7 de Fevereiro de 2020 por Yorgos Mitralias
Agora que até os mais céticos e incrédulos parecem estar a começar a perceber - finalmente - que Bernie Sanders é um candidato muito sério à presidência dos Estados Unidos, é mais do que tempo de olharmos um pouco para o que o conteúdo de sua candidatura, sem precedentes, histórico e revolucionário, no justo sentido dos termos. O que faz os seus opositores, de todos os lados, de Trump ao establishment democrata e aos grandes capitalistas que governam o mundo, estarem com tanto medo desse Bernie em crescendo, fazendo todo o possível para o «neutralizar».
Então, do que é que toda essa gente bonita tem medo? A resposta não é muito difícil: acima de tudo, mais do que medo do programa de Bernie Sanders, tem medo do enorme movimento popular que esse mesmo Bernie lançou em novembro de 2018 e que ainda está em construção! Um movimento popular que não tem precedentes na história dos Estados Unidos, nem no seu tamanho nem no seu radicalismo, e na determinação dos seus jovens militantes em lutar contra o sistema e os seus representantes políticos! Como disse recentemente Noam Chomsky: “Ainda mais ameaçador do que as propostas de Sanders de implementar políticas ao estilo New Deal, é o como inspira um movimento popular comprometido com o ativismo político e a ação direta para mudar a ordem social - um movimento do povo, especialmente da juventude, que ainda não internalizou os padrões da democracia liberal: que as pessoas são «estrangeiros ignorantes e indesejáveis» que devem ser “espectadores, sem participação ativa”, autorizadas a votar a cada quatro anos, mas retornar logo para a frente da televisão e aos videogames, enquanto as “pessoas responsáveis” tratam das coisas sérias.” [1]
É claro que a razão profunda do medo, ou mesmo do terror, que inspira àqueles acima desses milhões de jovens ativistas é que eles transformam as ideias apresentadas como «perigosas» em força muito material, e, ao fazê-lo, impõem um novo equilíbrio de poder, tanto a nível social como político! Isso tem várias consequências, inclusive a de garantir a continuidade do movimento popular de massas e de tornar as políticas repressivas e a propaganda do poder menos efetivas, se não ineficazes. Por quê? Se uma bala é suficiente para eliminar uma pessoa - como Bernie Sanders, por exemplo - quando ela se torna muito perigosa, é preciso muito mais para derrotar e eliminar um movimento popular radical e de massas que quer “mudar a vida e a vida e o Mundo" …
Obviamente, longe de nós a ideia de subestimar a importância (capital) do programa de Bernie Sanders, porque é esse programa - assim como seu exemplo pessoal - que inspira e mobiliza esses milhões de jovens e não tão jovens. De fato, as propostas, posições e reivindicações contidas neste programa cobrem todas as áreas da atividade humana, oferecem respostas e soluções para os graves problemas existenciais que a sociedade e a humanidade norte-americanas enfrentam, ao mesmo tempo que se ocupa da lacuna entre atender às necessidades imediatas da grande maioria da população e a visão de um mundo radicalmente diferente.
Então, este é um programa «revolucionário» ou um conjunto de reivindicações e medidas «burguesas» que tornariam Bernie Sanders um político praticamente «como os outros»? À primeira vista, nenhuma das principais medidas e políticas do programa de Bernie Sanders, como “seguro de saúde para todos”, “educação gratuita para todos” ou mesmo a abolição de prisões privadas ou o cancelamento total da dívida estudantil, podem ser classificadas como «revolucionárias». Muitos delas são, com toda a razão, apresentadas pelo próprio Bernie como inspirados no precedente histórico do New Deal de Roosevelt. Mas, e o que foi “revolucionário” no slogan “Pão, Paz e Terra” dos bolcheviques, que entusiasmou a população russa e permitiu motivá-la o suficiente para fazer uma revolução, como a Outubro de 1917? Em suma, o que torna uma afirmação revolucionária não são tanto suas qualidades intrínsecas, mas a dinâmica social e política que ela suscita e desenvolve num dado contexto e momento históricos. E é claro que o programa de reivindicações transitórias de Bernie Sanders está atualmente a desenvolver uma dinâmica bem subversiva… [2]
A prova? Essa é oferecida pelas reações uns e de outros. Por outras palavras: os que estão abaixo, como os que estão em cima, interpretam aquilo que se passa, cada campo à sua maneira e de acordo com seus interesses, como um incitamento claro à revolta contra o sistema e suas principais forças económicas e políticas. .Para os que estão abaixo (empregados, minorias, mulheres, nativos, migrantes e vítimas de toda opressão), esse programa já se tornou uma fonte de inspiração, uma arma de combate e também uma bandeira que é erguida alto e com força. E, como tal, já é um sucesso sem precedentes. Mas, para os outros, ou seja, os de cima (Trump, o establishment democrata, a grande comunicação social e especialmente os grandes interesses capitalistas), é simplesmente a pior ameaça existencial; ou melhor, «o pior pesadelo», como o próprio Bernie gosta de dizer publicamente.
Então, acontece o que tinha que acontecer: os de cima declararam uma guerra impiedosa contra Bernie e o movimento popular que o apoia. É lógico e não poderia ser de outro modo, já que Bernie e os seus amigos, jovens deputados/as e senadores/as com Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Pramila Jayapal à cabeça, ousam atacar pelo nome e publicamente os inimigos (capitalistas) e prometem acabar com o seu poder, em breve. E essa guerra é - já - implacável: todos os golpes são permitidos dia após dia [3], até Bernie ser definitivamente «neutralizado» e seu movimento derrotado. Todos os golpes, mesmo os mais extremos, os mais repulsivos ou bárbaros, porque este confronto de classe é de morte, é enorme e de dimensões históricas...
Tradução: António Pedro Dores
[1] Entrevista com C.J. Polychroniou: https://truthout.org/articles/noam-chomsky-sanders-threatens-the-establishment-by-inspiring-popular-movements/
Esta entrevista com Noam Chomsky, bem como milhares de textos, vídeos e imagens dos Estados Unidos, em primeira mão, e sobre tudo o que está a acontecer no topo, mas especialmente na base da sociedade norte-americana, são postados hora a hora na página de Facebook «Europeus do Movimento de Massa de Bernie», lançado há 3,5 anos e que recomendamos fortemente aos leitores da esquerda: https://www.facebook.com/EuropeansForBerniesMassMovement/
[2] É lamentável, para dizer o mínimo, que as pessoas de esquerda, na Europa, não entendam que o que está a acontecer nos Estados Unidos há quatro anos é de importância histórica para a esquerda e o movimento dos trabalhadores em todo o mundo e, portanto, para elas também. No entanto, elas teriam tudo a ganhar ao tecer laços e desenvolver movimentos ativos de solidariedade com o movimento de massas radical norte-americano, agora no epicentro de um gigantesco confronto de classes e de final bastante incerto. E tudo isso independentemente dos deveres internacionalistas tão negligenciados hoje em dia...
[3] Um dos últimos casos desta guerra diária contra Bernie foi a publicação dos resultados da emblemática primária de Iowa com um atraso de mais de 72 horas! Isso permitiu que o jovem do establishment e grande empresário Pete Buttigieg se apresentasse triunfante e Joe Biden evitasse pagar o preço pelo seu resultado humilhante, enquanto Bernie foi impedido de reclamar a sua vitória, depois de ter conquistado o voto popular com muita clareza. O fato de a empresa Shadow responsável por esse escândalo ter trabalhado em 2016 em nome de Hillary Clinton e de estar atualmente ao serviço e paga pelas campanhas de J. Biden e P. Buttigieg é obviamente uma pura coincidência ...
O jornalista, Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê para a Anulação da Dívida dos Países do Terceiro Mundo (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida.
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