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Série: Os Estados ao serviço dos bancos sob o pretexto «Too big to fail» (parte 2)
As prendas e ajudas dos governos aos grandes bancos privados
por Eric Toussaint
1 de Setembro de 2014

As ajudas dos governos consistem em garantias e em injecções de capitais, a fim de recapitalizar os bancos. No período entre outubro de 2008 e dezembro de 2011, foram concedidos 1,174 biliões de euros (ou seja, 9,3 % do PIB da UE [1]) de garantias pelos governos da UE para assumir as dívidas bancárias em caso de necessidade. Há que juntar a isto 442 mil milhões de euros (3,5 % do PIB europeu) de injecções de capitais públicos no capital dos bancos. Em 2012 e em 2013, as recapitalizações continuaram: cerca de 40 mil milhões de euros em Espanha só em 2012, mais 50 mil milhões na Grécia, uns 20 mil milhões no Chipre, 4 mil milhões para o Dexia na Bélgica, 3,9 mil milhões para o Monte dei Paschi em Itália, 3,7 mil milhões na Holanda para o banco SNS, 4,2 mil milhões em Portugal; não esqueçamos a Irlanda, a Eslovénia, a Croácia. A quase total falência de um dos principais bancos portugueses, o Espírito Santo, em julho de 2014 tem igualmente um elevado custo para o Estado português. Note-se que estas ajudas directas prestadas pelos governos são geralmente dadas sem exigir a contrapartida de representantes do Estado nos conselhos de administração dos bancos, a fim de controlar a utilização dos fundos postos à disposição. [2]

Um pequeno cálculo aproximado pode dar uma ideia da importância das injecções de capital, se compararmos o volume destas com o capital dos bancos. Os vinte maiores bancos europeus têm, em 2012, activos na ordem dos 23 biliões de euros; tendo em conta que, em média, o capital fixo representa 3 % dos activos, o capital fixo total eleva-se grosso modo a 700 mil milhões de euros. Se tivermos em conta que os poderes públicos europeus realizaram, em poucos anos, injecções de capital nos vinte grandes bancos num total de 200 mil milhões de euros (seria necessário fazer um cálculo exacto, levando em conta as injecções em bancos como o Fortis, que foi recomprado pelo BNP Paribas), concluímos que o contributo foi verdadeiramente impressionante.
Por outro lado, referindo-se às garantias concedidas pelos Estados aos grandes bancos demasiado grandes para falirem, certos autores falam de subsídios implícitos aos grandes bancos e denunciam os efeitos perversos desta prática (ver caixa).

Os grandes bancos beneficiam de subsídios implícitos

Os bancos sistémicos sabem que em caso de problema, graças à sua dimensão e ao risco que representaria a falência de um deles («too big to fail»), poderão contar com o apoio dos Estados que os recomporão sem pestanejar, não importa o que tenham feito (é caso para levantar aqui a questão moral).
O mesmo sabem os credores dos bancos, o que os incita a emprestar aos bancos, uma vez que, em princípio, não correm riscos. De facto, os credores sabem que, na hipótese de os bancos falirem, não teriam de suportar os custos, que seriam assumidos pelo Estado, que age como fiador, em última instância. Esta situação, caracterizada por um risco muito baixo de não pagamento para o usurário, permite aos bancos negociar taxas de juro baixas (uma vez que o nível da taxa é proporcional ao nível de risco).
O montante dos subsídios implícitos representa o custo dos juros suplementares que os bancos teriam de desembolsar aos seus credores, caso não beneficiassem da garantia do Estado.
Os Verdes europeus calcularam que o subsídio implícito oferecido pelos poderes públicos aos grandes bancos europeus elevou-se, só no ano de 2012, a 233,9 mil milhões de euros. Baseiam este cálculo num estudo rigoroso que encomendaram. [3]
Esta garantia implícita tem efeitos perversos:
Encoraja os grandes bancos a continuar a correr riscos exagerados.
- Favorece a concentração dos grandes bancos, uma vez que os pequenos estabelecimentos não beneficiam de tais garantias e são obrigados a financiarem-se a custo mais elevado; em caso de exacerbação da concorrência, os pequenos estabelecimentos menos rentáveis podem ser levados a desaparecer ou a ser comprados pelos concorrentes.
- Finalmente, estes ganhos são inteiramente privatizados e não beneficiam a colectividade pública.

É preciso mencionar ainda outras formas de ajuda dos governos aos bancos:

- Os governos pedem emprestado nos mercados financeiros, emitindo títulos da dívida pública soberana. Confiam a venda desses títulos a grandes bancos privados, ditos primary dealers (os bancos escolhidos como primary dealers estão geralmente entre os trinta maiores bancos internacionais [4]), que aí encontram uma fonte de rendimento. A seguir, via banco central, os governos voltam a comprar aos bancos, no mercado secundário, uma parte dos títulos que foram vendidos no mercado primário via bancos primary dealers. Em finais de janeiro de 2014, constavam no balanço do banco central dos EUA 2,228 biliões de dólares de títulos do Tesouro comprados aos bancos. No balanço do Banco de Inglaterra, em 13 de março de 2014, constavam 371 mil milhões de libras esterlinas de gilts [5], ou seja, títulos do Tesouro britânico, comprados igualmente no mercado secundário; e no balanço do BCE, a 31 de dezembro de 2013, constavam 185 mil milhões de euros de títulos soberanos italianos, espanhóis, irlandeses, gregos e portugueses, todos eles adquiridos igualmente aos bancos no mercado secundário [6].

- A redução de impostos (sobre os benefícios) efectivamente pagos pelos bancos. Os bancos declararam perdas, em 2008 e 2009 (nalguns casos noutros anos), o que lhes permite não pagar impostos durante vários anos. De facto, as perdas são reflectidas nos anos seguintes, o que permite reduzir drasticamente os impostos pagos aos Estados. É provável que o BNP Paribas tente burlar o fisco de França, contabilizando como perda a multa de 9000 milhões de dólares que vai pagar aos EUA. Isto permitir-lhe-á pagar menos impostos. É possível que o governo francês dê cobertura a este negócio, pois está estreitamente ligado aos patrões dos bancos.

- A recusa dos governos em condenar os bancos considerados «demasiado grandes para serem condenados» [7]. Desde 2007-2008, nenhum banco da União Europeia, da América do Norte ou do Japão, fosse qual fosse a gravidade dos delitos e abusos cometidos, perdeu a licença bancária (quer isto dizer: o direito de exercer o negócio de banca); as multas pagas são diminutas [8] e permitem aos bancos evitarem uma condenação pura e dura. Nenhum dirigente bancário foi parar à prisão (salvo na Islândia, que não pertence à UE) ou se viu impedido de continuar a praticar a profissão. Apenas foram aplicadas condenações a agentes ou empregados bancários que, na maior parte das vezes, são condenados por terem causado prejuízos ao banco. Confirma-se no caso de alguns traders, como Jérôme Kerviel, que desempenharam o papel de bodes expiatórios. Ao adoptarem esta atitude laxista em relação aos bancos, os Estados encorajam-nos e deixam prosperar a falta de moral.

- A recusa de tomar medidas verdadeiramente restritivas que imponham às instituições financeiras uma autêntica disciplina, a fim de evitar a reprodução das crises bancárias [9].

- A recusa de forçar os bancos que recebem empréstimos do BCE a utilizá-los para conceder crédito às famílias e às PME (que constituem os principais empregadores) e assim contribuir para o relançamento da economia. Os bancos estão completamente à vontade para utilizarem os empréstimos recebidos como muito bem lhes aprouver e sem que isso tenha um impacto positivo na economia real. Eis a prova: o crédito às empresas, em particular às PME, baixou em 2012 e em 2013. De súbito, o BCE anunciou, em junho de 2014, que, nos próximos empréstimos de longo prazo que conceder aos bancos, vai passar a exigir que os ditos créditos sejam utilizados para conceder empréstimos às empresas e aos consumidores. A ver vamos se o BCE cumpre a promessa.

Tradução: Rui Viana Pereira
Revisão: Maria da Liberdade


Parte 1
Parte 2
Parte 3


Eric Toussaint, docente na Universidade de Liège, preside ao CADTM Bélgica e é membro do conselho científico da ATTAC França. É autor dos livros Bancocratie, Aden, 2014, http://cadtm.org/Bancocratie; Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marselha, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010.

Notas :

[1Comissão Europeia, «Aides d’État : le tableau de bord confirme la tendance à la diminution et à un meilleur ciblage des aides non liées à la crise», Bruxelas, 21 de dezembro de 2012.

[2O Estado belga adquiriu 10 % do capital do principal banco francês, o BNP Paribas (que prometeu pagar uma multa de 9 mil milhões de dólares às autoridades norte-americanas em junho de 2014), o que fez dele o principal accionista, mas não tem direito de voto no conselho de administração e os dois administradores nomeados sentam-se no conselho de administração como independentes!

[4É preciso sublinhar que são precisamente os que estão envolvidos em vários escândalos, delitos, abusos e manipulações: manipulação do Libor, do mercado de câmbios, do mercado de ouro, do mercado físico de commodities, na evasão fiscal massiva, etc.

[5Ver no sitio do Banco de Inglaterra: http://www.bankofengland.co.uk/markets/Pages/apf/results.aspx

[6Títulos soberanos irlandeses: 9,7 mil milhões de euros; títulos gregos: 27,7 mil milhões de euros; títulos espanhóis: 38,8 mil milhões de euros; italianos: 89,7 mil milhões de euros; portugueses: 19,8 mil milhões de euros.

[7Ver: Eric Toussaint, «Série: Os bancos e a doutrina «demasiado grandes para serem condenados» (em 9 partes). A parte 1 (versão portuguesa) foi publicada a 19 de março de 2014, http://cadtm.org/Os-bancos-e-a-nova-doutrina-Too

[8A multa de 9 mil milhões de dólares que o BNP Paribas prometeu pagar às autoridades norte-americanas, a fim de escapar a uma condenação, não afecta a saúde do banco, segundo declarações prestadas pelo seu director-geral. Ver Patrick Saurin e Eric Toussaint, «BNP Paribas sanctionnée par les autorités des États-Unis: il faut aller plus loin», publicado em 13 de julho de 2014, http://cadtm.org/BNP-Paribas-sanctionnee-par-les

[9Ver: Eric Toussaint, «Comment les banques et les gouvernants détruisent les garde-fous», publicado em 13 janeiro de 2014, http://cadtm.org/Comment-les-banques-et-les

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.