1. Qual é a situação política, económica e social?
A situação, que já era globalmente má, piorou durante o período covid-19:
- No plano político, encontramos vários tipos de governo: sociais-democratas (Croácia, Escandinávia, Espanha, Portugal), governos de extrema-direita (Sérvia), passando por governos que se apresentam como sendo de centro-direita, como em França, ou governos de coligação, como na Alemanha até às eleições de setembro de 2021, a Bélgica e a Itália, … Regra geral, a ideologia de direita leva a melhor nos meios de comunicação e nos governos. Nenhum governo adopta uma política social propriamente dita. Todos seguem uma lógica neoliberal, em maior ou menor grau. Grosso modo temos governos compostos por tecnocratas, completamente obedientes à ideologia neoliberal, quando não nacionalista (nomeadamente: Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Hungria, Polónia). Grandes problemas de corrupção (mais ainda que o costume, diríamos nós) na Sérvia e no Montenegro.
- No plano económico as situações variam consoante se trata de países da periferia – como os países da ex-Jugoslávia, Roménia, Bulgária e outros que fazem parte da Zona Euro
Zona euro
Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia.
(Croácia, Grécia, Espanha, Portugal, …) – ou de economias dominantes – Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Áustria – ou em situação intermédia, como a Itália. No entanto verifica-se uma tendência para o agravamento das dificuldades, por causa da pandemia de covid, que afectou com severidade as economias e agravou a crise económica que tinha começado antes da pandemia.
- Por consequência, no plano social, a situação não é favorável ao povo; a maioria da população foi profundamente afectada pela perda de empregos (ou ausência de emprego), perdas de rendimento, precarização dos contratos, ataques governamentais contra os direitos dos trabalhadores/as e os direitos sociais em geral.
2. Haverá uma crise da dívida no horizonte?
Todos os países registaram um considerável aumento da dívida pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
, mas nem todos sofrem as mesmas consequências. Esquematicamente, podemos classificá-los da seguinte maneira:
Em toda a parte se regista um grande aumento da dívida pública:
- Países das economias dominantes (Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Áustria): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade. No entanto, a curto prazo não se prevê uma crise da dívida pública. Os países considerados financeira e politicamente sólidos continuarão a ser sustentados pelos mercados financeiros e pelas instituições da UE.
- Países da periferia (Espanha, Itália, Portugal): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade. Muito debilitados e nunca verdadeiramente refeitos da crise financeira de 2008 e das intervenções do FMI (Espanha, Portugal, Grécia, Chipre, Irlanda), estes países dispõem de menor margem de manobra para relançarem as suas economias e têm bancos falidos ou à beira da falência.
- Países da ex-Jugoslávia integrados na UE (Croácia, Eslovénia): grande aumento da dívida. Os planos de recuperação europeus e nacionais traduzem-se em novas políticas de austeridade.
- Países da ex-Jugoslávia fora da UE (Bósnia, Montenegro, Sérvia): são países em desenvolvimento (PED) com grande aumento da dívida. Estão entre os países mais frágeis do continente europeu e continuam em reconstrução. Por estarem fora da UE, não se encontram sujeitos aos mesmos enquadramentos/possibilidades de financiamento. A corrupção e o clientelismo sorvem uma percentagem considerável dos financiamentos. São países muito vigiados pelo FMI, muito dependentes dos credores externos, nomeadamente da China. No Montenegro existe o caso da «auto-estrada» financiada pela China, que provocou uma dívida abissal, projecto ainda não terminado, e a entrega ao privado de uma parte do património público.
3. Quais são as principais lutas em curso? Há vitórias? Derrotas importantes?
De maneira geral, os movimentos de protesto encontram-se bastante paralisados pelas diversas medidas restritivas, ditas «sanitárias». Observam-se no entanto alguns movimentos pela justiça climática – por exemplo a mobilização em Glasgow em novembro de 2021, com quase 100.000 manifestantes por ocasião da COP26 – e pela justiça social (sob todas as formas), assim como pela defesa do direito ao trabalho, mas não são movimentos massivos e radicais, nem têm força para derrubar governos. Recordemos que na Europa ocidental houve em 2020 importantes mobilizações Black Lives Matter e pela descolonização. Há também a registar na Polónia grandes manifestações de mulheres contra a lei anti-aborto.
No conjunto nota-se um claro declínio da confiança dos/as cidadãos em relação aos partidos e sindicatos, em benefício de movimentos mais «cívicos», mais autogeridos. Observa-se sem dúvida uma mudança a esse respeito nos últimos 5-10 anos, sem que isso se traduza até à data em verdadeiras vitórias.
4. Existem lutas contra a dívida ilegítima (pública ou privada)?
Globalmente não encontramos contestação de monta à dívida pública nos países da UE, ao seu pagamento e menos ainda uma verdadeira luta para obrigar ao reconhecimento das dívidas públicas ilegítimas. Mas, via ONG, vários países trabalham sobre a anulação da dívida (e das dívidas ilegítimas) nos países do Sul.
Em contrapartida, existe contestação e organização mais apreciável no que diz respeito às dívidas privadas ilegítimas resultantes dos problemas de habitação, saúde, fundos abutre, educação, etc.
Do lado positivo, à parte o carácter transversal da dívida na crise actual, o problema da dívida parece ser cada vez mais levado em conta pelos movimentos cidadãos, incluindo os jovens que se mobilizam à volta do tema da crise ecológica.
5. Quais são as principais iniciativas desenvolvidas pelas organizações membros da rede CADTM?
- Trabalhos / interpelações políticas para a anulação das dívidas dos países do Sul e luta contra os credores privados, nomeadamente com vista a fazer aprovar uma lei (Bélgica/França).
- Estudos sobre a dívida (Itália).
- Insistência na problemática da dívida pública nos meios altermundialistas e políticos.
6. Existem iniciativas continentais ou que envolvam várias organizações de uma mesma região?
- Projecto ReCommons Europe, https://www.cadtm.org/ReCommons-Europe-L-impact-sur-le-Sud-des-politiques-europeennes-et-les
- Mobilizações pela justiça climática.
- Iniciativas para a suspensão das patentes sobre vacinas (+ medicamentos e tratamentos) e contra a Big Pharma – ver «Mais de 350 Personalidades de Todo o Mundo Apoiam o Manifesto “Fim do Sistema de Patentes Privadas”» e 20334.
- Iniciativas à escala europeia pela defesa dos direitos dos/as refugiados e dos/as migrantes.
- Itália: o CADTM juntou-se à Société du Care
Care
Le concept de « care work » (travail de soin) fait référence à un ensemble de pratiques matérielles et psychologiques destinées à apporter une réponse concrète aux besoins des autres et d’une communauté (dont des écosystèmes). On préfère le concept de care à celui de travail « domestique » ou de « reproduction » car il intègre les dimensions émotionnelles et psychologiques (charge mentale, affection, soutien), et il ne se limite pas aux aspects « privés » et gratuit en englobant également les activités rémunérées nécessaires à la reproduction de la vie humaine.
, que reúne associações dedicadas às questões ambientais, sociais, pacifistas e feministas, partilha agendas de luta e organiza espaços de confronto e mobilização.
- Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Sérvia e Albânia: luta em curso pelos rios dos Balcãs, contra a construção anunciada de minicentrais hidroeléctricas em toda a região balcânica.
7. A situação da dívida na UE
No que diz respeito à dívida dos países dentro da UE:
A partir de março de 2020, perante a crise multidimensional que afecta fortemente os países europeus, os governos, a Comissão Europeia e o Banco Central
Banco central
Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE).
Europeu adoptaram a política do «custe o que custar», para retomar uma expressão usada pelo presidente francês Macron. As regras estritas contra o défice orçamental foram abandonadas provisoriamente e os governos recorreram massivamente a empréstimos públicos, o que provocou um aumento de cerca de 15 a 20 % da dívida na maioria dos estados.
Algumas correntes de esquerda aplaudiram. Os governos com participação socialista, como em Espanha e Portugal, congratularam-se com a possibilidade de recorrerem a novos fundos europeus, seja sob a forma de empréstimos, seja sob a forma de subsídios a fundo perdido. Mas a realidade é muito diferente: a parte dos donativos é limitada e condicionada à aplicação de novas medidas neoliberais estruturais. O CADTM denuncia as ilusões criadas pelas medidas financeiras adoptadas no âmbito da UE (20191). O CADTM Europa tinha proposto outra orientação desde abril de 2020: «Não Pagaremos asCrisesDeles!».
Quanto às políticas da UE em matéria de dívida externa:
No contexto da crise sanitária, a Europa juntou-se ao apelo do FMI e do Clube de Paris para a suspensão temporária do serviço da dívida nos países mais endividados, por um período inicial de 6 meses, posteriormente alargado a um ano. Isto é insuficiente por diversas razões:
- No final desse período, o serviço da dívida continuará a ter de ser pago, o que significa que esta medida não passa de um paliativo temporário que não resolve qualquer problema estrutural.
- Uma grande parte das despesas efectuadas durante a pandemia foram despesas excepcionais que desgastaram os recursos públicos, para fazer face à crise sanitária.
- A crise de acesso às vacinas e a recusa de libertar as patentes agravaram as desigualdades Norte/Sul, nomeadamente em termos de assimetrias comerciais. As políticas da UE favorecem o endividamento futuro dos países do Sul, porque não encorajam a capacidade produtiva desses países, nem a suspensão das patentes (pelo contrário, opõem-se à suspensão das patentes proposta por 105 países do Sul Global) e mantêm a sua política agressiva em matéria de comércio externo.