Vazios e Superficiais: nem o G8 e nem o G20!

26 de Agosto de 2010 por Eric Toussaint , Damien Millet , Sophie Perchellet


Em artigo conjunto, Eric Toussaint, Damien Millet e Sophie Perchellet criticam duramente o G20: “Para os que lutam por justiça social, o G20 é uma grande farsa que apenas se limita a repetir sem cessar as mesmas e injustificáveis exigências e a apresentar antigas falsas soluções”.



Assim como no caso das reuniões precedentes, o encontro do G20 – um clube privado no qual os (chefes dos Estados) mais ricos do planeta convidam os chefes de Estado das principais potências emergentes – se revelou mais uma vez rico em efeitos publicitários mas vazio de decisões. Como em 2008, em Londres, e em 2009, em Pittsburg, nos Estados Unidos, as discussões do G20 - reunido em Toronto, no Canadá, no final de junho - giraram ao redor da saída da crise. No entanto, trata-se sempre de uma saída capitalista, favorável aos credores e às grandes potências.

Ao longo dos últimos dois anos, a questão da regulamentação financeira mundial vem sendo tratada pelos governos apenas de maneira superficial e sem iniciativas concretas. Para apaziguar seus cidadãos, que pagam um alto preço pelas consequências da crise, embora não possuam quaisquer responsabilidades pela mesma, os governos fingem que estão redefinindo as regras do jogo financeiro internacional embora, na prática, venham - há décadas - eliminando qualquer regra que proteja os povos.

A regulamentação do mercado de produtos derivativos – inovações financeiras puramente especulativas e sem nenhuma utilidade social –, o maior controle sobre o capital dos bancos, a limitação ao pagamento de bônus aos dirigentes dos grandes bancos e impostos aos grandes bancos ou às transações financeiras são os temas que revelam as fortes divergências existentes no G20. É uma maneira bastante conveniente de não se decidir sobre nenhum deles. Essa agenda não será discutida até a próxima cúpula do G20 em Seul, na Coréia do Sul, em novembro deste ano. Em cada um destes shows midiáticos segue sendo entoada a mesma canção contra o protecionismo. Em todo o planeta, a Organização Mundial do Comércio (OMC), apoiada pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), persegue a sua missão de destruir todas as proteções nacionais consideradas obstáculos ao livre comércio. Logo, direitos fundamentais dos povos, tais como o direito à soberania alimentar, são sacrificados no altar do crescimento econômico e do lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). das corporações transnacionais.

Entretanto, as várias crises que sacudiram o mundo em décadas recentes possuem suas raízes nesse mesmo processo de liberalização do comércio e dos fluxos de capitais essencialmente especulativos. A grande desregulamentação financeira dos anos de 1990, a desestruturação de setores econômicos inteiros das economias nacionais e o desmonte do Estado prepararam o terreno para uma feroz ofensiva dos detentores do capital contra as populações do mundo inteiro, primeiro no Sul, mas agora também no Norte.

A crise atual e os planos de socorro aos bancos fizeram aumentar a dívida pública dos países do Norte. A chegada do furacão das medidas de austeridade aos países da Europa provocou drásticos cortes nas contas públicas, ao mesmo tempo em que foram preservadas as condições de rentabilidade para o capital. É nessa conjuntura que o G20 assumiu compromissos com políticas fiscais restritivas com o objetivo de tentar reduzir à metade os déficits públicos até 2013 e estabilizar ou reduzir os índices de endividamento público até 2016. Mais uma vez, a conta dos cortes que terão que ser feitos para se alcançar estes objetivos recairão sobre as classes trabalhadoras populares e privilegiarão as classes abastadas. Os perversos remédios ortodoxos aplicados desde 1980 estão de volta: corte ou congelamento de salários, aumento de impostos, desregulamentação dos mercados de trabalho, privatização de empresas públicas, reformas sobre os sistemas de previdência. As primeiras vítimas destas medidas econômicas se encontram entre as pessoas em situação mais precárias. Desde 2008, o FMI abriu linhas de crédito para dez países Europeus. Na Islândia, a população deixou claro que não pagará pelos erros do setor bancário. Na Romênia, o corte de 15% na previdência social foi considerado inconstitucional, à despeito das pressões do FMI. Na Ucrânia, as relações entre o FMI e o governo estão paralisadas desde a última decisão unilateral deste último de subir o salário mínimo em 20%. Na Grécia, foram cinco as greves gerais registradas apenas em 2010 contra o programa de austeridade fiscal. Várias grandes mobilizações populares tomaram as ruas em países atingidos por estas políticas, assim como em Toronto, onde as manifestações anti-G20 foram brutalmente reprimidas.

A cúpula do G20 de Toronto foi, portanto, um passo a mais no caminho que leva a uma saída capitalista para a crise. Para os que lutam por justiça social, o G20 é uma grande farsa, que apenas se limita a repetir sem cessar as mesmas e injustificáveis exigências e a apresentar antigas falsas soluções.

Sem entrar no mérito da falta de legitimidade tanto do G8 quanto do G20, as raízes desta crise precisam ser atacadas, expropriando os bancos e transferindo seus ganhos para o setor público sob controle cidadão, realizando uma auditoria cidadã da dívida pública para que as dívidas ilegítimas sejam canceladas, instaurar uma verdadeira justiça fiscal e uma distribuição mais justa da riqueza, lutar contra as fraudes e evasões fiscais, regulamentar os mercados financeiros mediante a criação de um registro de proprietários de títulos e pela proibição de vendas de títulos de curto prazo, reduzir radicalmente as jornadas de trabalho para criar empregos com aumentos de salários e das aposentadorias. Para conquistarmos isso, precisamos construir uma vasta mobilização popular para unir as lutas locais com a internacional que nos permita impedir o avanço das políticas econômicas destruidoras dos direitos sociais.


Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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Damien Millet

professeur de mathématiques en classes préparatoires scientifiques à Orléans, porte-parole du CADTM France (Comité pour l’Annulation de la Dette du Tiers Monde), auteur de L’Afrique sans dette (CADTM-Syllepse, 2005), co-auteur avec Frédéric Chauvreau des bandes dessinées Dette odieuse (CADTM-Syllepse, 2006) et Le système Dette (CADTM-Syllepse, 2009), co-auteur avec Eric Toussaint du livre Les tsunamis de la dette (CADTM-Syllepse, 2005), co-auteur avec François Mauger de La Jamaïque dans l’étau du FMI (L’esprit frappeur, 2004).

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