12 de Julho de 2021 por Eric Toussaint , Alexis Cukier , K-Lab
Desfile de abertura do Forum Social Mundial de 2003 (CC BY-SA 3.0)
Publicamos esta entrevista de Eric Toussaint por Alexis Cukier, realizada em maio de 2020 para a mídia alternativa grega K-Lab. Nesta entrevista, Eric Toussaint delineia os contornos de um novo movimento social e político internacional a ser construído.
Eric Toussaint: De qualquer modo, acho que as organizações políticas revolucionárias e todos os movimentos sociais radicais precisam se reunir e se unir. Temos que derrubar o muro que separa as organizações políticas e os movimentos sociais.
As organizações políticas revolucionárias e todos os movimentos sociais radicais precisam se reunir e se unir
As organizações políticas devem entender que não têm o monopólio da elaboração de propostas programáticas. Os movimentos sociais podem muito bem participar da elaboração.
Precisamos elaborar campanhas que reúnam pessoas que estão organizadas em diferentes níveis, incluindo pessoas que, até recentemente, não estavam organizadas. O exemplo típico é o que vimos na França com os Coletes Amarelos, uma parte significativa sendo pessoas que quase não tinham experiência de organização e que deram um salto na consciência política e no modo de organização, de auto-organização, e cujas formas de ação visaram a paralisar o funcionamento normal da sociedade. Portanto, temos que conseguir adotar formas de ação e agrupamento onde todos os comportamentos elitistas que pretendem dar lições e todas as formas de sectarismo são abandonados. Sei que isto é extremamente complicado e, falando com camaradas gregos, você sabe disso. Conheço um pouco a situação na Grécia e sei disso também. Portanto, essa é a primeira coisa. Se todos ou uma grande parte da esquerda radical se apega a suas posições e decide construir sua própria capela ou fortalecê-la em uma espécie de luta competitiva com os outros, estamos caminhando para o fracasso. Portanto, a questão da unidade e da quebra das paredes entre os diferentes tipos de movimentos é extremamente importante.
A esquerda radical deve ser verdadeiramente radical. Se impuser limites em suas propostas, é a extrema direita que assumirá as respostas radicais
Em segundo lugar, precisamos de propostas de emergência que vão muito longe, que são muito radicais, porque o povo, ou pelo menos parte do povo, quer soluções que rompam com o passado. E se a esquerda radical impuser limites em suas propostas, é a extrema direita, com seu racismo, machismo, nacionalismo ou mesmo o obscurantismo religioso, que assumirá as respostas radicais. Portanto, a esquerda radical deve ser verdadeiramente radical e não tem sido suficientemente radical em suas propostas. É muito tímida.
Como você sabe, acho extremamente grave que a esquerda radical, além de dizer que os bancos devem ser nacionalizados, seja incapaz de realmente levar em conta o quanto é necessário fazer campanha pela expropriação dos banqueiros e capitalistas. Além de mencionar que os bancos são importantes, é preciso ir um pouco mais além e perceber que, como diz meu camarada Patrick Saurin, da esquerda radical, os bancos não são pensados, são vistos apenas como inimigos e não analisados, portanto não pensados.
Mas se não pensamos, se não analisamos, não sabemos realmente o que fazer, não podemos convencer as pessoas de que temos que expropriar os capitalistas (ver «Como Poderia Funcionar um Sistema Bancário Socializado»), porque vem aí uma ofensiva enorme.
O Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu e os governos estão usando os bancos privados como meio de agir contra a crise econômica, tudo passa pelos bancos. No entanto há toda uma série de ajudas que deve vir diretamente dos órgãos públicos, sem passar pelos bancos. Ou devemos socializar os bancos e transformá-los em um serviço público (ver «Como Socializar o Sector Bancário»). Agora tudo passa pelos bancos privados, exceto alguns apoios aos desempregados, etc. Mas a maior parte vai passar por contas bancárias que as pessoas são forçadas a ter em bancos privados.
Existe uma coisa interessante nos sindicatos na Bélgica, não sei se você está ciente disso: na Bélgica os subsídios de desemprego são pagos pelos sindicatos. Assim, em uma cidade como Liège, de um dia para o outro, mais 40.000 pessoas tiveram que receber esta indemnização. Imediatamente no final de março, durante a noite. Bem, tudo isso foi feito pelos sindicatos e não pelos bancos. Assim, todos os funcionários do sindicato tiveram que se organizar para estar em contato com os recém-desempregados e pagar-lhes o subsídio.
Mas isto também cria contato, é claro. Se no momento do pagamento do subsídio pudermos dizer: «Temos que fazer algo mais», etc., e não tivermos que passar diretamente pela conta bancária e houver um contato direto, há uma maneira de transmitir outras propostas. Isto é muito, muito importante. Acho que devemos ser capazes de retomar uma iniciativa internacional e mobilizar.
A última grande iniciativa concebida e planejada foi o primeiro Fórum Social Europeu em 2002: um grande sucesso.
Foi em janeiro de 2002, em Porto Alegre, Brasil. Foi a segunda reunião, a segunda edição do Fórum Social Mundial, e alguns de nós pensavam: «Temos que convocar um primeiro Fórum Social Europeu?» E consultamos uma série de organizações e assumimos a responsabilidade com o Fórum Social Italiano de convocar uma primeira reunião em Florença para novembro de 2002. Quando fizemos isso, não sabíamos o que iria acontecer.
Um mês antes de Florença, ficamos muito estressados porque havia sessenta mil pessoas registradas de toda a Europa que queriam vir a Florença e nos perguntávamos como iríamos acomodar essas pessoas. É claro que as condições são diferentes e os atores mudaram. Mas seremos capazes de relançar uma iniciativa global ou europeia? Quem pode tomar a iniciativa? Porque, entretanto, houve enormes mobilizações. Houve a primavera árabe, houve os «indignados» na Espanha, havia o movimento de ocupação das praças na Grécia, houve o Nuit Debout na França, houve os Coletes Amarelos, houve Occupy Wall Street. Mas nenhum desses movimentos resultou em uma organização internacional.
Isso é impressionante. Os movimentos foram quase simultâneos: a primavera árabe, o movimento dos indignados seguido muito rapidamente pela ocupação de praças na Grécia em junho-julho de 2011 e Occupy Wall Street, mas sem estrutura internacional, continental ou global. E o Fórum Social Mundial estava se tornando obsoleto. É possível que atores como Attac, CADTM, organizações políticas e sindicatos, relancem a convocação de um verdadeiro processo internacional, global ou europeu?
É absolutamente necessário que as organizações políticas e sociais estejam juntas e façam um apelo mais radical do que o de Porto Alegre (FSM, 2002)
Estou pronto para colocar minha energia de volta nisso e dizer: «Desta vez, é absolutamente necessário que as organizações políticas e sociais estejam juntas e com uma plataforma, um apelo, mais radical do que o de Porto Alegre e assim, seremos capazes de fazer isso?»
Existem os veteranos, e sou um deles, nós temos contatos. Mas estou convencido de que se for limitado à velha geração que convocou o Fórum Social Mundial, não funcionará. Precisamos reunir a velha geração com gerações que acumularam novos tipos de experiência. Mas o problema é que, na nova geração, não houve necessariamente um processo de acumulação e consolidação. Então, quem contatar no movimento dos coletes amarelos?
Há muitos movimentos de ocupação de casas em toda a Europa; há muitos jovens radicais, mas não estão federados em um movimento de ocupação europeu. Há um movimento sobre a questão da habitação e os ativistas do CADTM fazem parte dele. Existem movimentos para centros sociais, centros médicos e policlínicas, como é o caso da Grécia. Mas não existe uma rede europeia. Havia uma rede de trabalhadores da saúde que funcionava há 5-6 anos, mas que não existe mais de forma significativa a nível europeu (Nota: relativamente a esta observação, feita em maio de 2020, é preciso acrescentar que os contactos entre organizações sociais e estruturas de ação no domínio da saúde fizeram progressos em 2021; ver http://www.sudsantesociaux.org/appel-a-la-mobilisation.html). Existem contatos entre as campanhas de defesa dos requerentes de asilo, mas não existe uma rede única que unifique tudo isso. Então, por exemplo, será que a campanha grega vai colocar energia na campanha em que você está participando, de modo que outras campanhas que estão sendo realizadas em outros países possam se federar e entrar em contato com outras redes, a Via Campesina, os camponeses, a Marcha Mundial da Mulher, o CADTM, o ATTAC, etc., a fim de construir um novo projeto e convocar um novo encontro global e/ou europeu?
Precisamos pensar sobre isto e estas são coisas que precisam ser pensadas e planejadas, porque já vimos que a espontaneidade, como o movimento de 2011 mostrou, tem seus limites. Também acho que as organizações políticas devem ser envolvidas porque, também aqui, é importante falar sobre a Grécia. É muito marcante – muitas pessoas que se tornaram ministros no governo de Tsipras e o próprio Tsipras, eu os conheci no Fórum Social Europeu, primeiro no contra-G7 em Gênova em 2001, depois no Fórum Social em Florença e a última vez que os vi foi em 2006 no antigo aeroporto Hellinikon de Atenas, em maio de 2006. Foi lá que vi pessoas que mais tarde se tornaram ministros ou executivos da Syriza e depois cortaram completamente os laços ou até traíram o movimento social e as classes trabalhadoras. E assim para mim uma das lições é que, se reconstruirmos uma iniciativa, os movimentos políticos devem estar nela. Eles têm que estar lá para serem pressionados, chamados à responsabilidade pela mobilização social.
É claro que não vamos impedir traições, adaptações, por parte de toda uma série de pessoas, mas devemos exigir muito mais prestação de conta. Porque se fizermos um balanço do desastre do Fórum Social Europeu, o que deu errado? Foi quando o Fórum Social Italiano apoiou um governo que era o governo Prodi, porque os amigos do Fórum Social Italiano apoiavam a Refundação Comunista (e eu tinha amigos que estavam na Refundação Comunista), que apoiava o governo Prodi. E o desastre do Fórum Social no Brasil foi quando a CUT e o movimento dos sem-terra apoiaram o governo Lula, que seguia uma política social liberal, e quando os movimentos indianos, que eram muito fortes e tinham conseguido realizar um fórum social na Índia com 120.000 pessoas em Mumbai, apoiaram o governo do Partido do Congresso na Índia. Em outras palavras, tivemos uma série de movimentos sociais antiglobalização que entraram na cola de governos que perseguiam políticas sócio-liberais. Temos que aprender com isso. Portanto, não há apenas a traição do Tsipras em 2015. A traição do Tsipras em 2015 está em sintonia com o desastre da Refundação Comunista dos anos 2004-2005, se minha memória não me falha, na Itália. Há uma continuidade e, portanto, temos que contribuir com este tipo de discussão para reconstruir o fio da memória do que aconteceu nos últimos 20 anos para evitar a repetição dos mesmos erros.
Alexis Cukier: Proponho que paremos com este apelo à reflexão crítica e à ação internacionalista. Estamos conversando há pouco mais de uma hora.
Muito obrigado, Eric.
Obrigado a todos vocês, e a discussão continua em muitos outros ambientes.
Éric Toussaint: Com certeza.
Tradução: Alain Geffrouais
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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