18 de Junho de 2019 por CADTM
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Desde meados de dezembro de 2018, o Sudão foi atravessado por um levantamento popular de grande amplitude. Esta explosão social foi despoletada pela pobreza, pela precariedade e pelo desemprego (que afecta fortemente os jovens, como noutras partes do Norte de África e do Médio Oriente). A fagulha incendiária foi uma inflação recorde, que fez subir os preços dos produtos de primeira necessidade, por efeito das medidas impingidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o qual há 30 anos participa na imposição da liberalização da economia – uma liberalização que apenas serviu para enriquecer os círculos mais próximos das cúpulas de Estado.
À contestação social juntou-se o protesto contra o autoritarismo do regime de Omar Al-Bachir, que, depois de ter tomado o poder graças a um golpe de Estado militar em 1989, sufocou a sociedade, os meios de expressão e a contestação.
O autoritarismo apoiou-se numa política beligerante, recorrendo a bodes expiatórios, nomeadamente entre as populações do Darfur, contra as quais o regime cometeu um genocídio, e entre as populações cristãs daquele que é, desde 2011, o Estado independente do Sudão do Sul (e que era anteriormente uma região do Sudão). Assim, à contestação social juntou-se rapidamente a exigência de pôr fim ao regime de Omar Al-Bachir, apoiado pelo exército da Irmandade Muçulmana.
Os levantamentos populares no Sudão e na Argélia inscrevem-se na continuidade dos movimentos populares iniciados em dezembro de 2010 na Tunísia, que se estenderam pela região de língua árabe ao longo de 2011. Trata-se nada mais nada menos de um processo revolucionário prolongado que atravessa a região, exigindo alterações profundas nas estruturas económicas e sociais, a favor das classes populares. As contra-revoluções lançadas pelos regimes instalados, os fundamentalismos e os imperialismos regionais e internacionais não foram capazes de extinguir completamente esse processo; apenas adiaram o seu desenlace.
O levantamento de massas no Sudão obteve uma primeira vitória assinalável quando Omar Al-Bachir foi obrigado a demitir-se, em 11 de abril de 2019, cerca de 30 anos depois de ter tomado o poder. Foi demitido das suas funções pelo Exército, que procurou salvar o regime mudando o cabecilha e formou um «conselho militar de transição». Mas, tal como sucedeu na Argélia após a saída de Abdelaziz Bouteflika a 2 de abril de 2019, isso não bastou para satisfazer o movimento popular: em vez de permitir que a revolução fosse confiscada pelos altos-comandos militares, como sucedeu no Egipto em 2013, os/as manifestantes não saíram das ruas, exigiram a queda do regime no seu conjunto, a formação de um governo de transição composto por civis e a organização de eleições livres no prazo de três anos (este prazo relativamente alargado visa permitir a organização de um debate democrático numa sociedade que foi amordaçada pelo poder durante 30 anos).
O levantamento popular deu provas de uma enorme imaginação colectiva e tenacidade. A partir de 6 de abril de 2019, organizou-se uma concentração permanente gigantesca diante do complexo que alberga a Presidência e o quartel-general do Exército na capital, Cartum. Desde então as dimensões dessa concentração não cessaram de aumentar, dando origem a uma «cidade dentro da cidade», onde a efervescência democrática se mantém dia e noite. O movimento reconheceu a legitimidade das Forças da Declaração para a Liberdade e a Mudança (FDLM) como suas representantes. Esta coligação é composta nomeadamente pela Associação dos Profissionais Sudaneses (APS) e por organizações políticas da oposição que vão desde grupos politicamente liberais, ao Partido Comunista Sudanês e a grupos político-militares do Sul e Oeste do país que declararam um cessar-fogo a favor do levantamento popular. A APS, que originalmente agrupava médicos, jornalistas e advogados, foi alargada a membros de ambos os sexos do ensino, da engenharia, das artes e, mais recentemente, do operariado e dos transportes ferroviários, e desempenha um papel fundamental na coligação das FDLM. Os grupos feministas também estão presentes e são influentes – e as mulheres encontram-se na primeira linha do movimento popular. É preciso notar que esta coligação não fez qualquer concessão aos militares, desde que se lançou no processo de negociação que visa satisfazer as exigências do levantamento para a formação de um governo civil de transição.
Face a um movimento popular com tamanha força, o comando militar, que até aí procurara assumir-se como o garante de uma transição democrática pacífica, finalmente deixou cair a máscara e fazer prova de força. A 13 de junho de 2019, as Forças de Intervenção Rápida (FIR) (uma milícia paramilitar plenamente integrada no regime) e outras forças de segurança atacaram e dispersaram a concentração de Cartum e espalharam o terror, numa tentativa de quebrar o ímpeto democrático; recorreram a balas reais, violaram mulheres, incendiaram acampamentos. O balanço provisório dá conta de 100 mortos e várias centenas de homens e mulheres feridas.
As Forças da Declaração para a Liberdade e Mudança apontaram claramente o conselho militar de transição (renomeado «conselho do golpe de estado») como responsável pelo massacre e interromperam as negociações. Apelam agora a uma greve geral e à desobediência civil total até à queda do regime.
O CADTM Internacional:
• dá o seu apoio total ao levantamento popular sudanês, bem como a outros levantamentos em curso e futuros na região, contra os regimes autoritários que se apropriaram dos Estados e dos seus recursos;
• denuncia de forma vigorosa o massacre de 3-06-2019 em Cartum e a contra-revolução levada a cabo pelos comandos militares sudaneses;
• denuncia a cumplicidade dos Estados regionais, das potências internacionais e das instituições financeiras internacionais com o regime sudanês, efectuada através quer de uma cooperação activa ao longo dos últimos 30 anos, tendo em vista o aprofundamento das políticas neoliberais no país (nomeadamente através de políticas de endividamento e ajustamento estrutural do FMI que apenas serviram os capitalistas locais – feitos com o regime – e internacionais), quer do silêncio face às manobras contra-revolucionárias do Exército para perpetuarem o regime;
• apela à participação em todas as acções solidárias com o levantamento popular sudanês que venham a ser organizadas nos próximos dias.
Tradução: Rui Viana Pereira
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