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Brasil: austeridade, dívida e comércio
por Michael Roberts
11 de Julho de 2018

O Brasil é parte da nova crise comercial e cambiária. O real brasileiro também acusou o golpe. De 2014 para cá, o seu valor em comparação ao dólar foi reduzido pela metade, retrocedendo até o seu mínimo histórico desde a Grande Recessão de 2008-09: de R$4 para US$ 1

Acabo de voltar do Brasil, onde estive na reunião anual da Sociedade de Economia Política (SEP) da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Rio de Janeiro, e nas faculdades de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de São Paulo (USP).

Durante eu realizava essa viagem, as divisas dos principais países emergentes se afundavam em comparação ao dólar. As medidas do presidente Trump de “aumentar a aposta” com respeito às taxas comerciais contra todos – e as contramedidas que tomadas a partir disso, por parte da China e da União Europeia – afetarão sobretudo essas economias, e suas exportações. Ao mesmo tempo, a Reserva Federal dos Estados Unidos elevou ainda mais a sua taxa de juros política. Com o tempo, essas medidas incrementarão o custo do serviço da dívida em dólares para essas economias emergentes.

Assim, a crise de dívida dos mercados emergentes está cada vez mais próxima. A Argentina já teve que pedir ajuda ao FMI, e obteve um empréstimo de $ 50 bilhões de dólares – e, ainda assim, o seu mercado de valores caiu quase 10% em um só dia, esta semana. O rand sul-africano também mostrou uma queda ao nível mais baixo nos últimos dois anos.

O Brasil é parte desta nova crise comercial e cambiária. O real brasileiro também acusou o golpe. De 2014 para cá, o seu valor em comparação ao dólar foi reduzido pela metade, retrocedendo até o seu mínimo histórico desde a Grande Recessão de 2008-09: de R$4 para US$1.


E com o desemprego se mantendo perto dos níveis máximos:

O país se prepara para as eleições presidenciais de outubro. O principal candidato segundo as pesquisas é o ex-presidente Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). Mas ele está preso, condenado por corrução. É pouco provável que sua candidatura possa ser confirmada pela Justiça Eleitoral, portanto, o resultado dessas eleições passa a ser incerto. Ademais, 50% dos brasileiros dizem que não pretendem votar (apesar de ser obrigatório), o que é um indício do desprestígio da política e dos políticos diante da maioria dos brasileiros, provavelmente devido aos casos de corrução e as dúvidas sobre a perspectiva de que o Brasil conseguirá sair da depressão econômica que sofre desde o fim do auge dos preços das matérias primas, em 2010.


A Grande Recessão de 2008-09 golpeou a sua economia, como a de todo o mundo, mas quando os preços das principais exportações brasileiras (alimentos e energia) se derrubaram, a economia local entrou em uma profunda depressão, que aumentou ainda mais no período entre 2015 e 2016. A leve recuperação posterior também se estagnou.

A atual administração, do presidente Michel Temer, chegou ao poder através de um golpe constitucional dirigido pelos partidos de direita no Congresso, que levaram à destituição da presidenta Dilma Rousseff. Desde o começo da sua gestão, Temer tem buscado impor políticas neoliberais clássicas: austeridade, cortes drásticos nos serviços públicos, redução do emprego no setor público e menor investimento público. Mas a prioridade de Temer tem sido massacrar a previdência estatal. A crise e o alto nível de dívida pública tem que ser pagos pelos cidadãos brasileiros. Não é de se estranhar que o índice de popularidade de Temer tenha caído a um mínimo histórico de somente 4%. Entretanto, o argumento é que o déficit do setor público (na atualidade, ao redor de 8% do PIB) e a dívida devem ser controlados, para recuperar a “confiança” das empresas e dos investidores estrangeiros.

O Brasil tem a maior proporção de dívida pública das economias emergentes (dados do FMI):

Mas a causa do elevado déficit orçamentário e da dívida não é o gasto “excessivo” do governo em matéria de pensões, etc. Pelo contrário, são as incessantes e contínuas crises no setor capitalista, e o baixo nível de arrecadação. Porque no Brasil os ricos não pagam impostos altos, e ainda por cima sonegam grande parte dos que deveriam pagar, enquanto a maioria da população paga impostos sobre o consumo, que são muito regressivos. Os mais pobres observam uma porcentagem mais alta de impostos incidindo sobre a sua renda que os mais ricos.

A crise foi causada pelo colapso do setor capitalista no Brasil, e o custo está sendo empurrado para o setor público e para os brasileiros, através das medidas de austeridade. Os resultados da crise e da austeridade eram evidentes na minha última visita ao Brasil: nas ruas degradadas das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos altos níveis de delinquência, e também nos comentários das pessoas, como os que assistiram aos eventos onde participei, citando o congelamento dos gastos em educação e saúde.

Não foi uma surpresa que a SEP me pedisse para falar sobre o impacto da austeridade a nível mundial. “A austeridade, o investimento e os benefícios” foi o título da minha conferência, que defendeu dois pontos: em primeiro lugar, que a austeridade não foi a causa da depressão ou da Grande Recessão no capitalismo global. Pelo contrário, o gasto público crescia na maioria dos países antes da crise. Basta ver o gráfico da evolução do gasto público nas economias emergentes (cálculos meus):

Porém, o mais importante que eu queria demonstrar é que, embora os brasileiros devam resistir e reverter as políticas de austeridade com todas as suas forças, para proteger os serviços públicos e o Estado de bem-estar, não será simplesmente aumentando o gasto público, como afirmam os keynesianos, que o país irá resolver o problema das crises e auges capitalistas.

Em minha apresentação, eu mostrei ambos os argumentos teóricos e evidências empíricas para concluir que a mera impulsão do gasto público não terá o suficiente efeito “multiplicador” sobre o crescimento, a renda e o emprego, enquanto o modo de produção capitalista seja dominante. A produção capitalista só se reativará com um aumento da rentabilidade e dos benefícios em geral, e a forma de sair da crise do capitalismo é a partir das recessões e da “austeridade” – às custas dos trabalhadores. Demonstrei que o impacto de um aumento da rentabilidade no crescimento dentro do modelo capitalista – o que eu e meu colega Guglielmo Carchedi chamamos de multiplicador marxista – é muito maior que o aumento do gasto público (o multiplicador keynesiano). Assim, a política de austeridade não só é uma irracionalidade ideológica pró-mercado, como afirmam os keynesianos, como também tem sua racionalidade num contexto de baixa rentabilidade para o setor capitalista dominante.

Como demonstrei nas conferências realizadas em universidades do Rio e de São Paulo, a Longa Depressão continua, e agora parece estar entrando numa nova fase. Em primeiro lugar, devido ao crescente risco de uma guerra comercial entre os Estados Unidos de Donald Trump e o resto do mundo. Em segundo lugar, pelo aumento do custo da dívida e a erosão da estabilidade empresarial, sobretudo entre as economias emergentes, como o Brasil. O calendário de pagamentos da dívida contraída com os estrangeiros alcançará seu ápice no próximo ano, quando os custos de serviço e “reestruturação” da dívida serão mais altos.

E, como já havia sido demonstrado, o Brasil tem os mais altos custos de serviço de dívida de todas as grandes economias emergentes:

A economia mundial vem experimentando uma ligeira recuperação – dentro da Longa Depressão – após a quase recessão de 2016. Pero parece que, em 2018, o crescimento a nível mundial alcançará seu ponto máximo, e os baixos níveis subjacentes de rentabilidade e investimento reaparecerão, junto com uma nova crise da dívida no setor empresarial não financeiro, o que significará novos riscos. Veremos o que acontece.

Fonte: Carta Maior


Michael Roberts

é um conhecido economista marxista britânico, que trabalhou por mais de 40 anos na City londrina como analista económico, onde observou de perto as manigâncias do capitalismo mundial. Ao mesmo tempo, militou no movimento sindical durante décadas. Depois de reformado escreveu vários livros e publica análises regulares no seu blog The Next Recession