Brasil

Suspensão do pagamento dos juros e encargos da dívida pública para liberar recursos necessários no combate ao CoronaVírus

6 de Abril de 2020 por Priscila Martins de O. Santana , Bruno Tito


O Brasil vive neste momento o sofrimento da pandemia do CoronaVírus que tem arrasado várias partes do mundo desde janeiro deste ano. De acordo com o balanço mais recente da OMS, o número de pessoas infectadas no mundo já é superior a 416.000, enquanto o número de mortos já supera, tristemente, a marca de 18.000. Trata-se de uma situação de Emergência de Saúde Pública de Dimensão Global, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou no final de janeiro. O novo CoronaVírus vem forçando governos em todo o mundo a deixarem de lado as terríveis medidas de cortes orçamentários preconizadas pelo modelo econômico neoliberal. Esses governos têm tomado medidas de saúde pública e econômicas para salvar vidas e reduzir os impactos socioeconômicos causados pelos efeitos da queda das atividades comerciais e produtivas resultantes das necessárias quarentenas e isolamentos sociais.



Em países como o Brasil, os acentuados problemas sociais como o desemprego e os precários serviços de saúde pública e de assistência social, associados a um cenário de crise econômica potencializada pela política monetária adotada internamente, já exigiam medidas necessárias para retomada do crescimento da economia, geração de emprego e renda e fortalecimento das políticas públicas em todas as áreas, principalmente na saúde pública. Entretanto, as medidas tomadas pelos últimos governos federais, a exemplo da Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos sociais por 20 anos, deixando livres, fora do teto e sem limite algum os gastos com a chamada dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. , a reforma trabalhista e a recente reforma da previdência, ao invés de ampliarem o acesso às políticas públicas, apresentaram um efeito contrário.

O momento atual escancara as diversas barreiras que existem no Brasil para fazer frente a esta crise da saúde. Derrubar essas barreiras é condição necessária para vencer a luta contra a Covid-19 e manter os empregos do país. A sangria do orçamento público brasileiro para bancar juros exorbitantes e encargos da dívida pública, constitui uma dessas barreiras. Ao mesmo tempo em que se observa a redução do acesso às políticas públicas, ocasionada pela diminuição dos orçamentos, vemos um esforço dos governos em manter o lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). de bancos nacionais e estrangeiros e outros agentes financeiros, através de mecanismos como o pagamento de juros e encargos de uma dívida pública que nunca foi integralmente auditada.

Em 2019, a Dívida Pública consumiu pouco mais de um trilhão de reais do Orçamento Federal Executado, representando cerca de 38,27% do Orçamento, constituindo o maior gasto da União. Para efeitos comparativos, a saúde pública recebeu apenas 4,21% do Orçamento Federal no mesmo ano. A maior parte dos mais de um trilhão de reais gastos com a dívida pública no ano passado foi consumida pelo pagamento de juros e encargos, R$ 285 bilhões, e as chamadas amortizações, R$ 276 bilhões. Embora haja indícios de que parte dos juros esteja sendo contabilizada indevidamente como se fosse amortização. A outra parte foi destinada ao refinanciamento ou a chamada “rolagem” da dívida, R$ 477 bilhões, que em sua grande parte deveria também ser contabilizada como despesas com juros, pois incluem a chamada “atualização monetária da dívida”, que não tem previsão legal e corresponde a uma parte dos juros nominais pagos. Sem considerar a parte do contestável montante do refinanciamento da dívida, teríamos pouco mais de R$ 560 bilhões disponíveis para o combate da Covid-19.

Além do pagamento direto do serviço da dívida, através dos juros, amortizações e refinanciamentos, verificamos outros mecanismos também associados à Dívida Pública, que se interrompidos, também poderiam ser revertidos ao combate da Covid-19 atenuando os seus efeitos sanitários e socioeconômicos. Dentre os mecanismos podemos citar a Remuneração da Sobra de Caixa dos Bancos, através das chamadas “Operações Compromissadas”, que correspondem à remuneração de depósitos voluntários feito por bancos junto ao Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). . Tais remunerações são feitas com recursos públicos que, no período de 2009 a 2018, representou um prejuízo aos cofres públicos de um trilhão de reais, sem nenhuma contrapartida social ou de investimentos públicos.

É inaceitável que o Brasil desponte entre as 10 maiores economias do mundo e o Estado siga impondo arrocho financeiro ao povo, enquanto destina em torno de 40% do orçamento público para bancar uma verdadeira farra do mercado financeiro Mercado financeiro Mercado de capitais a longo prazo. Inclui um mercado primário (o das emissões) e um mercado secundário (o da revenda). A par dos mercados regulamentados encontramos mercados fora da bolsa, onde não existe a obrigação de satisfazer regras e condições mínimas. . Neste momento, vale enfatizar que uma parcela importante da sociedade brasileira não tem sequer recursos financeiros para comprar material básico de higienização (sabonete, água sanitária, álcool, dentre outros produtos), e isso tem relação direta com o quadro de desigualdade social que é resultado do Sistema da Dívida.

Os mecanismos que geram dívida pública sem contrapartida em bens e serviços constituem o chamado Sistema da Dívida, que, no Brasil, implica na contínua contratação de novos empréstimos para pagamento de questionáveis dívidas anteriores que nunca foram integralmente auditadas. Caso essas dívidas fossem auditadas e anuladas, o país teria a oportunidade de direcionar tais recursos de empréstimos para investimentos produtivos, fortalecimento do SUS e aumento da atividade econômica, com taxas de juros em patamares decentes, como já praticado em alguns outros países.

A Lei Orçamentária Anual da União fixou o volumoso montante de R$ 409 bilhões de reais para pagamento de juros e encargos da Dívida em 2020. Enquanto não se audita o Sistema da Dívida, é urgente a suspensão do pagamento dos juros e encargos da dívida pública para que esses recursos sejam destinados para o combate ao CoronaVírus e os seus efeitos. Afinal é preciso salvar vidas e não o lucro dos bancos.


Priscila Martins de O. Santana

Mestra em Economia pela Universidade Federal da Bahia. Professora de Economia do IFBA. Militante do CADTM e ACD/Brasil.

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Bruno Tito

Coordenador do Núcleo Baiano da Auditoria Cidadã da Dívida, integrante do Comitê Internacional pela Investigação e Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM) e Secretário Parlamentar da Assembleia Legislativa da Bahia, com atuação na área de orçamento público.

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