Relatório sobre a Europa para a Assembleia Mundial da Rede CADTM realizada em Dacar, de 13 a 16 de novembro de 2021

18 de Novembro de 2021 por CADTM Europe


Síntese feita a partir das respostas recebidas de 10 países: Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Itália, Montenegro, Sérvia, Portugal.



 1. Qual é a situação política, económica e social?

A situação, que já era globalmente má, piorou durante o período covid-19:

 2. Haverá uma crise da dívida no horizonte?

Todos os países registaram um considerável aumento da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. , mas nem todos sofrem as mesmas consequências. Esquematicamente, podemos classificá-los da seguinte maneira:

Em toda a parte se regista um grande aumento da dívida pública:

  • Países das economias dominantes (Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Áustria): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade. No entanto, a curto prazo não se prevê uma crise da dívida pública. Os países considerados financeira e politicamente sólidos continuarão a ser sustentados pelos mercados financeiros e pelas instituições da UE.
  • Países da periferia (Espanha, Itália, Portugal): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade. Muito debilitados e nunca verdadeiramente refeitos da crise financeira de 2008 e das intervenções do FMI (Espanha, Portugal, Grécia, Chipre, Irlanda), estes países dispõem de menor margem de manobra para relançarem as suas economias e têm bancos falidos ou à beira da falência.
  • Países da ex-Jugoslávia integrados na UE (Croácia, Eslovénia): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade.
  • Países da ex-Jugoslávia fora da UE (Bósnia, Montenegro, Sérvia): são países em desenvolvimento (PED) com grande aumento da dívida. Estão entre os países mais frágeis do continente europeu e continuam em reconstrução. Por estarem fora da UE, não se encontram sujeitos aos mesmos enquadramentos/possibilidades de financiamento. A corrupção e o clientelismo sorvem uma percentagem considerável dos financiamentos. São países muito vigiados pelo FMI, muito dependentes dos credores externos, nomeadamente da China. No Montenegro existe o caso da «auto-estrada» financiada pela China, que provocou uma dívida abissal, projecto ainda não terminado, e a entrega ao privado de uma parte do património público.

 3. Quais são as principais lutas em curso? Há vitórias? Derrotas importantes?

De maneira geral, os movimentos de protesto encontram-se bastante paralisados pelas diversas medidas restritivas, ditas «sanitárias». Observam-se no entanto alguns movimentos pela justiça climática – por exemplo a mobilização em Glasgow em novembro de 2021, com quase 100.000 manifestantes por ocasião da COP26 – e pela justiça social (sob todas as formas), assim como pela defesa do direito ao trabalho, mas não são movimentos massivos e radicais, nem têm força para derrubar governos. Recordemos que na Europa ocidental houve em 2020 importantes mobilizações Black Lives Matter e pela descolonização. Há também a registar na Polónia grandes manifestações de mulheres contra a lei anti-aborto.

No conjunto nota-se um claro declínio da confiança dos/as cidadãos em relação aos partidos e sindicatos, em benefício de movimentos mais «cívicos», mais autogeridos. Observa-se sem dúvida uma mudança a esse respeito nos últimos 5-10 anos, sem que isso se traduza até à data em verdadeiras vitórias.

 4. Existem lutas contra a dívida ilegítima (pública ou privada)?

Globalmente não encontramos contestação de monta à dívida pública nos países da UE, ao seu pagamento e menos ainda uma verdadeira luta para obrigar ao reconhecimento das dívidas públicas ilegítimas. Mas, via ONG, vários países trabalham sobre a anulação da dívida (e das dívidas ilegítimas) nos países do Sul.

Em contrapartida, existe contestação e organização mais apreciável no que diz respeito às dívidas privadas ilegítimas resultantes dos problemas de habitação, saúde, fundos abutre, educação, etc.

Do lado positivo, à parte o carácter transversal da dívida na crise actual, o problema da dívida parece ser cada vez mais levado em conta pelos movimentos cidadãos, incluindo os jovens que se mobilizam à volta do tema da crise ecológica.

 5. Quais são as principais iniciativas desenvolvidas pelas organizações membros da rede CADTM?

  • Trabalhos / interpelações políticas para a anulação das dívidas dos países do Sul e luta contra os credores privados, nomeadamente com vista a fazer aprovar uma lei (Bélgica/França).
  • Estudos sobre a dívida (Itália).
  • Insistência na problemática da dívida pública nos meios altermundialistas e políticos.

 6. Existem iniciativas continentais ou que envolvam várias organizações de uma mesma região?

 7. A situação da dívida na UE

No que diz respeito à dívida dos países dentro da UE:

A partir de março de 2020, perante a crise multidimensional que afecta fortemente os países europeus, os governos, a Comissão Europeia e o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). Europeu adoptaram a política do «custe o que custar», para retomar uma expressão usada pelo presidente francês Macron. As regras estritas contra o défice orçamental foram abandonadas provisoriamente e os governos recorreram massivamente a empréstimos públicos, o que provocou um aumento de cerca de 15 a 20 % da dívida na maioria dos estados.

Algumas correntes de esquerda aplaudiram. Os governos com participação socialista, como em Espanha e Portugal, congratularam-se com a possibilidade de recorrerem a novos fundos europeus, seja sob a forma de empréstimos, seja sob a forma de subsídios a fundo perdido. Mas a realidade é muito diferente: a parte dos donativos é limitada e condicionada à aplicação de novas medidas neoliberais estruturais. O CADTM denuncia as ilusões criadas pelas medidas financeiras adoptadas no âmbito da UE (20191). O CADTM Europa tinha proposto outra orientação desde abril de 2020: «Não Pagaremos asCrisesDeles!».

Quanto às políticas da UE em matéria de dívida externa:

No contexto da crise sanitária, a Europa juntou-se ao apelo do FMI e do Clube de Paris para a suspensão temporária do serviço da dívida nos países mais endividados, por um período inicial de 6 meses, posteriormente alargado a um ano. Isto é insuficiente por diversas razões:

  • No final desse período, o serviço da dívida continuará a ter de ser pago, o que significa que esta medida não passa de um paliativo temporário que não resolve qualquer problema estrutural.
  • Uma grande parte das despesas efectuadas durante a pandemia foram despesas excepcionais que desgastaram os recursos públicos, para fazer face à crise sanitária.
  • A crise de acesso às vacinas e a recusa de libertar as patentes agravaram as desigualdades Norte/Sul, nomeadamente em termos de assimetrias comerciais. As políticas da UE favorecem o endividamento futuro dos países do Sul, porque não encorajam a capacidade produtiva desses países, nem a suspensão das patentes (pelo contrário, opõem-se à suspensão das patentes proposta por 105 países do Sul Global) e mantêm a sua política agressiva em matéria de comércio externo.

Tradução: Rui Viana Pereira

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