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Éric Toussaint : « O BCE desestabilizou a economia para submeter a Grécia às exigências dos credores»
por Eric Toussaint , Rosa Moussaoui
20 de Julho de 2015

Entrevista realizada por Rosa Moussaoui, enviada especial do jornal Humanité em Atenas

Teremos nós assistido nas últimas semanas, em Atenas, a um golpe de Estado financeiro, como afirmam numerosos observadores na Grécia e no estrangeiro?

Éric Toussaint: Sim e não. O factor decisivo neste caso foram as decisões políticas, tomadas por instâncias políticas cúmplices, claro está, dos interesses financeiros. Não é um golpe de Estado executado directamente pela finança, mas sim pelas instituições: a Comissão Europeia, os chefes de Estado e de governo dos países da zona euro. A Alemanha não é a única implicada. É manifesto que o espanhol Mariano Rajoy ou o português Pedro Passos Coelho, já para não falar dos governos finlandês ou letão, dedicados defensores das políticas neoliberais, fizeram questão de mostrar aos respectivos povos que a opção representada aos Gregos e aos povos da Europa pelo Syriza não podia funcionar. Trata-se portanto de decisões políticas. É claro que os grandes bancos privados, as multinacionais, também queriam demonstrar que é impossível virar costas à austeridade. Mas temos de nos lembrar que actualmente os principais credores da Grécia são entidades públicas. Os bancos já não são os principais credores; foram-no até 2012, alturaem que se livraram dos créditos que detinham. A reestruturação da dívida em 2012 permitiu-lhes pôr-se a salvo por um belo preço. Actualmente a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e os Estados da zona euro querem a todo o custo, e apesar do descalabro das políticas económicas impostas à Grécia, que o país permaneça no trilho do neoliberalismo. O FMI também é, sem dúvida, uma instância política.

Alexis Tsipras esperava, em troca da sua capitulação às políticas de austeridade, obter compromissos sobre o alívio da dívida. Quanto aos credores, concedem apenas a abertura em 2015 duma discussão sobre um eventual rearranjo da dívida a partir de 2022. Porquê esta intransigência, quando o próprio FMI considera a dívida insustentável?

Éric Toussaint: Na minha opinião poderia haver uma reestruturação da dívida antes de 2022. Os credores dizem «nunca antes de 2022» porque sabem que esse plano não irá funcionar, que o pagamento da dívida será insustentável. Eles hão-de reestruturar a dívida. Mas condicionando essa reestruturação ao prosseguimento de reformas neoliberais. A dívida é um meio de chantagem, um instrumento de dominação. Fundamentalmente, no caso grego, não é tanto a rentabilidade que conta para os credores, ainda que ela exista. O que os motiva, é mostrar aos seus povos e aos países periféricos que não existe meio de fugir ao modelo. Para Hollande, poder dizer: «Vejam, até Tsipras, até a esquerda radical não consegue sair do carreiro!», é a posteriori e no debate francês a justificação da sua própria abdicação, em 2012, da promessa de renegociar o tratado europeu sobre estabilidade orçamental.

Perante a violência da ofensiva dos credores, teria Tsipras outra escolha? A alternativa resumir-se-ia à saída do euro?

Éric Toussaint: Não, não creio. A escolha não era obrigatoriamente entre o Grexit e a permanência na zona euro acompanhada de novo plano de austeridade, continuando a pagar a dívida. Era possível ficar na zona euro desobedecendo aos credores e invocando o direito. Estão aqui em jogo violações dos direitos humanos. Era preciso suspender o pagamento da dívida; assumir o controlo do Banco Central grego – cujo governador, nomeado por Antonis Samaras, joga contra os interesses do país – e lançar uma moeda electrónica complementar que ajudaria a fazer frente ao esvaziamento organizado da liquidez, permanecendo na zona euro. Seria preciso também: 1) declarar a falência dos bancos e transferi-los para o sector público, garantindo a protecção dos depósitos inferiores a 100.000 euros, indemnizando os pequenos accionistas e recuperando o custo do saneamento do sector bancário graças ao património global dos grandes accionistas. 2) Baixar a taxa do IVA sobre os produtos e serviços de primeira necessidade, baixar os impostos directos sobre os rendimentos e patrimónios mais baixos. Aumentar muito fortemente os impostos sobre os rendimentos e patrimónios dos 10% mais ricos (visando especialmente o 1% mais rico). 3) Parar com as privatizações e reforçar os serviços públicos.
Dada a aceitação do acordo funesto de 13 de julho pelo Parlamento grego, a perspectiva de saída voluntária do euro é uma opção claramente a considerar. Cada vez mais gregos e cidadãos de outros países da Europa compreendem que dentro da zona euro não existe uma solução favorável aos povos. Em caso de saída voluntária do euro, as medidas propostas mais acima permanecem perfeitamente válidas e devem ser completadas com uma reforma monetária redistributiva [para mais pormenores, ver «Grécia: propostas alternativas à capitulação da noite de 15 para 16 de julho de 2015»].

O BCE, instrumento do golpe de Estado, inunda os mercados financeiros de liquidez, insuflando assim os mecanismos de especulação. Será possível pôr a criação monetária ao serviço da economia real, das necessidades sociais, do desenvolvimento humano?

Éric Toussaint: Sem dúvida! Mario Draghi não é «independente». Ele é a correia de transmissão dos grandes bancos privados e dos governos da zona euro. O BCE desestabilizou a economia grega de forma deliberada, para submeter a Grécia às suas exigências e às dos outros credores.

Esta versão foi revista e completada para o site www.cadtm.org por Éric Toussaint, no seguimento do funesto acordo de 13/julho/2015 pelo Parlamento grego.

Tradução: Rui Viana Pereira


Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

Rosa Moussaoui