, está na contramão do mundo não só por privatizar a água quando os países que privatizaram estão reestatizando, mas por permitir o uso de dinheiro estatal subsidiado, que poderia ser usado para contribuir no financiamento das empresas estatais e assegurar à população a água e esgoto com objetivo de combater a pandemia.

O leilão da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) está proposto para ocorrer no momento em que o Estado já teve mais de 1.700 mortos pela pandemia do Covid-19 e pela precariedade do sistema de saúde pública. Trata-se da concessão de água e esgoto da Grande Maceió (Região Metropolitana) até 2033. Vale lembrar que Maceió é responsável, praticamente, por 60% do faturamento da Casal, que teve um lucro de R$ 52 milhões em 2019. Atualmente o lucro da região metropolitana financia as regiões deficitárias, no chamado subsídio cruzado. A CASAL vai continuar existindo para bancar o atendimento dos demais municípios sem os recursos que antes vinham da região metropolitana.

Este leilão da Casal, que ocorrerá em setembro de 2020, pretende servir de teste para lei do novo Marco Legal do Saneamento Básico. Tal fato resulta da ação do BNDES, que construiu as condições para a oferta de dinheiro a juros baixíssimos a quem queira adquirir esta empresa pelo preço módico R$ 12 milhões. A CEAL foi privatizada em 2018 por um valor simbólico de R$ 50.000,00 e em seguida teve a demissão de mais de 660 funcionários e multiplicação dos apagões (BARBOSA, 2018).

Segundo a Federação Nacional dos Urbanitários, em 2018, o empresário Jorge Paulo Lehmann, que tem uma fortuna estimada em R$ 90 bilhões, sendo o homem mais rico do Brasil, comprou a CEPISA, que opera no Piauí, por R$ 50 mil, preço de um carro usado. A empresa usada para esta aquisição foi Equatorial Energia. Esta mesma empresa comprou a CEAL em Alagoas por R$ R$ 50.000,00. Ou seja, as duas empresas, que atendem a dois estados, com exclusividade, saíram por R$ 100.000,00 ou dois carros populares novos (HOMEM..., 2018).

Não bastava comprar por preço irrisório, tem que pegar dinheiro público para o empreendimento privado. Nesta direção, o BNDES aprovou, em 27 de abril de 2020, financiamento de R$ 491,4 milhões para a Equatorial Energia Alagoas, como parte do plano de investimento da concessionária, previsto até dezembro de 2033. O empréstimo aconteceu num momento crítico de aprofundamento da Covid-19, enquanto o governo alega não ter recursos para o enfrentamento da pandemia. Ao mesmo tempo, liberou, também, empréstimo na ordem de R$ 643 milhões destinados à Equatorial Piauí. Os dois empréstimos chegam a um total de R$ 1,13 milhão (NEALDO, 2020).

Após aquisição dessas empresas a preços irrisórios, essas recorrem à mão mágica dos empréstimos do BNDES para se capitalizar. Curiosamente, este banqueiro, que também é dono da AMBEV, usa dinheiro estatal subsidiado para tocar a gestão da empresa após demitir número grande de funcionários. Em outras palavras, são bancos que tanto ganham comprando títulos da dívida pública e compram essas empresas estatais com dinheiro estatal. Enquanto isso, vários estados recorrem a empréstimos internos, junto a bancos privados e estrangeiros, para contratar mais obras junto às empreiteiras.
Desta forma, os bancos privados vão comprando empresas estatais com dinheiro estatal subsidiado, enquanto esses bancos privados fazem empréstimos a taxa de juros bem mais elevadas aos estados, que privatizam suas estatais. Este quadro fica mais absurdo quando os estados fazem renúncias fiscais aos grandes grupos monopolistas, associados aos grandes bancos privados, e deixam de repassar para as receitas estaduais o imposto pago pelos consumidores.

Esta forma metamorfoseada dos bancos privados atuarem no processo de privatização também se manifestou no caso da ENERGISA. Esta empresa teve uma expansão que foge do tradicional no setor elétrico. Na disputa empresarial para comprar o grupo Rede, que estava com uma dívida de R$ 6 bilhões e sob a intervenção da ANEEL, a Energisa acabou ganhando da CPFL [3] naquele momento, depois de trocas de acusações públicas. Ao investigarmos o controle acionário da ENERGISA, verificamos que a acionista controladora era a Gipar S/A [4], com 66,36% das ações preferenciais, tendo os banqueiros Ronaldo César Coelho e Antônio José Almeida Carneiro e o banco Itaú como acionistas. Vale lembrar que o banco Itaú obteve a decisão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em 2017, de que não precisava pagar impostos no valor de R$ 25 bilhões, do processo de fusão com o Unibanco. Tal fato gerou perdas para a Receita Federal, ao mesmo tempo que permitiu a este banco se preparar para a privatização da Eletrobras (NASCIMENTO, 2017). Sendo assim, estes impostos deixaram de ser repassados aos cofres públicos, podendo servir de fundo para aquisições de patrimônio estatal. Atualmente, o controle acionário do Grupo Energisa é exercido pela Gipar S.A, cujo controlador é a família Botelho (PERGUNTAS..., 2020).

Nesta primeira fase de privatização, em que as estatais foram compradas pelo Grupo Rede, tivemos também uso do dinheiro do BNDES. Segundo a revista Exame, de 21/06/13, nesta falência ocorreu um dos maiores calotes da história do setor, quando o empresário Jorge Queiroz, dono do grupo Rede Energia, deixou de honrar cerca de R$ 6 bilhões aos seus credores, equivalente a seis vezes a geração de caixa anual do grupo (BAUTZER, 2013). Trata-se de oito concessionárias, que atuavam nos estados de Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo, que sofreram intervenção da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 31/08/2012. Tal intervenção se deu devido ao elevado endividamento das concessionárias, que colocava em risco a prestação adequada dos serviços de distribuição de eletricidade (ANEEL..., 2012).

Esta intervenção da ANEEL foi encerrada em 2014 condicionada à formalização da transferência das ações entre as empresas que compõem o compromisso de compra e venda, e à realização de assembleias gerais para eleição dos novos administradores das concessionárias (DECRETADO..., 2014). Segundo o Jornal Valor, esta intervenção ocorrida teria sido a maior da história (RESENDE; RITTNER, 2012). Neste momento precisamos questionar como empresas que foram compradas por preços subavaliados, com crédito em parte subsidiado pelo BNDES, que tinham o monopólio nos setores, praticaram elevadas tarifas, fizeram grandes demissões e terceirizações, e ainda assim conseguiram uma falência tão devastadora? A outra pergunta é como estas empresas falidas depois foram repassadas novamente ao setor privado? Qual foi o ônus que os cofres públicos tiveram para, em seguida, novamente privatizar? Tivemos novos empréstimos do BNDES para os novos donos assumirem? Todavia, em 13 de outubro de 2015 a ANEEL autorizou a constituição de garantias formadas por recebíveis das distribuidoras do Grupo Energisa para a obtenção junto ao BNDES de financiamento no valor de R$ 1,2 bilhões, pelo prazo de seis anos (ANEEL..., 2015).

  O fracasso das experiencias de privatização da água

A maioria dos casos de reestatização ocorreu por meio da rescisão de contratos, em função de serem tão lesivos que os municípios resolveram reestatizar os serviços, apesar da possibilidade de ter que indenizar as empresas. Segundo o estudo (POLLACHI, 2020), o país com maior número de reestatização dos serviços é a França (94 casos), seguida pelos Estados Unidos (58), Espanha (14) e Alemanha (9). Na América Latina foram registrados casos na Argentina (8), Uruguai (1), Bolívia (2), Equador (1), Colômbia (2), Venezuela (2) e Guyana (1). No Brasil também já ocorreram casos de reestatização, conforme será apresentado na próxima seção [5].

Segundo estudo divulgado em maio de 2020, pelo Instituto Transnacional (TNI), na Holanda, 1.408 municípios de 58 países, nos 5 continentes, reestatizaram seus serviços, sendo que 312 municípios na área de água e/ou esgoto de 36 países, entre os anos de 2000 e 2019. Este estudo também constatou que reestatizaram os sistemas na Alemanha, nos EUA, no Canadá, na Espanha e na França, país onde 152 municípios, incluindo Paris, sede das duas maiores empresas multinacionais que atuam setor, tiveram os serviços remunicipalizados (POLLACHI, 2020). Em outras palavras, o processo de reestatização se deu porque a privatização piorou a universalização do sistema nesses locais (CASO; MOURA, 2020).

Para tanto, temos que perguntar por que União compromete mais de 40% do seu orçamento com o pagamento do serviço da dívida pública, enquanto o Orçamento do governo federal teve redução de 21% nos recursos para saneamento básico, em 2020. Serão R$ 661 milhões previstos para 2020, ante R$ 835,5 milhões autorizados em 2019. Esta queda no orçamento do saneamento federal em 2020 mantém a trajetória dos últimos anos: R$ 3,1 bilhões em 2015, R$ 914,9 bilhões em 2016, R$ 1,5 bilhões em 2017 e R$ 605 bilhões em 2018. Em outras palavras, tivemos aqui a repetição da mesma estratégia da privatização em outros setores com uma redução brusca de alocação de recursos públicos para criar um clima de desmonte que tente justificar a privatização. Por ironia, os cortes de recursos públicos ocorridos na fase preparatória da privatização foram acompanhados por um aumento de recursos públicos subsidiados oferecidos pelo BNDES para as empresas privadas, que em seguida desejam participar dessas empresas privatizadas.

Normalmente se fala que a precarização do serviço de água e esgoto, que impede o atendimento universal, seria algo peculiar aos países subdesenvolvidos. Segundo John Mulholland (apud MALAJ, 2020), nos EUA, 30 milhões vivem em áreas onde não tem água potável. Da mesma forma, 110 milhões de pessoas estão expostas a produtos químicos tóxicos no suprimento. Por outro lado, o serviço foi reduzido para 15 milhões de pessoas devido à grande crise de acessibilidade à água no país.

Neste estudo ficou claro os bilhões que resultam da comercialização de água, fruto da apropriação de fontes públicas de água. Dentro disso, milhões de pessoas, mais vulneráveis pela baixa renda, nas áreas rurais, comunidades afrodescendentes, comunidades tribais e imigrantes não têm acesso à água nem ao saneamento, o que dificulta a garantia da saúde e o combate à pandemia (MALAJ, 2020). Por outro lado, segundo a análise de 12 cidades dos EUA, fica claro que o preço da água aumentou em média 80% entre 2010 e 2018, o que compromete o orçamento já que cada vez mais parte dos gastos familiares vão para a conta de água.

  Considerações finais

A etapa de privatização, na qual se insere a privatização da água, é parte de um processo que teve início no Consenso de Washington, a partir em 1989, depois de uma reunião do FMI, Banco Mundial e do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos. Esta iniciativa definiu os princípios da mudança de orientação no papel do Estado, que impulsionou a mercantilização dos serviços públicos, consenso que ocorreu um ano após a aprovação da Constituição Federal de 1988.

No Brasil, o processo de privatização teve início com o Governo Collor, passando pelo Governo Itamar e acelerando com o Governo FHC. A interferência do Banco Mundial e do FMI, que estava presente nos anos 1980, se tornou mais acentuada com a introdução do Plano Real em 1994. Todavia, o ano de 1997, marcado pela crise asiática e pela brutal elevação da taxa básica no Brasil, explosão da dívida pública nos estados, fez surgir a Lei 9496/97, que transformou dívidas estaduais em federais, gerando o momento agudo da privatização no Brasil. O processo de privatização, que estava na esfera federal, se desloca para a esfera estadual, resultou da exigência que a União fez para renegociar as dívidas por 30 anos. Vinte anos após, os estados tiveram uma nova renegociação, por mais 20 anos, conforme a Lei complementar 156. Sendo assim, mais uma vez a União exigiu a privatização das estatais que sobraram, com destaque às estatais de água.

O fato novo que temos é que a destruição dos serviços públicos, na fase anterior, serviu de facilitador para a propagação da Covid-19. Todavia, a resposta dos governos, seja federal ou estaduais, é de aprofundar as privatizações no momento em que o serviço público mais se mostra necessário para o combate à pandemia. Ao mesmo tempo que os governos impulsionam a privatização dessas empresas estatais, eles ampliam o volume de capital estatal subsidiado para as novas empresas que passam a atuar no setor. Mais grave ainda é que a privatização da água ocorre quando os países que foram pioneiros nesta modalidade de privatização estão reestatizando esses serviços, em função do fracasso pelo aumento das tarifas, piora na qualidade da água e manutenção de parte da população sem acesso à água e esgoto.

A defesa da água e saneamento para todos não deve ser vista apenas como uma ação fundamental no combate ao Covid-19, emergencial, mas como uma política permanente de saúde, já que parte do adoecimento da maioria da população se deve ao não acesso à água potável e da ausência de saneamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada dólar gasto com saneamento, quatro dólares são economizados com saúde. Por outro lado, essa organização da Organização das nações Unidas (ONU) concluiu que uma criança morre no mundo a cada 2,5 minutos devido a problemas relacionados à falta de água potável e esgoto. Ou seja, antes da pandemia, a falta de água potável e esgoto já era responsável pela morte de muitas crianças.

Portanto, privatizar a água, especialmente durante a ocorrência de uma pandemia, exigirá ainda mais investimentos na saúde, quando estamos sobre a vigência da Emenda constitucional 95, que congelou despesas sociais por 20 anos (‘PARA..., 2020). Em outras palavras, quando mais precisamos de água para que a população possa se higienizar, no combate ao Covid-19, o governo dá andamento ao processo de privatização, que irá favorecer empresas estrangeiras e empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato e, por sua vez, bancos que dão sustentação às empreitaras em crise.

A privatização da água não compromete apenas o combate ao Covid-19, mas também o bom funcionamento do ensino público. Atualmente o Brasil possui 109 mil escolas municipais, ou 35% das escolas que não tem água encanada para alunos professores e técnicos. Desta forma, o retorno às aulas no Brasil exige que cada escola tenha álcool em gel, mas também água potável e saneamento. Segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, de 05/07/20, a partir dos dados do Censo Escolar de 2019, são quase dois milhões de alunos em colégios nessas condições. Além disso, temos, no Nordeste, a região com o maior número proporcional — uma a cada quatro — de escolas abastecidas por cacimbas — poços rasos, facilmente contamináveis por fossas de esgoto ou poluentes que vêm com a água da chuva. Na Paraíba, metade das escolas municipais são abastecidas com esse sistema.

Podemos concluir que a iniciativa atual mantém os mesmos argumentos já usados na fase anterior. Portanto, a privatização proposta mudou apenas nos instrumentos jurídicos novos, mas manteve os velhos argumentos propostos pelo FMI e Banco Mundial. Trata-se de uma nova roupagem jurídica para o mesmo objetivo: rolar a dívida dos estados, enquanto transfere para o setor privado o patrimônio, repassando para os consumidores as elevadas tarifas e o péssimo serviço. Enquanto isso, os governadores estabelecem um novo ciclo de endividamento externo e interno dos estados, ampliam as renúncias fiscais aos grandes grupos monopolistas e aprofundam os ataques aos servidores públicos sem concurso, sem carreira, sem reajuste, e privatizam todos os serviços públicos, ampliando as terceirizações, Organizações Sociais (OS) e PPP’s. Tudo isso ocorre enquanto aprofunda a redução das receitas dos Estados, seja pelo não repasse da Lei Kandir, ou pela crescente renúncia fiscal dentro da já conhecida Guerra Fiscal.

Esta tarefa de universalização passa pelo obstáculo da existência de duas políticas. Uma para os municípios de maior renda, considerados viáveis, e os municípios de menor renda, ou considerados inviáveis. O subsídio cruzado existente permite que as regiões de maior concentração populacional e renda, na existência das empresas estaduais, ajudem a financiar as regiões de menor renda. Com isso, teríamos a viabilidade para o atendimento a todos os moradores do Estado. Se o Estado tem dinheiro estatal para os grupos privados privatizaram estas empresas, deveria fundamentalmente direcionar estes recursos para apoiar as empresas estatais, que já conhecem esse setor.

Com a criação de empresas privadas que atendam às regiões metropolitanas, como a proposta para Alagoas, os demais municípios continuarão com o atendimento pela CASAL. Todavia, sem os recursos do subsídio cruzado teremos um quadro bastante dramático para a população do Sertão, com municípios que têm dependência dos recursos vindos do Bolsa Família e das transferências de Previdência Social. Sem o subsídio cruzado, as regiões superavitárias deixam de subsidiar as regiões deficitárias, nas cidades menores e isoladas. Por outro lado, o fato do Coronavirus ter sido encontrado no esgoto de várias cidades pesquisadas revela a importância de uma política emergêncial de esgoto e tratamento para o efetivo combate a esta e futuras pandemias.

No processo de privatização não está em jogo apenas o valor das tarifas e qualidade do serviço, mas também a desnacionalização, que pode gerar problema no balanço de pagamentos com a remessa de lucro. É bom lembrar que o saneamento básico compreende o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, manejo dos resíduos sólidos e a drenagem da água de chuva.

O mito da eficiência de gestão do setor privado como justificativa de privatização não se justifica, pois grande parte do setor elétrico privatizado acabou passando por intervenção, além do comprometimento da qualidade do serviço. Na trajetória desse processo observamos que os estados repassaram ao setor privado empresas estratégicas a preço de banana e com empréstimos subsidiados, que em alguns casos não foram pagos. Mesmo assim, a maioria das empresas sofreram intervenção da ANEEL. Neste processo está em disputa também o acesso aos recursos hídricos brasileiros, com destaque para os rios, mas especialmente dos Aquífero Guarani e do Alter do Chão, na Amazônia.

Desta forma, os bancos privados vão comprando empresas estatais com dinheiro estatal subsidiado, enquanto eles mesmos fazem empréstimos, a taxas de juros bem mais elevadas, aos estados, que privatizam suas estatais. Este quadro fica mais absurdo quando esses estados fazem renúncias fiscais aos grandes grupos monopolistas, associados aos grandes bancos privados, e deixam de repassar para as receitas estaduais o imposto pago pelos consumidores. Torna-se fundamental perguntarmos para que serve o Estado Nacional, já que, atualmente, cobram impostos de pobres, praticam renúncia fiscal para os grandes grupos monopolistas, pagam elevado volume de recurso para o serviço da dívida pública e privatizam todos os serviços públicos.


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Notas

[1Acordo preventivo com o FMI com desembolso de US$ 41,5 bi em 13.11.98.

[2Esta empresa atua no setor sucroalcooleiro. Ver: http://www.renukabrasil.com.br/br/historia/grupo-equipav.

[3Maior empresa privada do ramo de energia elétrica do país e sócia da Equatorial. Ver: https://exame.com/revista-exame/tem-bode-na-sala/.

José Menezes Gomes

Doutor pela USP, professor da UFAL, membro da Rede de Cátedras sobre Dívida Pública e Coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida - Alagoas - Brasil

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