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Entrevista
Toussaint sobre a Comuna de Paris: «O Banco da França devia ter sido tomado, qualquer governo popular digno deste nome deveria fazê-lo»
por Eric Toussaint , Raffaelle Morgantini
20 de Maio de 2021

A estátua de Napoleão no chão, da série de fotografias A queda da coluna Vendôme de Bruno Braquehais (CC - Wikimedia)

Entrevista de Raffaelle Morgantini com Eric Toussaint (historiador e porta-voz do CADTM)


1) A guerra entre a França e a Prússia em julho de 1870 devastou os recursos da França e causou a explosão do fardo da dívida. Alguns meses depois, a Comuna de Paris começou. Quais foram as consequências desta dívida para a Comuna?

A dívida na França aumentou muito sob o império de Napoleão III, particularmente por causa das aventuras coloniais deste último. Esta dívida foi acrescentada àquela contraída anteriormente pela monarquia. Como Marx analisou, a monarquia e o império de Napoleão III eram dominados pela burguesia financeira, que tinha interesse em aumentar a dívida pública.

Em 1870, Napoleão III declara guerra à Prússia. A derrota de Napoleão III contra o exército de Bismark e sua prisão em Sedan em 2 de setembro de 1870 pelas tropas prussianas provocaram uma primeira rebelião popular em 4 de setembro. A classe política e a burguesia financeira decidiram proclamar a República a fim de deter a radicalização e a indignação popular contra os efeitos da guerra e da capitulação. A principal preocupação não era democrática, era acalmar o povo a fim de continuar o pagamento da dívida. Deve-se perceber que a classe política da época e a classe financeira formaram um todo único, composto de membros da mesma classe dominante e, portanto, compartilhando os mesmos interesses.

A principal preocupação não era democrática, era acalmar o povo a fim de continuar o pagamento da dívida

Em fevereiro de 1871, o governo eleito de Thiers contrata um novo empréstimo de 2 bilhões. Estava convencido de que as medidas impopulares necessárias para pagar a dívida provocariam uma reação muito forte do povo de Paris, que, não se deve esquecer, estava armado. De uma população parisiense de 2 milhões de habitantes, havia 300.000 guardas nacionais armados.

A dívida tem um papel fundamental nos eventos da Comuna. De fato, o levante popular de 18 de março também foi motivado pela rejeição das dívidas de guerra da França. Para poder continuar a pagar esta dívida e fazer o povo engolir as medidas de austeridade, era necessário desarmá-los. Segundo Marx, Thiers estava preparado para provocar uma guerra civil na qual ele quebraria a resistência do povo e o obrigaria a pagar a conta. Então ele enviou o exército a Paris para roubar os canhões que pertenciam ao povo, mas o exército se recusou a reprimir o povo e os soldados se voltaram contra seu comando. Os ladrões foram forçados a fugir para Versalhes com toda sua administração: este foi o início da Comuna.

Os ladrões foram forçados a fugir para Versalhes com toda sua administração: este foi o início da Comuna


2) A França também contraiu uma enorme dívida com a Prússia de Bismarck. Esta dívida desempenha algum papel na escala da repressão em maio?

Sim, foi. Além da dívida pública da França, a Prússia de Bismarck exigiu um tributo de guerra de 5 bilhões. Há uma pressão constante de Bismarck sobre o governo de Thiers. Bismarck disse a Thiers: «Se você quer um verdadeiro tratado de paz e que a Prússia retire suas tropas, você deve pagar o tributo». Bismarck sabia que para que isso acontecesse a França tinha que impor uma derrota radical e sangrenta ao povo de Paris em armas, que certamente não se deixariam vencer. Para fazer isso, Thiers pediu à Prússia que o ajudasse a retomar a cidade.

O chanceler Bismark recusou-se a usar suas tropas para entrar em Paris e enfrentar o povo armado. Em vez disso, ele entregou a Thiers mais de 100.000 soldados franceses, prisioneiros da guerra de 1870, que foram libertados e enviados a Versalhes onde foram reorganizados por Thiers para atacar Paris.


3) Quais foram as responsabilidades da Comuna na gestão deste caso? Que tipo de medidas deveria ou poderia ter sido tomadas?

A primeira coisa a salientar é que após 18 de março, dado que o povo estava armado e os soldados enviados por Thiers haviam se recusado a atacar, teria sido apropriado perseguir Thiers e sua administração, e prendê-lo. A Comuna não o fez, o que constitui um primeiro erro grave.

Em segundo lugar, tem a questão do Banque de France. Este banco privado estava no centro da Comuna de Paris. Após os acontecimentos de março de 1871, os comunardos não tomaram o banco, que permaneceu nas mãos do governo de Thiers e continuou a financiá-lo (Thiers recebeu mais de 350 milhões de francos de ouro). Como diz Prosper Lissagaray, historiador e ativista da Comuna, «a Comuna parou em frente ao cofre burguês».

O Banco da França devia ter sido tomado, inclusive fisicamente, qualquer governo popular digno deste nome deveria fazê-lo. Isto era completamente factível, sem derramamento de sangue

Foi Charles Beslay, delegado da Comuna no Banco da França, que impôs à Comuna não «violentar» (sic!) ou tomar o controle do Banco. Beslay permitiu assim que o Banco da França continuasse a financiar Thiers, que pôde assim reorganizar o exército e suprimir a Comuna. Para Beslay, o Banco era a fortuna da França e levá-lo teria significado o caos. Agora, veja que coincidência, Beslay foi o único líder da Comuna que não foi executado, preso ou exilado. Ele se refugiou na Suíça com a permissão de Thiers.
O argumento do caos... é o mesmo argumento há séculos. Ouvimos a mesma coisa na Grécia, com Varoufakis decidindo com Tsipras deixar no seu posto o governador do Banco da Grécia fiel aliado da Troika e dos banqueiros privados gregos. Pelo contrário, os revolucionários cubanos assumem o controle do Banco de Cuba e Che Guevara se torna seu diretor.

O Banco da França devia ter sido tomado, inclusive fisicamente, qualquer governo popular digno deste nome deveria fazê-lo. Isto era completamente factível, sem derramamento de sangue. Era necessário colocar o banco a serviço da Comuna e impedir que Thiers o utilizasse para preparar a repressão da Comuna.


Tradução: Alain Geffrouais


Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

Raffaelle Morgantini

licenciou-se em Relações Internacionais na Universidade de Genebra.