23 de Outubro de 2011 por Eric Toussaint
Embora a Europa esteja fortemente abalada, a crise não se limita à União Europeia: quase todas as economias dos países mais industrializados encontram-se num estado perto do coma. Consoante os países, o desemprego permanece muito elevado ou aumenta. Até nos países chamados de «emergentes», incluindo os BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China), o forte crescimento tende a diminuir. As Bolsas do planeta, na sua esmagadora maioria, caíram fortemente em 2011 (entre o 1° de janeiro e o 15 de outubro de 2011, caíram 15% na zona euro, no Japão e na China, 4% nos Estados Unidos, 8% na Grã-Bretanha, 22% no Brasil, 19% na Rússia e 17% na Índia.) O ouro, um valor-refúgio em tempo de crise, subiu acentuadamente (20% entre janeiro e outubro de 2011).
O que mais impressiona é a acentuada volatilidade que caracteriza um rol de preços: as Bolsas registam quedas mas também ressaltos extraordinários; o dólar cai mas regista momentos de subida; as paridades entre o dólar, o euro, o iene, a libra esterlina, o franco suíço (outro valor refúgio) são igualmente instáveis; os preços das matérias-primas mantêm-se a um nível elevado mas conhecem abalos importantes. Em poucas palavras, a economia real (a produção) diminui e a esfera financeira estremece. Os bancos constituem o elo fraco, sendo sustentados com imensa dificuldade pelos poderes públicos.
Na perspectiva das relações Norte-Sul, a situação económica dos países emergentes e em desenvolvimento é invejável quando comparada com aquela dos países do Norte [1]. Se tomarmos como indicador o estado das reservas de câmbio, os países emergentes detêm duas vezes mais reservas que os países mais industrializados. De facto, os países emergentes dispõem de 6 500 mil milhões de dólares em reservas de câmbio (cuja metade pertence à China, 400 mil milhões à Índia, 350 ao Brasil e 500 à Rússia) comparado com 3200 mil milhões para o Norte (um terço ao Japão). O G20, um clube tao ilegítimo como o G7 que o convocou, não consegue arranjar soluções.
Uma nova expressão ficou na moda: “países ricos muito endividados”, que oculta uma expressão na moda desde quinze anos nos corredores do FMI e do Banco Mundial, a expressão “países pobres muito endividados”. A dívida pública e a dívida privada estão no cerne da crise.
Do ponto de vista das relações entre classes sociais à escala do planeta, as classes dominantes aumentam a sua riqueza em toda a parte, e utilizam a crise para aprofundar a precariedade da condição dos assalariados e dos pequenos produtores. Nos países do Atlântico norte, da Europa mediterrânica e central, o reembolso da divida pública é usado como pretexto para impor uma nova vaga de austeridade. O custo das catástrofes produzidas pelo sistema financeiro privado está sistematicamente a cargo dos poderes públicos que passam a factura para os assalariados e pequenos produtores (por meio dos impostos, do corte nas despesas sociais e dos despedimentos). As desigualdades sociais agravam-se. Os movimentos cívicos organizados pelos que estão no fundo da escada social têm enorme dificuldade em constituir uma frente de resistência coerente, já para não falar de levar a cabo uma contra-ofensiva. Novos fenómenos de protesto de rua aparecem na sequência da Primavera árabe na Tunísia e no Egipto. Deste modo, o movimento dos indignados ganhou muita amplitude na Espanha e na Grécia, e começa a encontrar eco nos Estados Unidos e em outros continentes. Essas mobilizações, embora muito importantes, ainda não permitem alterar a tendência. É preciso apoiá-las activamente. Nesse sentido, o sucesso do dia 15 de outubro de 2011 é prometedor [2].
Tradução de Noémie Josse
[1] Na Internet, ver «Dívida dos países em desenvolvimento: uma perigosa despreocupação», 31 de Janeiro de 2011, Ver também: Damien Millet, Daniel Munevar, Eric Toussaint, «Os números da dívida 2011», 22 de Julho de 2011. De livros, ver Damien Millet e Eric Toussaint (dir.), La dette ou la vie, Aden-CADTM, 2011, capítulo 18. Precisão essencial: apesar de os indicadores económicos tradicionais apontarem para o crescimento económico pronunciado dos países emergentes, a crise alimentar (forte subida dos preços) atinge grande parte da população do Sul do planeta. Os efeitos das mudanças climáticas deterioram igualmente as condições de vida das populações de alguns países especialmente afectados. A exploração frenética de recursos naturais por causa dos preços elevados de matérias-primas provoca danos humanos e ambientais crescentes, particularmente nas minas a céu aberto e na exploração dos hidrocarbonetos em lugares muito sensíveis (no delta do Niger, por exemplo).
[2] Ver «15 Outubro 2011: grande vitória dos Indignados», 16 de outubro de 2011
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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