14 de Novembro de 2021 por Eric Toussaint
Publicamos aqui a versão escrita do relatório apresentado por Éric Toussaint na Assembleia Mundial da Rede CADTM realizada em Dacar a 13-16 de novembro de 2021.
Antes da pandemia do coronavírus, os factores de uma nova crise financeira internacional já existiam e o crescimento económico tinha enfraquecido drasticamente a nível internacional
A pandemia levou ao confinamento em muitos países industrializados, provocando rupturas nas cadeias de produção e distribuição e uma queda brutal na produção
O pretexto do reembolso vai servir mais uma vez para justificar novos ataques anti-sociais
A pandemia é uma manifestação da evolução do sistema capitalista globalizado e mundializado.
A mercantilização e açambarcamento de terras, os atentados sistemáticos contra a Natureza e os bens comuns por parte do sistema capitalista causaram a multiplicação de doenças virais provocadas pela transmissão de vírus do mundo animal selvagem para a espécie humana. Quarenta anos de degradação dos serviços públicos de saúde, perpetrada pelas políticas neoliberais, criaram uma situação que dificulta o combate a este tipo de pandemia.
Quarenta anos de degradação dos serviços públicos de saúde, perpetrada pelas políticas neoliberais, criaram uma situação que dificulta o combate a este tipo de pandemia
O vírus tanto afecta ricos como pobres, mas os pobres morrem em maiores quantidades que os ricos, por razões que têm a ver com as condições de vida que lhes são impostas pelo sistema capitalista. Até à data já se contabilizaram mais de 5.100.000 falecimentos provocados pelo coronavírus (número comunicado a 14/11/2021 por https://www.worldometers.info/coronavirus/). Segundo algumas fontes, o número real poderia chegar aos 10 milhões.
Em agosto/2021, menos de 2 % dos 1300 milhões de Africanos estavam inteiramente vacinados, contra mais de 60 % das populações da Europa Ocidental e da América do Norte. Por alturas de junho/2021, um quarto dos 2300 milhões de doses administradas em todo o mundo situavam-se nos países do G7, que abrigam apenas 10 % da população mundial. Segundo os dados recolhidos por um grupo de investigadores da Universidade de Oxford, em setembro de 2021, apenas 2,1 % da população dos países de baixos rendimentos receberam uma dose de vacina contra o covid [1]. Cerca de 700 milhões de pessoas vivem em países de baixo rendimento.
Em agosto/2021, menos de 2 % dos 1300 milhões de Africanos estavam inteiramente vacinados, contra mais de 60 % das populações da Europa Ocidental e da América do Norte
O CADTM pronunciou-se por:
Efeitos sobre as populações
Aumento do número de acontecimentos meteorológicos extremos donde resultam: falecidos, feridos, doenças, destruição de infraestruturas, em particular nas comunidades já de si empobrecidas e marginalizadas.
Uma das consequências, entre muitos outros factores (ver mais adiante), é aumento do número de refugiados/as climáticos (internos e transfronteiriços).
Crescimento da frequência e da propagação de incêndios – resultado da combinação das mudanças climáticas e do abandono das práticas de gestão tradicionais, da expansão urbana, da monocultura e da criação de gado em detrimento das florestas e das charnecas.
Slinização / desertificação / inundações resultantes da mudança climática, combinados com a monocultura (provocando erosão), a agricultura industrial com consequências particularmente graves para as comunidades rurais e piscatórias.
Aumento da poluição atmosférica, particularmente nas cidades – combinação das mudanças climáticas em si mesmas, dos incêndios, dos transportes (em particular a diesel) e da expansão industrial. Numa série de megapólis, em particular nos países ditos em desenvolvimento, aumento da poluição do ar (grandes cidades chinesas, indianas, africanas), acompanhada de aumento da mortalidade devida à poluição.
Expropriação dos territórios dos povos autóctones.
Em numerosos lugares do planeta assistimos a mobilizações crescentes sobre a problemática do clima, do ambiente e dos bens comunitários
Poluição dos oceanos, inundações e expansão do turismo com impacte sobre as comunidades piscatórias.
Transferência dos lixos mais tóxicos, armazenados e gerados algures, sem protecção para diminuir os custos; transferência dos poluentes e das emissões de gases com efeito de estufa, recorrendo à transferência da produção.
Uma evolução positiva: a numerosos lugares do planeta assistimos a mobilizações crescentes sobre a problemática do clima, do ambiente e dos bens comunais.
O CADTM apoia o apelo internacional pela justiça climática, que declara nomeadamente:
«As reparações climáticas implicam que aqueles que têm maiores responsabilidades na crise climática devem pagar uma compensação aos povos das regiões mais afectadas pelos danos e perdas de meios de subsistência, de infraestruturas e de vidas das comunidades, causados pelos impactos da mmudança climática (…) o que começa pela anulação da dívida. É estritamente o mínimo que os países do Norte devem fazer, a fim de pagarem a sua dívida pelos danos e traumatismos provocados nos países do Sul.» [2]
Quem tem maiores responsabilidades na crise climática deve pagar uma compensação aos povos das regiões mais afectadas. A começar pela anulação da dívida
Assistimos à escala mundial ao reforço das formas autoritárias de governo, sem que, até agora, esta tendência tenha tomado a forma de ditaduras militares, com excepção da Birmânia em 2020 e do Sudão em 2021. As liberdades democráticas fundamentais foram reduzidas, até por via legal, os meios das forças de repressão aumentaram consideravelmente, o que permite uma intrusão acentuada na cida das pessoas e das organizações. O recurso à prisão preventiva está a tornar-se comum, mesmo nas «velhas» democracias burguesas.
O poder legislativo reduziu-se em numerosos países, em benefício do poder executivo.
Por todo o mundo a ofensiva capitalista contra os trabalhadores/as prossegue e agrava-se. As mulheres são as mais afectadas, bem como as pessoas de cor, os autóctones, os migrantes e os jovens trabalhadores. Em todas as categorias que acabamos de mencionar a ofensiva resulta em parte da posição dessas categorias no mercado de trabalho, por exemplo nos empregos historicamente mais mal pagos. As mulheres das classes baixas e os trabalhadores deficientes sofrem ainda mais que as outras categorias a ofensiva contra os serviços públicos. As mulheres, que mesmo em períodos de prosperidade sempre tiveram maiores responsabilidades em cuidar das crianças, dos doentes e dos idosos, são particularmente afectadas pelo encerramento dos serviços públicos – donde resulta frequentemente terem de sujeitar-se a empregos ainda mais precários ou renunciarem à sua vida profissional. As pessoas com deficiência que dependiam da disponibilidade de certos serviços para trabalharem ou viverem de maneira independente sofrem o mesmo impacto.
As mulheres das classes populares e os trabalhadores portadores de deficiência sofrem ainda mais que as outras categorias a ofensiva contra os serviços públicos
Dito isto, acrescente-se que à parte uma categoria minoritária onde se incluem os salários muito elevados – o que faz deles aliados da classe capitalista –, todas as categorias de assalariados/as estão na mira da ofensiva do Capital, incluindo os sectores que historicamente tinham conseguido acumular importantes direitos, seja no sector da indústria, nos serviços públicos, no sector financeiro (banca e seguros) e no sector comercial. Exemplos:
Resumo da ofensiva patriarcal:
Estado do movimento contra as dívidas ilegítimas:
O CADTM ganhou credibilidade e implantação à escala mundial
Os movimentos contra as dívidas ilegítimas reclamadas às classes populares ganharam corpo numa série de países do Norte e do Sul
O movimento pela justiça climática é o que teve maior desenvolvimento nos últimos 10 anos, o que se justifica pela amplitude da crise ecológica à escala mundial. Há uma diferença encorajante entre os movimentos de luta contra as dívidas ilegítimas e o movimento pela justiça climática. Neste, a jovem geração desempenha um papel mais importante e tem uma visão mais radical. Isto resulta da tomada de consciência da urgência de soluções que têm de ser avançadas, da incapacidade ou recusa dos governos em tomarem decisões acertadas e da ligação evidente entre a crise ecológica e o sistema capitalista em si mesmo.
O movimento feminista, nos últimos 10 anos, passou por uma grande renovação e recuperou actividade, o que é muito encorajador.
O movimento anti-racista e descolonizador também foi alargado nos últimos 10 anos, com uma etapa importante aquando do movimento Black Lives Matter em 2020, que se exprimiu na América do Norte e na Europa Ocidental.
No movimento pela justiça climática, a jovem geração desempenha um papel muito importante e tem uma visão mais radical
Na fase actual de ofensiva do Capital contra o Trabalho, o endividamento opera muito mais que há 50 anos como mecanismo de expropriação, opressão e submissão.
No que diz respeito às dívidas públicas, para intervir na luta política na maior parte dos países, é preciso atacar a questão da dívida pública.
Não era possível adoptar uma estratégia correcta na Grécia a partir de 2010, e em particular em 2015, sem defrontar o problema da dívida. Idem hoje em dia na Venezuela, na Argentina e no México. A mesma coisa na África e na Ásia do Sul
Tradução de Rui Viana Pereira
[1] Our World in Data, Coronavirus (Covid-19) Vaccinations - Statistics and Research - https://ourworldindata.org/covid-vaccinations. Segundo os dados coligidos pela equipa da Universidade de Oxford que mantém este site, eis alguns exemplos de países onde a vacinação era inferior a 2 % em setembro/2021: 1,6 % da população na Zâmbia, 1,6 % no Niger, 1,5 % na Somália, 1,5 % no Mali, 1,4 % no Sudão, 1,4 % nos Camarões, 1 % no Iémene, 0,69 % em Madagáscar, 0,58 % no Chade, 0,57 % na Tanzânia, 0,11 % na República Democrática do Congo.
[2] On September 24, we will strike to demand for intersectional climate justice! #Uproot The System 20197 Voir également le site : https://fridaysforfuture.org/
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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