31 de Julho de 2020 por CADTM
Os termos usados para designar as diversas categorias de países reflectem divergências teóricas e políticas em matéria de análise e estratégia. Tais divergências dizem geralmente respeito aos conteúdos sociais dos conceitos económicos: as categorias económicas são frequentemente apresentadas como reflexo de leis naturais, nas quais as relações sociais e as relações de poder pouco têm a dizer. Assim, o conceito dominante de subdesenvolvimento designa um simples atraso, por vezes imputado a causas naturais. Passemos em revista alguns desses termos:
«Em 1951, numa revista brasileira, falei de três mundos, sem no entanto empregar a expressão “Terceiro Mundo”. Criei e empreguei esta expressão pela primeira vez, por escrito, no semanário francês l’Observateur, a 14 de agosto de 1952. O artigo terminava assim: “porque afinal esse Terceiro Mundo ignorado, explorado, tão desprezado como o terceiro estado, quer também ele ser algo”. Transpus assim a famosa frase de Sieyes sobre o Terceiro Estado durante a Revolução Francesa» Alfred Sauvy, demógrafo e economista |
Para o CADTM, a distinção Norte/Sul, Países desenvolvidos/Países em desenvolvimento envolve igualmente a dominação de instituições financeiras internacionais (IFI) como o Banco Mundial, o FMI e outros angariadores de fundos que impõem políticas imperialistas e neocoloniais segundo as conveniências das grandes potências do Norte. |
Apesar das lacunas de todos estes termos, usamos os seguintes termos como sinónimos: países do Sul, Periferia, países empobrecidos, países em desenvolvimento (PED), Terceiro Mundo.
Estes termos são geralmente usados em oposição a: países do Norte, Norte, Centro, considerados como sinónimos entre si. Dentro deste grupo dominam os principais países industrializados, ou países imperialistas.
Com muitas reticências e por limitações ligadas aos dados estatísticos, vemo-nos obrigados a usar as categorias estabelecidas pelo Banco Mundial. Com efeito, não temos recursos suficientes para estabelecermos à escala mundial a nossa própria base de dados estatísticos, assente em critérios mais pertinentes que os usados pelo Banco Mundial para categorizar os países.
Em 2020, os «países em desenvolvimento» reuniam, segundo o Banco Mundial, três categorias de países, [2] consoante os seus rendimentos:
Segundo esta classificação, encontram-se entre os países em desenvolvimento economias tão diversas como a Tailândia e o Haiti, o Brasil e o Níger, a Rússia e o Bangladexe. O Banco Mundial inclui a China entre os 60 «países com rendimentos médio-superiores». Nós classificamos a China à parte, atendendo ao seu forte peso económico e à enorme escala da sua população. Segundo o nosso recenseamento, havia 137 países do Sul em 2020 (segundo o Banco Mundial, seriam 138).
Em termos simplificados, o Sul agrupa a América Latina, as Caraíbas, o Médio Oriente [equivalente, no português clássico, ao Próximo Oriente], o Norte de África, a África Subsariana, o Sul da Ásia, o Sudeste da Ásia e do Pacífico, a Ásia Central, a Turquia, os países da Europa Central e de Leste não membros da UE, assim como a Bulgária e a Roménia, que são membros da UE.
Quando empregamos o termo Norte, referimo-nos ao grupo de países identificados pelo Banco Mundial como tendo um elevado nível de rendimentos, o que inclui 80 países cujo PIB/habitante é superior a 12 375 $US anuais (ver a lista completa de países do Sul e do Norte mais abaixo).
Assim, o Norte agrupa os países pertencentes à Europa Ocidental, aos Estados da Europa Central e de Leste membros da UE (com excepção da Bulgária e da Roménia), os Estados Unidos da América, o Canadá, o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia e uns 40 países situados em diversas latitudes. Nem todos estes países são «industrializados», no sentido de a sua economia ser composta por um importante sector industrial de manufacturas. De facto, alguns destes países são pouco ou nada industrializados, mas os organismos internacionais consideram que eles alcançaram um nível elevado de rendimentos, seja por terem conseguido atrair avultados capitais estrangeiros, nomeadamente por serem paraísos fiscais (caso do Panamá, Seicheles, Baamas, ilhas Caimão), seja por obterem elevados rendimentos graças à extracção de petróleo (caso dos estados árabes do Golfo Pérsico ou do sultanado de Brunei no Sudeste da Ásia).
Numa população mundial calculada em cerca de 7,8 mil milhões de pessoas em 2020, os países do Sul abrigam cerca de 66 %, a China cerca de 18 % e os países do Norte cerca de 16 % [3].
Distribuição da população mundial em 2020
O produto interno bruto (PIB) é o indicador clássico usado por muitos economistas para avaliar a produção de riqueza no mundo. No entanto ele apenas nos dá uma visão incompleta, tendenciosa e contestável, pelo menos por cinco razões:
Apesar destas lacunas, o PIB revela os desequilíbrios económicos entre Norte e Sul. O PIB, assim como outros indicadores económicos a que recorremos, são expressos em dólares americanos ($US) – salvo indicação em contrário –, uma vez que hoje em dia cerca de 60 % [4] das reservas cambiais, 88 % [5] das trocas internacionais e a maioria dos empréstimos são cotados nessa moeda.
A acumulação de riquezas encontra-se na sua maior parte concentrada no Norte, em proporção quase inversa à distribuição da população. Embora a parte do Norte na acumulação de riquezas possa ter diminuído nos últimos anos, é preciso notar que isso não se deve a uma maior acumulação nos países do Sul, mas sim ao grande crescimento económico da China.
Regiões | Distribuição do PIB mundial | ||
---|---|---|---|
Em 2010 | Em 2018 | Em 2020 | |
PIB mundial | 66.108,9 mil milhões $US | 85.968,7 mil milhões $US | 84.456,2 mil milhões $US |
Países do Norte (Países com elevado rendimento) |
68,8 % | 63,5 % | 63,3 % |
China | 9,2 % | 16,2 % | 17,4 % |
Países do Sul | 22 % | 20,4 % | 19,3 % |
Dos quais, países com rendimento intermédio superior (p.ex. China) |
13,2 % | 11,3 % | 10 % |
Dos quais, países com rendimento intermédio inferior |
7,9 % | 8,5 % | 8,7 % |
Dos quais, países com baixo rendimento |
0,9 % | 0,5 % | 0,5 % |
Fonte: Banco Mundial [6] (os totais e subtotais podem não bater certo, devido ao arredondamento dos números) |
Os números do PIB por habitante revelam o fosso económico que separa Norte e Sul.
Região | PIB por habitante (em $US) | ||
---|---|---|---|
Em 2010 | Em 2018 | Em 2020 | |
Mundo | 9.605,6 | 11.347,3 | 10.918,7 |
Norte (países de elevado rendimento) |
39.412 | 45.240,6 | 44.003,4 |
China | 4.550,5 | 9.905,3 | 10.434,8 |
Sul | 3.590,2 | 4.933,1 | 4.754,8 |
Dos quais, países com rendimento intermédio superior (incluindo a China) |
6.324,5 | 9.468,9 | 9.177,8 |
Dos quais, países com rendimento intermédio inferior |
1.806,5 | 2.267,6 | 2.217,2 |
Dos quais, países com baixo rendimento |
1.125,4 | 674,4 | 691,2 |
Fonte: Banco Mundial [7] |
Distribuição geográfica dos emissores de CO2e [8] Sabe-se que os principais emissores de gases com efeito de estufa (GEE) são actualmente os países do Norte e a China, o Brasil e a Índia. Não raro, ouvimos muitos responsáveis políticos e chefes de grandes empresas de países do Norte afirmarem que a China é o principal emissor de GEE actualmente e por isso devia devia ser o país a fazer maiores esforços para diminuir as emissões e lutar contra as alterações climáticas. Este discurso visa na realidade desresponsabilizar-se, abstraindo-se da responsabilidade histórica dos países do Norte nas emissões de GEE desde o início da Revolução Industrial no século 19 (os GEE têm uma duração de vida de várias décadas na atmosfera e os seus efeitos concretos na mudança climática podem ocorrer 40 anos após a sua emissão). Essas afirmações silenciam igualmente o papel da China na divisão internacional do trabalho: as elevadas emissões de GEE vindas da China são a consequência do fabrico de bens manufacturados vendidos em todo o mundo – nomeadamente no Norte, onde o poder de compra das famílias é maior – por multinacionais sediadas nos países do Norte. Uma análise mais aprofundada das emissões de CO2e, levando em conta as «emissões importadas» [9], cava ainda mais o fosso que separa os países do Norte dos países do Sul. ![]() Na mesma linha, a rede Global Footprint desenvolveu um indicador que conjuga um indicador de desenvolvimento humano (IDH) e a pegada ecológica dos países. tendo em conta estas duas variáveis, a análise do «desenvolvimento» assume um aspecto totalmente diferente: em 2015, nenhum país em todo o mundo reunia simultaneamente um IDH muito elevado e uma pegada ecológica sustentável. Por outro lado, os países sem mácula eram principalmente os da América do Sul, tendo à cabeça Cuba. [10] Portanto, os países do Norte conseguiram desenvolver as suas economias e atingir níveis de vida relativamente elevados graças a enormes emissões de GEE. Na necessária luta contra o aquecimento climático, a redução de emissões de CO2 dos estados do Norte devia ser proporcionalmente muito maior que a dos estados do Sul, de modo que o esquema de emissões permitidas com vista a uma redução drástica mundial possa servir, além da transição para um sistema energético global 100 % renovável, a melhoria dos níveis de vida nos países do Sul. É fundamental pôr em causa a responsabilidade das grandes empresas capitalistas nos últimos dois séculos. De facto, as grandes empresas originárias do século 19 ou do início do século 20, como a Coca-Cola (fundada em 1886), Pepsi-Cola (1898), Unilever (1930), Monsanto (1901), Cargill (1865) no sector agroalimentar, BP (1909), Shell (1907), ExxonMobil (1870), Chevron (1879), Total (1924) no sector petrolífero, ThyssenKrupp (1811), ArcelorMittal (resultante da fusão de diversos grupos nascidos na primeira metade do século 20) no sector metalúrgico, Volkswagen (1937), General Motors (1908), Ford (1903), Renault-Nissan-Mitsubishi (agrupamento de três empresas criadas entre 1870 e 1932) no sector automóvel, Rio Tinto (1873), BHP Billiton (1895) no sector mineiro, têm enormes responsabilidades nas emissões de GEE. Se calculássemos a quantidade de GEE que as suas actividades geraram desde o seu aparecimento, descobriríamos que representa uma proporção enorme do que foi acumulado na atmosfera como verdadeira bomba de relógio que acabou por explodir. Mais recentemente, é preciso incluir, na lista incompleta mencionada acima, o impacto nefasto sobre o ambiente das GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft). Por fim, há que juntar mais recentemente uma série de empresas privadas ou, nalguns casos, públicas, originárias dos países capitalistas ditos emergentes, que também têm consequências nefastas no ambiente: Gasprom, Rosneft na Rússia, Sinopec, Petrochina na China, Petrobras e Vale do Rio Doce no Brasil, Coal India e Tata na Índia, etc. Fundamentalmente, tanto no Norte como no Sul, o modo de produção capitalista é responsável pela destruição do planeta. Em vez de falarmos de antropoceno, responsabilizando a humanidade inteira pela crise ecológica, conviria utilizar o termo capitaloceno, pois é o modo de produção capitalista que está em causa. |
No entanto, este panorama da situação económica mundial é muito incompleto, pois ignora as grandes desigualdades de rendimento e de acumulação de riquezas dentro de cada categoria de países. O capitalismo alastrou a todo o globo. Neste sistema, a classe capitalista, que representa uma minoria ínfima da população, enriquece mais a cada dia, graças às riquezas produzidas pelo trabalho da maioria da população, e também graças à exploração da natureza, sem se preocupar com os limites físicos desta. Desapossados da propriedade dos meios de produção, a maioria das mulheres e dos homens não tem outro remédio senão vender a sua força de trabalho aos capitalistas (proprietários desses meios de produção), que procuram remunerar o trabalho ao mais baixo nível que podem, impedindo assim a esmagadora maioria da população de sair da condição social em que se encontra. Inversamente, as riquezas acumuladas pelos capitalistas permitem-lhes investir em variados sectores, a fim de aumentarem as suas fontes de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). , explorando ao mesmo tempo os seres humanos e a natureza.
A fim de manter os seus proventos ao mais alto nível possível e de assegurarem a perpetuação desse modo de produção, a classe capitalista procura não só manter os salários directos ao nível mais baixo que conseguirem, mas também impedir a redistribuição das riquezas, pagando o mínimo possível de impostos, combatendo as políticas sociais, como sejam os serviços públicos de saúde, educação e habitação. Também interessa aos capitalistas impedir a organização colectiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, nomeadamente combatendo os chamados direitos do trabalho: o direito de constituir sindicatos, o direito de greve, as negociações colectivas, etc. Inversamente, os trabalhadores têm todo o interesse em organizar-se, a fim de conquistar direitos sociais e contestar as desigualdades. Existe portanto uma luta de classes a nível internacional, cuja intensidade varia consoante o nível de organização colectiva dos trabalhadores, em cada lugar e em cada época, face às injustiças gritantes.
A nível mundial, 2.153 milionários possuíam em 2019 mais riquezas que 4,6 mil milhões de pessoas, ou seja, 60 % da população mundial. [11]
As desigualdades económicas entre diversos grupos da população podem ser medidas nomeadamente pelo património na posse de cada pessoa e pelos respectivos rendimentos (rendimentos do trabalho – salários, reformas, diversos tipos de subsídios sociais – e rendimentos do capital – lucros das empresas, dividendos recebidos pelos accionistas, etc.).
Os grupos mais pobres da população mundial possuem literalmente menos que nada: estão endividados e devem dinheiro aos seus credores – geralmente bancos –, ou seja, aos grupos mais ricos da população. Nos EUA, cerca de 12 % da população – ou seja mais de 38 milhões de pessoas – têm património negativo. [12] O nível de endividamento destass pessoas – devido nomeadamente aos empréstimos a estudantes e aos empréstimos para compra de casa – é tal que puxa para baixo o património acumulado por 50 % dos mais pobres, tornando-o negativo (-0,1 %). [13]
Parte de cada grupo da população no património total | EUA (2014) | França (2014) | China (2014) | Índia (2012) |
---|---|---|---|---|
Os 10 % mais ricos | 73 % | 55,3 % | 66,7 % | 62,8 % |
Dos quais, o 1 % mais rico | 38,6 % | 23,4 % | 27,8 % | 30,7 % |
Dos quais, os 9 % seguintes | 34,4 % | 31,9 % | 38,9 % | 32,1 % |
Os 40 % do meio | 27,1 % | 38,4 % | 26,7 % | 30,8 % |
Os 50 % mais pobres | -0,1 % | 6,3 % | 6,6 % | 6,4 % |
Fonte: World Inequality Database (o total de algumas colunas pode não perfazer 100 %, devido ao arredondamento dos números) |
Parte de cada grupo da população nos rendimentos totais | Mundo (2016) | UE28 (2016) | EUA (2014) | China (2015) | Índia (2015) |
---|---|---|---|---|---|
Os 10 % mais ricos | 52,1 % | 33,4 % | 47 % | 41,4 % | 56,1 % |
Dos quais, o 1 % mais rico | 20,4 % | 10,3 % | 20,2 % | 13,9 % | 21,3 % |
Dos quais, os 9 % seguintes | 31,7 % | 23,1 % | 26,8 % | 27,5 % | 34,8 % |
Os 40% do meio | 38,2 % | 44,6 % | 40,4 % | 43,7 % | 29,2 % |
Os 50 % mais pobres | 9,7 % | 22 % | 12,6 % | 14,8 % | 14,7 % |
Fonte: World Inequality Database (o total de algumas colunas pode não perfazer 100 %, devido ao arredondamento dos números) |
Os 22 homens mais ricos do mundo possuem mais que o conjunto da população feminina de África. [14]
Por consequência, não se trata nunca de opor Norte e Sul na sua globalidade, mas sim de fazer emergir uma dinâmica «geográfica» de conjunto: a maioria das decisões é tomada por uma ínfima minoria da população do Norte e do Sul (o 1 %), com pesadas consequências para a esmagadora maioria da população do Sul e do Norte (os 99 %). Dentro de cada país e de cada região o sistema de dominação e exploração existe e mantém-se.
É assim que na Índia uma ínfima minoria enriquece de maneira fenomenal, graças ao trabalho efectuado pelas centenas de milhões de indianos pobres. Olhando para outra região do mundo, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ - International Consortium of Investigative Journalists) revelou em janeiro de 2020 os mecanismos predatórios e espoliadores usados por Isabel dos Santos para se tornar a mulher mais rica de África, em dtrimento nomeadamente da população do seu país, Angola. [15]
Nos EUA – a maior economia do mundo –, mais de 14 milhões de famílias, incapazes de reembolsar os seus empréstimos hipotecários, foram expulsas das suas casas, no seguimento da crise dos subprimes de 2006 (mas os despejos massivos são muito anteriores à crise e continuam hoje em dia).
Para além da distinção entre blocos geográficos, trata-se sobretudo – e no essencial – da exploração da esmagadora maioria da população, tanto do Sul como do Norte, por uma ínfima minoria que constitui a classe capitalista, comummente chamada «o 1 %». O comportamento dessa classe dominante é motivado pela procura do lucro máximo a curto prazo. É indispensável compreender e combater esta clivagem, sob pena de não conseguirmos identificar as alternativas pertinentes na luta pela emancipação da grande maioria, vítima das relações de exploração e opressão.
Segundo a Oxfam: as mulheres de todas as idades assumem todos os dias o equivalente a 12,5 mil milhões de horas de trabalho não remunerado. Ainda segundo a Oxfam: as mulheres realizam mais de três quartos do trabalho não remunerado em todo o mundo. [16]
É fundamental ter em conta a opressão e a exploração das mulheres em todo o mundo. A opressão das mulheres é muito antiga, mais antiga que o capitalismo. Chama-se «patriarcado» à opressão sofrida pelas mulheres, enquanto mulheres, exercida pelos homens. No capitalismo, o patriarcado traduz-se nomeadamente na imposição às mulheres e às minorias de género de uma carga de tarefas de «reprodução social» – tarefas que permitem produzir e regenerar as condições de vida e a força de trabalho (como sejam a educação, os cuidados domésticos, a alimentação, etc.) e portanto o capitalismo. Estas tarefas são maioritariamente assumidas no seio familiar, de maneira invisível e não remunerada. Esta opressão reproduz-se de múltiplas formas, para além do aspecto estritamente económico: através da linguagem, da filiação, dos estereótipos, das religiões, da cultura, etc. A opressão das mulheres e o sistema patriarcal combinam-se de maneira inextricável com a exploração capitalista, tanto no Norte como no Sul. Os efeitos do endividamento público e privado ilegítimo reforçam a opressão das mulheres.
As grandes empresas do Brasil exercem sobre os seus vizinhos da América do Sul relações imperialistas de dominação; as grandes empresas da China exercem o mesmo tipo de relações com numerosos países de África, do Sul da Ásia e Sudeste Asiático. Estas relações são por vezes designadas «subimperialismos», «imperialismos periféricos» ou ainda «imperialismos regionais».
Dentro da União Europeia, cujos países pertencem quase na totalidade ao grupo dos países do Norte (com excepção da Roménia e da Bulgária), os países periféricos são dominados pelos países com economias mais fortes e suas grandes empresas privadas – é nomeadamente o caso dos países ditos «da periferia Sul» (onde encontramos Grécia, Chipre, Espanha, Portugal) e da «periferia Leste» na Europa Central e oriental. Dentro dos EUA, o povo da ilha de Porto Rico encontra-se submetido a uma relação neocolonial.
Para completar a compreensão das relações internacionais, é preciso ter em conta o conceito de centro(s) e periferia(s), tanto à escala continental como regional. [17] Este modelo centro-periferia permite compreender melhor o sistema de opressão exercido por um centro constituído por economias dominantes que impõem as suas condições às economias periféricas sujeitas a esse sistema, baseado em relações de desigualdade e em mecanismos de dependência, ao serviço da acumulação de capital.
Participaram na redacção deste artigo: Maud Bailly, Nathan Legrand, Milan Rivié, Éric Toussaint e o grupo nacional de coordenação do CADTM Bélgica.
Lista dos países do Sul e do Norte (segundo a classificação do Banco Mundial))
ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS BAIXOS (PIB/HABITANTE: 1.025 $US OU MENOS)
Afeganistão, Benim, Burkina Faso, Burúndi, Chade, Coreia do Norte, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Haiti, Iémene, Libéria, Madagáscar, Malawi, Mali, Moçambique, Nepal, Níger, Uganda, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (Congo-Kinshasa), Ruanda, Serra Leoa, Síria, Somália, Sudão do Sul, Tajiquistão, Tanzânia, Togo
ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS INFERIORES (PIB/HABITANTE: 1.026 A 3.995 $US)
Angola, Bangladexe, Bolívia, Butão, Cabo Verde, Camarões, Cambodja, Cisjordânia e Gaza, Comores, Costa do Marfim, Djibuti, Essuatíni (ex-Suazilândia), Estados Federados da Micronésia, Filipinas, Gana, Honduras, Ilhas Salomão, Índia, Indonésia, Laos, Lesoto, Marrocos, Mauritânia, Mianmar, Moldávia, Mongólia, Nicarágua, Nigéria, Papua-Nova Guiné, Paquistão, Quénia, Quirguistão, Quiribati, República Árabe do Egipto, República do Congo (Congo-Brazzaville), Salvador, São Tomé e Príncipe, Senegal, Sudão, Timor Leste, Tunísia, Ucrânia, Usbequistão, Vanuatu, Vietname, Zâmbia, Zimbabué
ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS INFERIORES (PIB/HABITANTE: 1.026 A 3.995 $US)
Albanie, Algérie, Samoa américaines, Argentine, Arménie, Azerbaïdjan, Belarus, Belize, Bosnie-Herzégovine, Botswana, Brésil, Bulgarie, Chine, Colombie, Costa Rica, Cuba, Dominique, République dominicaine, Guinée équatoriale, Équateur, Fidji, Gabon, Géorgie, Grenade, Guatemala, Guyana, Afrique du Sud, Iran, Iraq, Jamaïque, Jordanie, Kazakhstan, Kosovo, Liban, Libye, Malaisie, Maldives, Maurice, Îles Marshall, Mexique, Monténégro, Namibie, Nauru, Macédoine du Nord, Paraguay, Pérou, Roumanie, Fédération de Russie, Samoa, Serbie, Sri Lanka, St. Lucie, Saint-Vincent-et-les-Grenadines, Suriname, Thaïlande, Tonga, Turquie, Turkménistan, Tuvalu, Venezuela
ÉCONOMIAS COM RENDIMENTOS MÉDIOS SUPERIORES (PIB/HABITANTE: 3.996 À 12.375 $US)
África do Sul, Albânia, Argélia, Argentina, Arménia, Azerbaijão, Belize, Bielorrússia, Bósnia-Herzegovina, Botsuana, Brasil, Bulgária, Cazaquistão, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Domínica, Equador, Federação Russa, Fiji, Gabão, Geórgia, Granada, Guatemala, Guiana, Guiné Equatorial, Ilhas Marshall, Irão, Iraque, Jamaica, Jordânia, Kosovo, Líbano, Líbia, Malásia, Maldivas, Maurícias, México, Montenegro, Namíbia, Nauru, Macedónia do Norte, Paraguai, Peru, República Dominicana, Roménia, Samoa, Samoa Americanas, Sérvia, Sri Lanka (Ceilão), Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Tailândia, Tonga, Turcomenistão, Turquia, Tuvalu, Venezuela
ECONOMIAS COM RENDIMENTOS ALTOS (PIB/HABITANTE: 12.376 $US OU MAIS)
Alemanha, Andorra, Antígua e Barbuda, Aruba, Austrália, Áustria, Baamas, Bahrein, Barbados, Bélgica, Bermudas, Brunei Darussalam, Canadá, Ilhas Caimão, Ilhas Anglo-Normandas, Chile, Chipre, Croácia, Curaçao, Dinamarca, Estónia, Ilhas Feroe, Finlândia, França, Polinésia Francesa, Gibraltar, Grécia, Gronelândia, Guam, Hong Kong, Hungria, Islândia, Irlanda, República Checa, Ilha de Man, Israel, Itália, Japão, Coreia do Sul, Koweit, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macau, Malta, Mónaco, Holanda, Nova Caledónia, Nova Zelândia, Ilhas Marianas do Norte, Noruega, Omã, Palau, Panamá, Polónia, Portugal, Porto Rico, Qatar, San Marino, Arábia Saudita, Seicheles, Singapura, São Martinho (parte holandesa), Eslováquia, Eslovénia, Espanha, São Martinho (parte francesa), Suécia, Suíça, Taiwan, Trindade e Tobago, Ilhas Turcas e Caicos, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Estados Unidos da América (EUA), Uruguai, Ilhas Virgens Americanas
Tradução de Rui Viana Pereira
[1] Tariq Khokar, «Should we continue to use the term “developing world”», novembre 2015, http://blogs.worldbank.org/opendata/should-we-continue-use-term-developing-world
[2] Banco Mundial, «World Bank Country and Lending Groups», 2020, https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/906519-world-bank-country-and-lending-groups (consultado em 3/01/2020).
[3] Organização das Nações Unidas, Organisation des Nations Unies, Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais, Distribuição da População, World Population Prospects 2019, Online Edition. Rev. 1.
[4] Fundo Monetário Internacional, World Currency Composition of Official Foreign Exchange Reserves, terceiro trimestre 2019. URL : http://data.imf.org/?sk=E6A5F467-C14B-4AA8-9F6D-5A09EC4E62A4 (consultado em 21 de janeiro de 2020)
[5] Banco de Compensações Internacionais, Triennial Central Bank Survey. Foreign exchange turnover in April 2019, setembro 2019.
[6] Base de dados do Banco Mundial (consultada em 7 de abril de 2022).
[7] Base de dados do Banco Mundial (consultado em 7 de abril de 2022.
[8] O CO2e, significa literalmente «equivalente a CO2» e permite contabilizar os gases com efeito de estufa, que não são tidos em conta quando se fala apenas de CO2.
[9] Entendemos por «emissões importadas», por exemplo, o caso de uma empresa têxtil norte-americana que transferiu para a China o fabrico dos seus produtos, cuja venda e consumo continuam a ser feitos nos EUA.
[10] Ver: Global Footprint Network (2015). «Sustainable development : Making it Measurable. Human Development Index & Ecological Footprint per person for nations».
http://www.footprintnetwork.org/documents/Global_Footprint_Network_HDI_poster2015_final_lo-res.pdf
[11] Oxfam, 2020, https://www.oxfam.org/fr/communiques-presse/les-milliardaires-du-monde-se-partagent-plus-de-richesses-que-46-milliards-de
[12] Chuck Collins, «Negative Wealth Matters», Inequality.org, 28-01-2016. URL: https://inequality.org/great-divide/negative-wealth-matters/ (consultado em 21-01-2020).
[13] World Inequality Database. URL: https://wid.world (consultado em 21-01-2020).
[14] Oxfam, 2020, https://www.oxfam.org/fr/communiques-presse/les-milliardaires-du-monde-se-partagent-plus-de-richesses-que-46-milliards-de
[15] Ver: Joan Tilouine, «“Luanda Leaks”: la mainmise d’Isabel dos Santos, la femme la plus riche d’Afrique, sur les finances de l’Angola», LeMonde.fr, 19-01-2020. URL : https://www.lemonde.fr/afrique/article/2020/01/19/luanda-leaks-la-mainmise-d-isabel-dos-santos-la-femme-la-plus-riche-d-afrique-sur-les-finances-de-l-angola_6026507_3212.html (consultado em 21-01- janvier-2020).
[16] Ver www.oxfam.org, em francês, inglês ou castelhano.
[17] Ver: François Houtart. «Rapports Nord-Sud ou la rigueur des concepts». Alternatives Sud, 2016, vol. 23, no 2, p. 157-178.
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Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
Piketty, o CADTM e a dívida pública26 de Março de 2021, por CADTM
Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
Neoliberalismo: alargamento do leque salarial e benefícios fiscais para o Capital24 de Março de 2021, por CADTM